Política

Tucano em ninho seco;
Manente e capitania

DANIEL LIMA - 05/08/2024

O Diário do Grande ABC deste domingo trouxe duas reportagens surreais, dessas coisas difíceis de entender, por mais que política e eleições se associem como festival de bobagem.

O que o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, veio fazer em Santo André se o tucanato há muito está morto e enterrado pelo eleitorado local, quando não estadual? Os tucanos nacionais também se espremem numa banda muito estreita que separa direita de esquerda.  

E o que Alex Manente tem de respaldo histórico para virar crítico do que chama de capitania hereditária, ao se referir à candidatura de Flavia Morando à Prefeitura de São Bernardo?

Vou começar especulando sobre a vinda de Eduardo Leite. Especular é próprio do jornalismo político quando se trabalha com nuances, não necessariamente com fatos, embora os fatos sejam também capturáveis de modo a sustentar argumentação.

REFORÇO IMPROVÁVEL

O mais provável mesmo é que o governador  Eduardo Leite veio a Santo André não por conta de votos potenciais de reforço à candidatura de Gilvan Júnior, porque a banda não toca para tucano paulista na região e muito menos para tucano gaúcho.

Eduardo Leite veio prestigiar um prefeito tucano que deve deixar o ninho tucano embora tenha sido elevado à condição de tucano-mor dos paulistas, como presidente do tucanato que se desmancha. Um reinado, como se sabe, de pouca valia. O PSDB  que se dissolve a cada dia não passa de um time da zona de rebaixamento da política nacional.

Para quem no dia anterior desfilava nas redes sociais a adesão dos Republicanos de Tarcísio de Freitas para reforçar a campanha de  Gilvan Júnior, candidato do Paço, a moeda de Eduardo Leite não vale um tostão furado em termos práticos.

Menos, claro, para os sonhos de escalada individual-partidária do prefeito de Santo André, algo que é um direito sagrado na democracia, embora tenha custado caro ao Desenvolvimento Econômico da cidade, pasta praticamente abandonada como versão factível de mudanças durante dois mandatos. Mais que abandonada, transformada em marketing rastaquera.

ORIGEM ESQUECIDA?

Acho que já esgotei esse tema, mas não custa ressaltar que qualquer que eventualmente tenha sido o benefício em termos eleitorais, é muito pouco comparativamente a tantos outros na panela de pressão de definição do eleitorado.

Eduardo Leite que vale mesmo voto é o  vereador homônimo, ex-petista e agora na coligação de Geraldo Alckimin, vice-presidente da República. Talvez por conta da homonímia, Eduardo Leite daqui tenha ganhado alguma coisa com a visita do Eduardo Leite de lá.

Quanto às declarações de Alex Manente, candidato a prefeito em São Bernardo, amigo chegado de Paulinho Serra, a definição de capitania hereditária endereçada ao prefeito Orlando Morando por indicar a própria sobrinha à sucessão, recomendam ponderação. Manente possivelmente tenha se inspirado nele mesmo para chegar aonde chegou.  

Primeiro, a bem da verdade, digo que digo que não tenho, preliminarmente, nada contra a escolha de parentes próximos ou amigos para concorrer ao que quer que seja. É uma prerrogativa que deve contar com ampla liberdade e risco.

A Constituição veda apenas em situações específicas, como, por exemplo, tanto no caso de Orlando Morando quanto de Paulinho Serra, indicarem as respectivas mulheres, deputadas estaduais, a concorrerem ao Executivo. Não houvesse o impedimento legal, não faltariam primeiras-damas na disputa do Executivo.

É DO JOGO

São inúmeros os casos de indicação de parentes na política nacional e quem não o faz geralmente é porque não tem como fazê-lo ou se o faz mesmo sem ter muito o que fazer normalmente quebra a cara. São milhares os casos, nos últimos 10 anos, só para dar um exemplo prático, de primeiras-damas que se tornaram vereadoras, deputadas e tudo o mais. E, em seguida, marido fora do jogo, também chegam ao Executivo.

Vamos ao caso específico de Flavia Morando, confirmada ontem candidata do Paço em convenção concorridíssima no Estúdio Vera Cruz: ela só estaria gozando em última instância de extensão da democracia representativa como no passado Alex Manente foi beneficiário do pai Otávio Manente, secretário de Obras do prefeito Maurício Soares. Na primeira disputa, por exemplo, ao Legislativo de São Bernardo, foi o mais votado. Se alguém disser que foi obra do Espirito Santo, vou acabar acreditando. Vou acabar acreditando que perdi o juízo.

Todo mundo sabe que secretaria de obras é o espaço mais nobre no organograma municipal. Ganha de lavada da maioria dos demais espaços. O filho Manente contou com o pai Manente como introdutor na vida político-partidária. Tanto que ao morrer em 2011, vítima de câncer, o pai Manente deixou o filho Manente deputado estadual.

