Esportes

Conselho da Salvação
para o Santo André

DANIEL LIMA - 05/08/2024

Vou reto e direto ao ponto: estou cobrando (por razões que explico logo abaixo), o que significa muito mais que recomendar, muito mais que sugerir, estou cobrando  uma tomada de decisão dos dirigentes do Esporte Clube Santo André para impedirem que o maior patrimônio cultural e sentimental da cidade siga ladeira abaixo, na Sexta Divisão do Futebol Brasileiro e fora da zona de influência social que deveria exercer, experiência vivida e consagrada no passado.  

Estou cobrando porque tenho o direito de cobrar como declarado torcedor do Santo André  -- algo que jamais esteve acima de meu senso crítico de jornalista, mas que está em patamar diferente de outras agremiações locais, embora as demais agremiações locais mereçam todo o meu respeito e também toda a minha vigilância de jornalista.

Acho que essa confissão pública é suficiente para evitar mal-entendidos. E vou reafirmar em outros termos: mesmo que fosse indiferente ao Santo André, deveria por dever e ofício tomar iniciativa assemelhada porque como profissional de jornalismo não retiro uma vírgula sequer do que se segue e do que se seguiu quando o leitor consultar mais de cinco centenas de textos dos arquivos desta publicação que se referem à agremiação.

DESABAFO PROVIDENCIAL

Esta Carta Aberta à direção do Esporte Clube Santo André é um desabafo ancorado na história de uma agremiação com passado de glórias, presente vacilante e desde muito tempo futuro incerto.

Uma sociedade esportiva que contribuiu imensamente à formatação da identidade do Município de migrantes e imigrantes de todos os destinos do mundo.

Uma sociedade esportiva que é a pedra de toque entre periferia e centro, entre pobres e ricos, entre avermelhados e amarelados, entre opostos que se abraçaram no passado mas que já não se encontram no presente.

O Santo André está na UTI de representatividade social e no quarto de despejos de representatividade esportiva estadual e nacional. Não pode sair dessa condição para ser instalado na sala-de-estar de oportunistas e mercantilistas que há muito ameaçam com invasão de domicilio.

INVASORES Á ESPREITA

Essa é uma verdade tão cristalina quanto a constatação de que há muita gente interessada em que tudo isso permaneça ou se aprofunde, porque assim poderão reinar e aperfeiçoar o sonho de tomarem de assalto a história da agremiação, surrupiando o futuro  e a conduzindo ao desastre.

O Santo André precisa de uma nova versão de participação popular mesmo que inicialmente  restrita em forma de Conselho da Salvação, movimento modesto mas salvador de meados dos anos 1970, quando a ameaça de fechamento das portas era iminente.

Aquele Conselho da Salvação no interior de um bar frequentado por conselheiros e torcedores do Santo André ganharia dimensões extraordinárias nestes tempos de tecnologia portátil e plataformas digitais.

Não há termos de comparação para atingir objetivos muito mais ousados do que, simplesmente, como no passado, e o simplesmente não é simplesmente no sentido literal, registrados nos anos 1970.

O Santo André do providencial Conselho da Salvação não pode ser postergado, sob pena de o agigantamento autofágico de complexidades minar de vez as raízes de reestruturação.

REAÇÃO VIGOROSA

O Santo André burocrático destes muitos tempos do futebol brasileiro lembra uma estatalzinha sem compromisso ou competência ou urgência de atender ao respeitável público e, com isso, num efeito bumerangue, sofre as dores da indiferença ou da baixa participação ou do desencanto das massas que no passado vestiam com mais orgulho a camisa azul ou amarela.

O Conselho da Salvação não pode correr por caminhos politicamente corretos demais, porque daí não sairia nada mesmo senão a pasteurização do estágio de gravidade que vivemos.

O Santo André do Conselho da Salvação pretendido não pode vacilar em nome de uma falsa diplomacia que flerta com o servilismo diante de poderosos pouco interessados em mudanças, porque deixar ficar como está é um convite a arbitrariedades pretendidas ou anunciadas ou projetadas.

Por isso o Santo André do futuro imediato precisa ultrapassar as barreiras que aventureiros tentam lhe impor com desqualificada ambição mercantilista.

FORA DO JOGO

O Santo André carente de um Conselho da Salvação não é bobo nem nada e sabe que nas entrelinhas de apoios aqui e acola vicejam interessem nem sempre nobres e que, como uma enfermidade contagiosa, apenas prepara o golpe que um dia viria diante da apatia coletiva.

O modelo de gestão do futebol do Santo André é o que está em jogo e está em jogo porque o Santo André está fora do jogo do futebol competitivo. E também está escanteado como sociedade esportiva representativa de uma população que o carrega no peito, apesar de todos os defeitos adquiridos principalmente neste século.

Não pretendo e não vou entrar em detalhes sobre a função detalhada que o Conselho da Salvação do Santo André exerceria, porque poderia ser muito mais ampla e abrangente do que se delineia agora.

