Política

QUAL É O PREÇO DE
FORA BOLSONARO?

DANIEL LIMA - 02/09/2024

O que ocorreu na última quinta-feira  na maior vitrine popular de Santo André é uma obra de gênios da politica ou o que tivemos foi mais um capítulo de tropeço do Paço Municipal após a botafogada que criou uma oposição dentro da situação e que agora se consolida como antagonista que incomoda para valer?

Não nego que pode ser precipitada qualquer avaliação definitiva a respeito da tomada do Calçadão da Oliveira Lima tendo por base os próprios acontecimentos registrados, de divisão de duas torcidas formadas por eleitores do situacionista Gilvan Junior e do vice-prefeito dissidente e concorrente Luiz Zacarias. Por isso essa é uma avaliação preliminar.  Até porque os fatores que a integram, oito vértices, têm em várias situações relações entre si e formariam diferentes geometrias interpretativas.

Por mais cuidadoso na construção dessa análise, fazendo o possível para esgueirar-me entre o evidente e o subjetivo, o genial e o estúpido, num desafio à cognição e à  percepção, não alcancei o objetivo desejado. E que objetivo era esse? Ora, fazer  de tudo para não escolher uma das duas alternativas centrais do caso – mesmo que provisórias.

Entre a genialidade do Paço Municipal e a estupidez do Paço Municipal ao lançar apoiadores para dividir cada centímetro do Calçadão da Oliveira Lima, e, principalmente, hostilizar o ex-presidente Jair Bolsonaro, preciso reconhecer que mágico não sou para  sair da enrascada imune a qualquer erro. E como não sou mágico, fico com o óbvio, mesmo reconhecendo que o óbvio pode ser um equívoco.

O óbvio conclusivo a que cheguei resistiria a qualquer ponderação disponível no momento, mas pode ser contrariado mais adiante. Do outro lado, do lado intermediado pelo alarme à conclusão sem risco,  está um conjunto de erros evidentes e acertos imperceptíveis a ponto de que é impossível não chegar aonde cheguei.

Ou seja: tivemos um caso típico de estupidez, não de genialidade, a partir da ordem de disparada dos seguidores de Gilvan Junior rumo ao Calçadão em que o prefeiturável Luiz Zacarias recebia o sempre simpático senador Marcos Pontes.

AÇÃO ESTRATOSFÉRICA

Talvez a presença do senador astronauta no Calçadão da Oliveira Lima tenha provocado nos adversários de Luiz Zacarias uma onda frenética de inveja pelo espaço sideral. Como se partissem rumo a uma estratosfera reveladora dos segredos eleitorais, a passarela  mais popular de Santo André foi tomada e dividida. Virou um Fla-Flu de manifestação.

Até aí, tudo bem, porque, afinal, democracia é isso mesmo, barulhenta por natureza. O problema todo é que o Paço deslocado ao Calçadão bateu em Jair Bolsonaro. A disputa foi arremessada à lua de especulações e desconfianças. Quem vai segurar esse rojão?

Faço, na sequência, série de ponderações, conjecturas, conclusões e tudo o mais para tentar desvendar o mistério do Calçadão da Oliveira Lima. Sim, isso mesmo, mistério, enigma ou assemelhados. Até prova em contrário, é impossível deixar de enveredar por caminhos complexos diante do que aparentemente se converteu em patetice. Como em politica e principalmente em campanhas eleitorais nem tudo que parece de explicar é mesmo de ser explicado. Convém ficar com um pé atrás. 

1. COMBATENDO A DIREITA.

2. DEFINIÇÃO PELO CENTRO.

3. ESCOLHA DO ADVERSÁRIO.

4. CENTRO ELÁSTICO.

5. ESQUERDA SELECIONADA.

6. OPERAÇÃO CAMICASE.

7. FATOR TARCÍSIO.

8. ESPADA DO CINEMA.

Exposta essa seleção de fatores que, individualmente ou não, poderiam se confirmar com a chave do cofre à interpretação mais sensata do caso do Calçadão tomado pelos eleitores de Gilvan Júnior, após dado o comando de invasão diretamente do Paço Municipal, vamos  explorar as possibilidades. 

1. COMBATENDO A DIREITA 

Os gritos de “Fora Bolsonaro” típicos de opositores à esquerda foram ouvidos nas manifestações na Oliveira Lima como um marco definidor de guerra enquanto no mesmo fluxo do Calçadão, como bons vizinhos, opunha-se o tom de desafio em forma de “É Bolsonaro”.

