Política

Gilvan lidera peça de
propaganda eleitoral

DANIEL LIMA - 12/07/2024

Faço o seguinte trato com os leitores que não são torcedores de candidato algum, ou mesmo com leitores-torcedores de qualquer um dos candidatos: leia até o último ponto final desta análise da pesquisa eleitoral publicada hoje com destaque nas páginas do Diário do Grande ABC. Combinado? E, para completar, não leia mais uma linha que escrevo caso não prove que a manchetíssima aí em cima é a tradução fiel, isenta, claríssima, do que chamaria de assassinato dos conceitos supostamente científicos das pesquisas eleitorais.

Vou ancorar alguns marcadores centrais à análise geral para provar que o que temos em forma de pesquisa do Instituto Paraná, numa combinação de dados e interpretações, não passa de um teste de higidez mental dos consumidores de informações. Vejam as questões mais relevantes do que se seguirá:

1. INCONSISTÊNCIA NUMÉRICA.

2. VULNERABILIDADE INTERPRETATIVA.

3. ESQUALIDEZ ESTRUTURAL. 

Então, comedidamente no uso desse espaço, porque não quero encompridar demais o que pode ser sim simplificado e didático, tratemos da situação.

MARGEM DE MANOBRA

Ao ouvir 710 eleitores e remeter à margem de erro a 3,8 pontos percentuais, a pesquisa do Instituto Paraná  constrói um  balanço de navio a pique ao não oferecer insumos necessários para que os resultados deixem de ser colocados no inquietante e autosabotador patamar lotérico.

Qualquer leitor bem informado sabe que 3,8 pontos percentuais é um latifúndio de inconsciência à tradução de números em argumentos técnicos palatáveis.

Seria algo como fazer um prognóstico numa decisão de campeonato e apontar que determinada equipe tem 70% de possibilidade de conquista do título, embora o adversário também possa chegar ao triunfo com igual potencialidade se determinados fatores forem concretizados. Ou seja: é algo organicamente insustentável.  

PRIMEIRO CENÁRIO

Vamos dar um exemplo prático, tendo como base o Cenário-1 de resultados dos principais concorrentes apresentados nas páginas do Diário do Grande ABC.

1. Gilvan Júnior, 22,4% dos votos.

2. Eduardo Leite, 16,9% dos votos.

3. Bete Siraque, 15,2% dos votos.

4. Luiz Zacarias, 14,5% dos votos. 

Levando-se em contas a margem de manobra de 3,8 pontos percentuais (margem de manobra é a margem de erro ampliada e por ser ampliada perde a aderência de segurança técnico-avaliativa) o resultado do Cenário-1 passaria a ser o seguinte:

1. Eduardo Leite, 20,7%.

2. Bete Siraque 19,0%.

3. Gilvan Júnior, 18,6%.

4. Luiz Zacarias, 18,3%. 

OPERAÇÃO RESPALDADA

Essa operação é legítima, segundo metodologia aplicada em todas as pesquisas eleitorais. Basta baixar em 3,8 pontos percentuais o resultado primário de Gilvan Junior e elevar em 3,8 pontos percentuais os percentuais dos demais competidores mais destacados. Esse é o conceito central de margem de erro. O entrecruzamento envolvendo todos os concorrentes é igualmente válido.

(Não custa lembrar a título de esclarecimento  que a margem de erro do Datafolha de dois pontos percentuais na última pesquisa antes do primeiro turno das eleições de 2022 apontava superioridade de Lula da Silva ante Jair Bolsonaro de 14 pontos percentuais e o que tivemos foram apenas quatro pontos percentuais. Uma calamidade que o jornal tentou justificar, algo que tornou a emenda da pouca-vergonha pior que o soneto da malandragem). 

SEGUNDO CENÁRIO 

Agora vamos ao Cenário-2 da corrida eleitoral em Santo André,  segundo os dados do Instituto Paraná:

1. Gilvan Junior, 22,8%.

2. Eduardo Leite, 18,0 %.

3. Luiz Zacarias, 15,4%.

4. Bete Siraque, 15,2%.

A mudança dos números se deve à retirada da cartela de votos estimulados do candidato André Ribeiro do Viva que, no Cenário-1, obteve 4,4% dos votos. O Coronel Edson Sardano, com 5,9% no Cenário-1, foi mantido no Cenário-2 e obteve 6,6% dos votos. Não se sabe por que saiu um e não saiu o outro. Saindo os dois possivelmente teríamos mais insumos a prospectar.