Esta Carta Aberta à direção do Santo André não mergulhará em pormenores. O que se pretende exclusivamente é a abertura de uma porta de consideração e respeito para que se comecem a definir ações para barrar a permanente queda de prestígio da agremiação nos cromossomos populares da cidade e da região.

O Santo André é muito maior do que está posto, mas se miniaturiza na medida em que estica essa toada de mediocridade no futebol nacional.

DEZ NOMES, DEZ NOMES

O Santo André de milhares de aficionados passivos não pode continuar a apequenar-se como representação municipal e regional, enquanto desaparece no âmbito estadual e nacional.

As experiências vividas abriram alas ao Santo André de um futuro menos constrangedor, mas para que se vá adiante é necessário que se rompam círculos viciosos que pretendem perpetuação.

Por conta disso a proposta em forma de exigência como subproduto de inquietude, não de mando, como desejo subjacente de transformações, não imperativo autoritário, por conta disso e de tudo o mais a direção do Santo André está desafiada, no bom sentido, a organizar o quanto antes um encontro com pelo menos uma dúzia de ramalhinos de verdade, desses que estariam livres de amarras mais que conhecidas e que ousassem colocar ordem e disciplina no futuro.

Nada que se associe  necessariamente e estatutariamente ao Conselho Deliberativo. Nada disso. Dez nomes, apenas 10 nomes, às primeiras tratativas. Faço questão de estar entre eles se não acharem que seria incômodo. Também não abriria mão do contrário: que o Santo André organize tudo, que chame quem quiser, que me deixe de lado, que deixe meus convidados longe disso, mas que faça o que tem de ser feito. Mas que faça bem feito.  

SEM SAZONALIDADES

Adianto para efeitos práticos que já tenho delineado um planejamento que poderia ser analisado pela direção do clube em busca de saídas que hoje parecem emperradas. Já escrevi muito sobre a reestruturação do Santo André e na maioria dos casos a matéria-prima talvez nem precise de retoque. Mas haveria muito a acrescentar.

Mais importante mesmo que o detalhamento inicial dos planos para o Santo André saltar para um patamar completamente diferente do que exibe como agremiação dentro e fora de campo é a definição de conceitos sobre os quais girariam todas as iniciativas.

O Santo André não poderia abrir mão de determinadas prerrogativas para percorrer um caminho de competitividade esportiva com representação social. Exatamente o que está em falta há muito tempo.

Não é uma sazonalidade aqui de torcida no estádio em elevado número e outra sazonalidade semelhante que configuram o Esporte Clube Santo André como entidade viva, pujante, transformadora. É uma rotina de qualificações nos gramados e fora dos gramados que fará a diferença.

Normalizar o Santo André deste século como sinônimo de satisfação é abrir mão de medidas intensamente transformadoras.

REFÉM DA GLÓRIA

O Santo André virou refém da conquista da Copa do Brasil contra o Flamengo em 2004. Os recentes festejos de 20 anos revelaram que mesmo essa glória inesquecível perde o viço, perde o brilho, porque o passado castrador do futuro que sempre chega tem o gosto amargo da desilusão disfarçada de comemoração.

Esforça-se para trazer ao presente a alegria vivida como se a alegria vivida pudesse ter o mesmo gosto. Esquecem todos que o sucesso de hoje projeta inescapavelmente novas conquistas no futuro.  Quando se frustra, a recordação tem um gosto meio amargo, meio doce. O que não é a mesma coisa.

Seria ingenuidade acreditar e supor, supor e acreditar, quanto mais tornar automática a decisão dos dirigentes do Santo André em rasgar a fantasia de relacionamentos que já se tornaram tóxicos e, de imediato, passar a bola à frente. Tomara que não se demore tanto e a abertura de portas às primeiras reuniões de organização estratégica do movimento salte da teoria para a prática.

CENTRAR EMPREITADA

O que recomendaria aos dirigentes do Esporte Clube Santo André como prova provada de que estão atentos às nuances do Conselho da Salvação é a nomeação de um profissional do próprio clube com a função exclusiva de centralizar o desafio como facilitador das pretendidas relações tanto internas quanto externas.

A tecnologia de informação também entendida no sentido pragmático de relações coletivas é uma extraordinária vantagem que o Conselho da Salvação dos anos 1970 jamais sonharia gozar, porque de encontros restritos, quando não etílicos, benditos efeitos etílicos, no Bar do Hilário, espécie de corneteiro sábio que sentia o sangue ramalhinos nas veias.

A  Santo André de quase 800 mil almas de uma região potencialmente torcedora também de três milhões de habitantes haverá de encontrar meio por cento de profissionais qualificados em várias atividades para se dedicarem à missão de consolidar experiências e relacionamentos a uma grande e inadiável causa.

Nos próximos dias meus sensores inconformistas estarão detectando sem fantasia ou utopia, sem miopia e hipermetropia, sem paranoia e sem obsessão, quem estará ocupando a marginalidade omissa e interesseira diante desse desafio.



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