A turma de verde e amarelo e a turma que empunhava bandeiras em azul com as imagens do prefeito Paulinho Serra e Gilvan Júnior não deixavam dúvida. Não eram infiltrados do candidato do Paço, como se poderia imaginar. Eram sim eleitores e torcedores organizados do Paço. Como  a outra metade que ocupava o corredor do Calçadão representava o candidato Luiz Zacarias.

Os aliados de Gilvan Júnior não deixaram dúvida de que o Paço Municipal é contrário ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Afinal, saiu do Paço por ordem do Paço o compasso rítmico de rejeição a Bolsonaro. No fundo, passaram o recibo que poderiam ter negado, o que de Zacarias é mesmo de direita. Nada pior para quem ocupa as redes sociais com peças publicitárias que contestam a escolha ideológica de Zacarias. O “Fora Bolsonaro” conferido ao candidato de oposição ao Paço Municipal, foi um presente ao candidato. E não há presente melhor do que desastradamente oferecido por um adversário.   

2. DEFINIÇÃO PELO CENTRO 

A operação desencadeada pelo Paço Municipal em favor de Gilvan Júnior parece ter um endereço ideológico definido. A campanha de Gilvan Júnior fez uma escolha de optar por uma posição de centro no espectro político que tanto abrangeria a direita conservadora mas não dogmática de Jair Bolsonaro quanto o centro menos emperdigado e inclinado discretamente ao esquerdismo. Um centro expandido à direita e à meia-esquerda, por assim dizer. 

3. ESCOLHA DO ADVERSÁRIO 

Com o combate à suposta direita mais à direita em Calçadão aberto e diante da massificação de imagens que ganharam as redes sociais, a campanha de Gilvan Júnior teria passado o recado objetivo de que a disputa eleitoral em Santo André é de confronto que pretende estigmatizar a direita e a esquerda polarizadoras. Ou seja: tanto Jair Bolsonaro quanto Lula da Silva estariam fora do radar de interesse eleitoral.  Nesse caso, estaria de olho, como já observei, no eleitorado de Eduardo Leite, ex-petista que se comporta como tucano, partido do prefeito Paulinho Serra. 

4. CENTRO ELÁSTICO

Pareceria muito arriscado, à primeira vista, uma operação eleitoral que concentrasse atenção específica nos votos do estimado um terço de eleitores  pouco suscetíveis à polarização nacional, apostando igualmente na superioridade numérica final. Afinal, se somariam eleitores à direita e à esquerda menos permeáveis aos extremos.

A campanha de Gilvan Júnior possivelmente contaria com dados que a colocam com uma faixa consolidada de votos como mandante da disputa eleitoral e que ao executar a manobra no Calçadão, asseguraria a expansão à direita que supostamente não é adepta de Bolsonaro. O Paço de Santo André teria exagerado na dose de tomar a direita supostamente restrita como alvo principal de manifestação pública. Quando se observa que Jair Bolsonaro venceu Lula da Silva no segundo turno por quatro pontos de diferença e que tradicionalmente os conservadores de Santo André têm mais eleitorado que os esquerdistas, noves fora o período de Celso Daniel, a execução dessa manobra seria um tiro no pé.

E seria um tiro no pé da racionalidade tática porque além de supostamente perder faixa do eleitorado conservador, Gilvan Júnior teria proporcionado a Luiz Zacarias um ganho extra de suporte dos mesmos conservadores escorraçados no Calçadão.

5. ESQUERDA SELECIONADA

A manobra dos eleitores de Gilvan Júnior proporcionaria numa leitura otimista ganhos junto ao eleitorado de centro-esquerda, representado nas disputas pelo vereador Eduardo Leite, ex-petista.

Os bastidores colocam Eduardo Leite como linha auxiliar potencial do candidato de Paulinho Serra, mas, ultimamente não faltaram escaramuças entre os dois grupos. É praticamente impossível sustentar a aproximação que já foi mais visível.

Ao hostilizar a direita mais conservadora de Jair Bolsonaro, os tucanos que comandam o Paço de Santo André (e que contam com inúmeros egressos da cúpula petista da cidade)  pretenderiam engrossar o caldo de votos numa  coalização de segundo turno com Eduardo Leite. Dessa maneira, Gilvan Júnior contaria com um eleitorado mais flexível que tanto estaria pronto para combater um eventual direitista como Luiz Zacarias quanto um petista como Bete Siraque, extremos da disputa.