Aqui cabe um parêntese: pelo jeito, o Coronel Sardano e André Ribeiro do Viva, num eventual segundo turno, podem ser o que foi Geraldo Alckmin para Lula da Silva nas últimas eleições. E não foi pouca coisa. A diferença final nas apurações, de menos de dois pontos percentuais, é a prova viva do acerto da escolha petista.

TERCEIRO CENÁRIO

Agora vamos aplicar a margem de erro de 3,8 pontos percentuais. Veja como ficaram os números do Cenário-2:

1. Eduardo Leite, 21,8%.

2. Luiz Zacarias, 19,2%.

3. Gilvan Júnior e Bete Siraque, 19,0%. 

Notaram como o jogo estaria embolado? Mas, seguindo a correnteza metodológica, os dados também poderiam ser completamente diferentes, caso se aplicasse a margem de manobra no sentido contrário, de atribuir a Gilvan Júnior os 3,8 pontos percentuais de forma ascendente, ou seja, inflando os resultados primários, e reduzindo na mesma proporção  percentuais os resultados dos demais competidores. 

Nesse caso, Gilvan Júnior poderia ter 26,2% dos votos no Cenário-1, contra 13,1% de Eduardo Leite, segundo colocado, ou, no Cenário-2, teria 26,6% ante 14,2% do mesmo Eduardo Leite, segundo colocado numérico.

Deu para perceber o quanto os resultados do Instituto Paraná não oferecem garantia alguma de que haveria qualquer indício de favoritismo em Santo André e que, qualquer que seja o cenário, o segundo turno estaria contratado, caso se atribua credibilidade ao trabalho? 

MANCHETE INDUTIVA

Então, como é possível levar a sério tanto a manchete de primeira página quanto da página interna do Diário do Grande ABC, as quais elevam o tucano Gilvan Júnior à privilegiadíssima primeira posição?

 Só para provar que existe dissonância numérica escandalosa entre uma coisa e outra, vamos para a manchete da primeira página do Diário do Grande ABC: 

 INDICADO POR PAULO SERRA, GILVAN LIDERA CORRIDA PELA PREFEITURA DE SANTO ANDRÉ.

Uma escandalosa manchetíssima de primeira página, como se vê. Na página interna, de menos impacto visual e interpretativo, o jornal foi mais comedido e coerente com os dados disponíveis:

 GILVAN LIDERA COM 22,4%, EM EMPATE TÉCNICO COM EDUARDO LEITE E BETE SIRAQUE, NA DISPUTA PELO PAÇO DE SANTO ANDRÉ. 

Houve uma omissão matemática deliberada ou não? O nome de Luiz Zacarias deveria constar da manchete de página inteira porque, como está acima, metodologicamente, levando-se em conta a margem de manobra, superaria todos os demais. E a distância entre o primeiro colocado, Gilvan Júnior, e o quarto colocado, Luiz  Zacarias, não é vantagem coisa alguma.

É claro que a manchete de páginas interna p0uco vale como coerência na interpretação de dados do Instituto Paraná , condicionada que foi pela interpretação da manchetíssima de primeira página, porta-estandarte dos desdobramentos político-eleitorais da campanha de Gilvan Júnior. 

EFEITO-CONDICIONADO

Quem leu a primeira página do Diário do Grande ABC  chegou à página interna condicionado por falsa, prematura e inconsistente  vantagem de Gilvan Júnior. A subliminaridade travessa faz parte do show de indução cognitiva a avaliações que distorcem a realidade dos fatos.

Não se pode eximir o Diário do Grande ABC de erro voluntário, determinado, proposital, na interpretação dos números e os respectivos tratamentos editoriais. Na reportagem da página interna (reportagem sim, análise é outra coisa), a publicação lembra discretamente, na metade do texto,  os pontos percentuais de margem de manobra e os empates técnicos decorrentes dos resultados apertados e indecifráveis que se costuram.

Ou seja: quando o Diário do Grande ABC elaborou a manchetíssima de primeira página, que, repito, induz falsamente à definição atual do ambiente eleitoral, independentemente do que se lê nas páginas internas, já se tinha conhecimento pleno de que os dados não abrem uma viela sequer de segurança quanto à situação da disputa em Santo André.

JOGO EMBOLADO 

O embolamento nos primeiros lugares da disputa em Santo André, segundo os dados do Instituto Paraná (algo sobre o qual tenho sérias dúvidas com base em pesquisas eleitorais não publicadas e, portanto, mais próximas da realidade) ganha reforço de inconsistência interpretativa ainda maior quando comparado aos resultados de fato.

Basta observar um dado descuidadamente negligenciado. Trata-se do que chamaria de contingente de eleitores insensíveis à campanha eleitoral. Também poderiam ser chamados de negligentes, quando não descrentes da política e tudo o mais.

