Política

O que significaria Gilvan
travestido de Paulinho?

DANIEL LIMA - 05/07/2024

A entrevista de menos de uma hora na versão audiovisual do Diário do Grande ABC com o candidato do Paço de Santo André nas próximas eleições tem uma porção de insumos a aprofundamento crítico razoável. O mais importante, para não dizer preocupante,  é que parece resistir com possibilidade de se propagar  um dualismo que não alteraria a rota de decadência econômica e social da cidade que mais se desindustrializou no último meio século no Estado de São Paulo.

Falta um VAR de racionalidade, compromisso social e muito trabalho para esterilizar essa autofagia administrativa, embora florescente no campo eleitoral. À falta de uma sociedade civil organizada, que alguns teimam em proclamar numa espécie de saudação à estupidez, tudo indicaria que teríamos com Gilvan Júnior essa continuidade nociva. Tomara que em caso de vitória Gilvan Júnior dê um cavalo de pau na trajetória gerencial de Santo André neste século. Agravada pelo marketing triunfalista do atual prefeito.

Paulinho Serra, o mestre e protetor de Gilvan Júnior, foi pragmático ao tornar-se prefeito assistencialista. O Viveiro Industrial cambaleante herdado há quase oito anos por Paulinho Serra virou Viveiro Assistencial. Tanto que dona Ana Carolina,  mulher do prefeito,  se tornou deputada estadual contando principalmente  com os votos dos desvalidos  numa operação gerada pela massificação da máquina municipal como jamais se viu na história.

COPIANDO CELSO DANIEL

Gilvan Júnior é uma réplica dos discursos populistas do prefeito Paulinho Serra. O conflito estabelecido no horizonte, depois de sedimentado ao longo de oito anos, está nessa constatação: o prefeito atual, bom de voto, é ruim de governo. Ruim no sentido de que teve oito anos para promover alguma mudança e deixar uma semente para o futuro, e nada fez.  

Celso Daniel, a quem a gestão Paulinho Serra copia em alguns pontos em forma de caricatura, deixou imensidão de fertilidade administrativa, inclusive além fronteiras de Santo André.

Tivemos no  Diário do Grande ABC TV  a apresentação de um Gilvan Serra Júnior que pretensamente é bom em termos de campanha eleitoral, mas é péssimo à engrenagem mais que enferrujada, embora a mais preciosa,  da maquinaria do futuro da cidade. O piloto de boeing prometido por Paulinho Serra ainda não tomou suposto assento. Até porque Paulinho Serra também não o fez.  

Gilvan Júnior, tanto quanto um de seus tutores, pretende, vejam só, dar  continuidade aos oito anos de desprezo ao Desenvolvimento Econômico.

SEM PEDRA NO CAMINHO

Não anotei nada do que disse Gilvan Júnior em entrevista generosa a ponto de se desconfiar que tenha sido preparada por assessores do candidato. Nenhuma pedra foi colocada no meio do caminho para testar as reações possivelmente fora da órbita da previsibilidade de Gilvan Júnior.

Sob esse aspecto de performance convencional, Gilvan Júnior se comportou satisfatoriamente. Diria que acima das expectativas. Está longe de catalisar atenção permanente num mundo em que a tecnologia impõe ritmo alucinante à dispersão. Mas quem o viu atentamente não pode negar que seria melhor do que parecia, embora ainda muito inferior ao necessário como agente político público no sentido de comunicação.

Nas poucas vezes que teve o Desenvolvimento Econômico como questionamento, de internautas, e mesmo assim de forma genérica, Gilvan Júnior se limitou a dizer o que o prefeito Paulinho Serra, o original, tantas vezes disse. À falta de substância e de materialidade de medidas reestruturantes, as questões tiveram superficialidade de abordagem como resposta. E mesmo assim de maneira incompatível com os fatos, negados ou subestimados, quando não conflitantes.

INFORMAÇÕES SELETIVAS

Um centro logístico na Avenida dos Estados ainda longe de virar endereço do setor de serviços para entregas de curta distância foi mencionado por Gilvan Júnior como obra assegurada e vinculada à atual Administração. Assim como a expansão de um hospital.

Nada, entretanto, que tenha a influência de um planejamento da gestão. Investimentos privados na área de serviços em qualquer endereço com as características de Santo André são compulsórios. Assim como fechamento de empresas.