PÓS-MORTE

Tivemos nesse caso como em muitos casos um caso típico de capitania hereditária política. Fosse o pai Manente mantido vivo e não houvesse morrido aos 55 anos tudo indica que teria concorrido à Prefeitura como o filho concorreu já várias vezes, pulando de galho em galho da direita à esquerda. O embalo paternal inicial prolonga vida afora e interesses adentro o sonho  de Manentinho com a Prefeitura. Nada que a democracia não ratifique.

O mais importante mesmo é definir a flexibilidade do que significaria capitania hereditária, a marca que Alex Manente impinge depreciativamente ao prefeito Orlando Morando.

Faz parte do jogo eleitoral apelar à demarcação de determinadas execrações públicas, como é o caso, mas numa análise breve e apenas a titulo de esclarecimento, convém lembrar que capitania hereditária dispensa parentesco consanguíneo. Basta constar de determinado grupo político.

Outras denominações podem ser adaptadas, como dinastia, por exemplo. Mas tudo, de fato, é a mesma coisa. O controle do poder, independentemente de juízo de valor sobre o que isso significaria, é o que move todo político. E, convenhamos, nas corporações privadas também. Há diferenças, claro, mas não convém detalhá-las.

Alguém tem dúvida de que no frigir dos ovos de coerência interpretativa desconsiderar João Avamileno prefeito de  Santo André pura consequência de uma ação típica de capitania hereditária petista após a morte do titular? Ou que José Auricchio Júnior não seria uma ramificação de Luiz Tortorello? Ou Tarcísio Secoli não daria continuidade à hierarquia hereditária também partidária que Luiz Marinho pretendia deixar com sucessor em São Bernardo, derrotado em 2016 por Orlando Morando, a bordo dos estragos de Dilma Rousseff.

CAPITANIA DE REVEZAMENTO

Não seria capitania hereditária, também, a turma que se reveza em dezenas e dezenas de municípios brasileiros, driblando, no bom sentido do termo, a expressa impossibilidade de individualmente se acumularem mais de dois mandatos seguidos?

Portanto, Alex Manente faz uso de uma velharia desclassificatória para tentar levar o eleitor no bico. Quem deve pagar o preço ou receber os louros da ousadia praticada nesta temporada por Orlando Morando, ao escalar a sobrinha para a sucessão, é o próprio Orlando Morando.

Tanto quanto Paulinho Serra em Santo André ao escolher  Gilvan Júnior, um desconhecido, para a sucessão. Alguém acredita que Gilvan Júnior eleito não seria uma parte da atividade político-partidária de Paulinho Serra e de seu grupo de poder, além dos interesses na vizinhança do Paço Municipal?

ABAIXO O CINISMO

Deixemos de cinismo. O jogo jogado é esse e quem chora chorado como tem chorado Alex Manente é porque viu lhe escapar entre os dedos de alguma imprevidência estratégica o caminho menos tormentoso para chegar à vitória.

Manente aliado de Morando seria uma capitania hereditária sim. Se não o fosse,  todos os políticos deveriam ser decapitados por causa de burrice congênita.

Os livros de história e os compêndios sobre eleições podem dar conotações diferentes ao conceito de capitania hereditária, mas o esticamento de poder próprio dos humanos independe de consanguinidade embutida no preconceito eleitoral de Manente.

Alex Manente ungido pelos poderes do pai Manente faz parte do enredo de capitania hereditária. Nada mais natural. Afinal, política tem características próprias que não parecem tão meritocráticas quanto, por exemplo, um time de futebol em ação, mas, convenhamos, exige sim atributos que, goste-se ou não, tornam distintos pernas de pau e craques nas urnas.

ESCALAÇÃO ADVERSÁRIA

Quem reclama da escalação do time adversário, uma escalação, aliás, tão surpreendente quanto corajosa, tão instigante quanto desafiadora, não se dá conta de que está confessando publicamente um temor que possivelmente deve ter animado o outro lado do campo de jogo.

Reação distinta do que se viu ontem nas dependências do Vera Cruz quando a campanha de Flávia Morando parece ter encontrado o encaixe prefeito como mote da disputa. Vou tratar disso em outro texto.

Poucos aperceber que se encontrou um veio a distinguir a candidatura da jovem tigresa. Jovem tigresa? Acompanhei o discurso de Flávia Morando num celular. Não temos uma menina introspectiva como temos em Santo André um Gilvan Júnior, por exemplo.

Flávia Morando atacou a jugular dos adversários. Para quem gosta de emoções e se desafia a descobrir o perfil de pessoas próximas ou não, foi um prato cheio. Isso não quer dizer que Gilvan Júnior é um prato vazio. Nada disso. Vou explicar esse treco num texto específico.



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