Quem são os eleitores insensíveis (e muito mais) à marcha  rumo à disputa pela Prefeitura de Santo André? São todos aqueles que, indagados por pesquisadores eleitorais em quem votariam,  responderam simplesmente que não sabem.

O grupo majoritário que forma o chamado voto espontâneo tende a reduzir o estoque de eleitores a cada dia que passa, mas em Santo André, na pesquisa do Instituto Paraná, foram 72% que assim se manifestaram. Repito: 72%. Muito acima de outros municípios externos ao Grande ABC em pesquisas diversas. 

BAIXA CONVICÇÃO

Isso quer dizer que, na questão aplicada em seguida pela pesquisa do Instituto Paraná, de voto estimulado, quando uma cartela redonda é apresentada com os nomes dos concorrentes, o estágio era de que apenas uma fração de eleitores já tinha escolha definida.

Afinal, dos 28% que apontaram um nome no voto espontâneo, a maioria relativa indicou concorrentes que não estão oficialmente na lista, casos do prefeito e de tantos outros. Ou seja: foi-se para o voto estimulado praticamente sem um arcabouço definidor no estágio anterior. Uma tremenda vulnerabilidade a mudanças durante o trajeto em direção às urnas. Daí, entre outros objetivos,  montar um mosaico estranho.  

É importante destacar a diferença entre voto espontâneo e voto estimulado. O primeiro significa um caminhão em direção ao voto oficial, nas urnas, enquanto o segundo reúne grau de vazamentos à fidelidade no período que separa a pesquisa e as urnas eletrônicas.

Tanto no Cenário-1 quanto no Cenário-2 da pesquisa do Instituto Paraná, 21% dos eleitores ouvidos resistiram a apontar o candidato preferido, mesmo sendo estimulados à escolha. A melhor tradução a isso seria dizer que um quinto dos eleitores rejeita todos os concorrentes mais visíveis oferecidos à indicação.

São 20% entre os 78% que, na pesquisa espontânea, não apontaram candidato algum. Trata-se de contingente elevadíssimo que, somando-se aos conjunto dos eleitores que só saíram do muro voluntário do voto espontâneo em direção ao voto estimulado, pode alterar o rumo numérico da disputa.

ASSUMINDO CANDIDATO

E é nesse ponto que a pesquisa do Instituto Paraná e, principalmente, o tratamento editorial do Diário do Grande ABC, fazem a diferença. O que se vê na manchetíssima do Diário do Grande ABC de hoje é uma indução ao voto pró-Gilvan Júnior, embora o próprio jornal reconheça, na página interna, que a disputa estaria empatada, por conta da margem de manobra de erros.

Daí à conclusão sem medo de enfrentar, como sempre, o batalhão de maledicentes da praça:  que temos uma peça de propaganda eleitoral que pretende fazer de Gilvan Júnior o sucessor do populista Paulinho Serra.

Não se trata, portanto, de campanha eleitoral  -- segundo a ótica aplicada pelo Diário do Grande ABC -- que possa ser chamada de equilibrada.

Não seria apenas a preferência por Gilvan Júnior que leva o Diário do Grande ABC a dar interpretação seletiva aos dados do Instituto Paraná. Antes de dizer que há um outro objetivo, afirmo transparentemente que o jornal tem todo o direito de fazer escolhas, de expor escolhas, mas falta ao jornal comunicar aos leitores que também são eleitores e também consumidores,  quando não cidadãos, que tem lado na disputa em Santo André. Os jornais norte-americanos fazem isso e muito mais sem constrangimento. 

ALVO É ZACARIAS

Então, qual seria o outro objetivo da pesquisa interpretada pelo Diário do Grande ABC: desgastar a imagem de competitividade de Luiz Zacarias, inimigo do grupo de Paulinho Serra após a reação inconformista de, como vice-prefeito, ser barrado na escolha sucessória.

Com os anos de experiência que tenho, com a vivência nos bastidores da política como jornalista que jamais se candidatou a nada e jamais também ultrapassou a linha profissional em defesa intransigente e acrítica de qualquer político de plantão ou não, diria que a metodologia aplicada na divulgação dos dados da edição de hoje do Diário do Grande ABC reflete preocupação imensa com a possibilidade de Luiz Zacarias ir para o segundo turno e, com isso, levar a disputa em Santo André a uma zona de desconforto a Gilvan Júnior,

Qual seria essa zona de conforto: o apoio do governador do Estado, principalmente. Aí, tudo ficaria mais complicado para os situacionistas.

Volto à pesquisa do Instituto Paraná na próxima segunda-feira. Ainda há pontos interessantes a analisar.



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