Gilvan Júnior não fez menção sobre o fechamento de centenas de empregos na Bridgestone, cujo total é equivalente à fábrica de autopeças da Toyota, que deixou São Bernardo. Outras pequenas e médias industrias de Santo André continuam vegetando. Foram massacradas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e continuaram a ser na sequência. E o foram também pelo sindicalismo que emergiu nos anos 1970. Uma sangria permanente sem amparo do Município.

VENDENDO ILUSÃO

Como Paulinho Serra, Gilvan Júnior vendeu a ilusão de que Santo André é campeã na geração de empregos. Bobagem. Quando se coloca na balança o total de empregos gerados em relação à métrica populacional, Santo André perde para muitos endereços municipais no Estado. Sem contar que os empregos gerados em Santo André são largamente do setor de serviços, de média salarial somente acima de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra entre os sete municípios da região. Ou seja: está na segunda divisão regional. Quantidade e qualidade são campos opostos.

O candidato do Paço Municipal também fez menção à desburocratização como ferramenta facilitadora de novos negócios. Nada que outras prefeituras não tenham feito,  segundo o receituário simples de gestões públicas que preferem esparadrapos resolutivos como argumento furado de transformações.

Também o candidato saído das entranhas de Paulinho Serra se referiu à evasão de indústrias com uma resposta surradíssima: Santo André perdeu a vocação industrial. Nada mais conhecido, embora poucos consigam enumeras as razões que permanecem e se agravam.

Apenas 12 de cada grupo de 100 trabalhadores com carteira assinada estão no setor industrial, e não chegam a 3% do total da população. Já foram mais de 50% do total da mão de obra formal. É o pior índice regional e um dos mais inexpressivo no Estado.  

A resposta que se esperava, ou se imaginava, deveria remeter a alguma coisa de busca prioritária à nova vocação. O prefeito Paulinho Serra passou oito anos sem resposta. Se Gilvan Júnior seguir a toada fúnebre, vão se acumular novos quatro anos.

CENTROS DE BAIRROS

Avocou para si o jovem candidato à chefia do  Executivo a autoria do projeto de empreendedorismo nos bairros. Apenas se esqueceu que foi a gestão de Celso Daniel que lançou o modelo de descentralização comercial. Com poucos resultados consolidados. Os sucessores descartaram o que o candidato do Paço abraçou mas mesmo assim sem a efetividade de resultados. Até porque a missão é árdua e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico não conta com estrutura física, material, orçamentária e tudo o mais para tanto.

Caso fosse perguntado a Gilvan Júnior quantas posições Santo André  desabou no ranking de PIB per capita desde que Paulinho Serra iniciou o primeiro mandato, provavelmente não responderia, embora este jornalista já tenha publicado a informação muitas vezes: até o ano de 2021, de dados mais atualizados, foram 39 casas ladeira abaixo. Santo André está na 184ª posição no Estado. E nada indica que haveria melhora. Diferentemente disso: a derrocada é continua. E vem muito antes de Paulinho Serra virar prefeito.

Outra pergunta que Gilvan Júnior não responderia estaria vinculada à cadeia produtiva industrial de Santo André, um assunto do qual CapitalSocial há muito dá conta. Todas as cadeias produtivas de Santo André, emaranhado de riqueza em vários setores, desapareceram com a desindustrialização.

A exceção à regra do desmonte é a Doença Holandesa das  empresas químicas e petroquímicas. E mesmo assim porque não é fácil fechar um Polo Petroquímico. Trata-se de atividades que geram muito Valor Adicionado e pouco emprego.

Ou seja: Santo André não caiu mais no ranking estadual, além das 39 casas, porque o Polo Petroquímico e vizinhança do setor mascaram a quebra de atividades em outros ramais industriais.

ELEITORADO ALIENADO

Se o candidato Gilvan Júnior contasse com esses exemplos de um arsenal de dados de Santo André no gatilho da análise que a Santo André decadente exige de quem terá a responsabilidade de comandar o Paço Municipal, provavelmente teria convencido muitos eleitores que ainda não têm convicção em quem votar.