6. OPERAÇÃO CAMICASE 

Como não se encontra  na individualidade e no conjunto das alternativas expostas sustentabilidade de movimentos dotados de genialidade que alteraria o rumo da disputa,  a conclusão mais sensata é que a divisão de manifestantes na passarela do Calçadão se converteu em uma batalha camicase da campanha de Gilvan Júnior. Ou algo, então, muito arriscado. Um risco que não teria valido a pena, porque mexeu num vespeiro ideológico desnecessário para um primeiro turno. 

7. FATOR TARCÍSIO

Não custa lembrar que a operação camicase, ou tiro no próprio pé, ganha potência de conversibilidade real. Afinal, acabou por lançar mesmo que preliminarmente a candidatura de Gilvan Júnior na contramão dos interesses do governador Tarcísio de Freitas.

O governador é aliado incondicional de Jair Bolsonaro. É muito equívoco imaginar que aonde os eleitores de Bolsonaro vão os eleitores de Tarcísio deixarão de ir. São votos siameses em larga escala. A fidelidade que os une é historicamente irretocável.

As imagens e os sons dos gritos de “Fora Bolsonaro” no Calçadão e em contraponto ao “É Bolsonaro”,  provavelmente teriam sido encaminhados ao gabinete do governador paulista.

Tarcísio de Freitas prometeu não se envolver em campanhas eleitorais que contassem com concorrentes no primeiro turno cujos interesses poderiam atrapalhar a gestão do Estado em sintonia com o futuro político. Num eventual segundo turno que supostamente teria Luiz Zacarias como candidato, contra qualquer que seja o adversário, o governador já teria feito a escolha, entregue de bandeja pelos manifestantes de Gilvan Júnior.

E se a direita conservadora ampliada, sintetizada, aliás, no eleitorado conjunto de Bolsonaro e do próprio governador, não constar da disputa, é possível que o governador não entre em campo. Sabe-se que tanto o governador quanto os principais secretários e assessores têm nos smartfones a gravação daquela manifestação no Calçadão da Oliveira Lima.

8. ESPADA DO CINEMA

Talvez possa entrar nessa conta a possibilidade de a candidatura de Gilvan Júnior recorrer ao impedimento de Luiz Zacarias por causa da inauguração da reforma do Cine Lyra, na Vila de Paranapiacaba. A Administração Paulinho Serra, única a se manifestar na mídia pela cassação da candidatura de Zacarias, talvez esteja à espera do que seria o momento mais apropriado para ingressar com a ação.

Para tanto, contaria com o suporte do Novo, partido aparentemente com quem há combinação pela inexigibilidade de Luiz Zacarias. Seria uma proteção ao eventual desgaste de o vice-prefeito dissidente sair ileso do Tribunal Regional Eleitoral. Ou seja: se o PSDB/Cidadania, do Paço Municipal, ingressasse com a medida impeditiva e não obtivesse sucesso, a candidatura de Zacarias se fortaleceria na reta de chegada.

De qualquer forma, a missão pretendida não é tão fácil quanto parece. A mídia de maneira geral esconde declarações enfáticas de um especialista em legislação eleitoral, o advogado Alberto Rollo. Entrevistado pelo Diário do Grande ABC na edição que registrava o caso, o especialista não observou materialidade de crime eleitoral. Luiz Zacarias não teve participação efetiva no ato. A legislação eleitoral é específica nesse ponto. Desde então, nenhuma mídia a região coloca as declarações de Alberto Rollo como contraponto à avaliação do caso.

Seja como for, qual teria sido, nesse caso, o interesse do Paço Municipal em dividir o Calçadão da Oliveira Lima nas manifestações de quinta-feira passada? A iniciativa só serviu para dar à campanha de Zacarias mais visibilidade nas redes sociais, caracterizando-a como extensão do alinhamento do candidato à estadualização e nacionalização da disputa.

Tirar o foco da disputa essencialmente local (como declarou recentemente o candidato Gilvan Júnior na sabatina do UOL) e entregar de bandeja o cardápio eleitoral a dois símbolos de peso da polarização nacional é de lascar. Até porque na medida em que se fortalece a imagem de Zacarias, mais força política o candidato teria para retirar eventual decisão do Tribunal Regional Eleitoral da bitola política, permanecendo no campo jurídico.

A espada do cinema pretensamente na jugular de competitividade eleitoral de Luiz Zacarias não combina com o Calçadão de quinta-feira.



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