Mais de 70% do eleitorado ouvido na última vez pelo Instituto Paraná disseram que não saberiam em quem depositar o voto eletrônico em outubro, quando perguntados sem a apresentação da cartela com os nomes dos candidatos. Só no passo adiante, de voto estimulado, deixaram a ignorância e o desinteresse, quando não o desânimo. Mas mesmo na modalidade de voto estimulado,  um terço se manteve reticente.

Talvez seja excesso de expectativa  acreditar que Gilvan Júnior ou qualquer um de seus adversários chegará aos ouvidos e à sensibilidade dos eleitores se contarem para valer com um canhão de informações econômicas. A maioria da sociedade mal se dá conta do que significa PIB. A mídia, então, ignora quase que completamente o temário. Prefere a ração fastfoodiana de notícias rasas que não exigem esforços de conhecimento.  

DOIS MODELOS

Por essas e por outras, embora longe de contarem com a mesma plástica física, porque um é longilíneo e o outro brevilíneo, um é espalhafatoso e o outro de gestos comedidos, um é autoconfiante na oratório velha de guerra de político à moda antiga, e ou outro ainda não ultrapassou a estrada da timidez para penetrar na autoestrada da exuberância verbal, por tudo isso, pouco faria diferença na hora do voto se Santo André é tão assim cambaleante há muito tempo no setor econômico.

Como fez Gilvan Júnior, repetindo em 40 minutos o discurso de oito anos de Paulinho Serra, o varejismo econômico e o assistencialismo para contemplar pobres e miseráveis são complementos à empreitada.

Seria muito interessante uma sabatina  entre os principais candidatos à Prefeitura de Santo André que se circunscrevesse obrigatoriamente ao uso de palavras e expressões vinculadas ao setor econômico. Já imaginaram, pela amostra do vídeo do Diário do Grande ABC, Gilvan Júnior ter de fundamentar questões que tenham “Desenvolvimento Econômico”, “desindustrialização”, “produtividade industrial”, “mobilidade social”, “logística”, “invasão chinesa”, “montadoras de veículos”, “autopeças”, “Selic”, “Detroit à Brasileira”  entre outros?

E que fosse proibida qualquer pergunta de terceiros e resposta que mencionasse padrinhos políticos, repetidamente citados na entrevista de Gilvan Júnior, bem como ações assistenciais.

CURSO DE ECONOMIA

Um candidato a prefeito precisa saber o básico sobre economia regional e contar com assessores preparados a orientá-lo permanentemente, quer no cargo, quer se preparando para pressupostamente assumir o cargo.

Gilvan Júnior transmite a inquietação de que não daria conta do recado diante de questões simples. É possível até que nem saiba o que significa “cadeias produtivas”, como muitos que o sabem não o sabiam antes de saber. Mas não custa ingressar nessa cadeia produtiva de conhecimento. Quem garante é alguém que durante vários anos atuou como jornalista esportivo, que tem paixão por estratégias de futebol mas que não troca um podcast sobre economia por nada desse mundo. Nem por mulheres peladas, com perdão da brincadeira.

O que o grupo que apoia Gilvan Júnior poderia fazer urgentemente em nome de preocupação de fato com o futuro de Santo André é torná-lo alguém que consiga levar tranquilidade aos eleitores de todas as cores. Santo André vive numa penumbra de alheamento econômico assustador na gestão pública –assim como os demais municípios igualmente desleixados. As pérolas do prefeito Paulinho  Serra, destiladas durante dois mandatos, são um péssimo cartão de visitas ao pretenso sucessor. Descarte o prefeito Paulinho Serra de pobreza franciscana na Economia – eis o conselho que daria a todos os concorrentes em Santo André.

Para completar, é impossível deixar de reiterar, sob pena de desclassificação analítica, que a apresentação de Gilvan Júnior foi um monumento de marketing e, inversamente um vendaval de inquietação para o futuro de Santo André. Afinal, a lengalenga populista com um discurso de bom moço que ele parece ser está associado ao desprezo pelo Desenvolvimento Econômico para valer.

O prefeito Paulinho Serra deu certo eleitoralmente com essa mistureba. Por que Gilvan Júnior, aparentemente mais empático, não daria? A sociedade servil desorganizada de Santo André e as instituições que gravitam em torno da Prefeitura, num cambalacho que vem de longe, estão prontas a colaborar.



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