Administração Pública

Entrevista com Grana: entre o
deboche e a responsabilidade

DANIEL LIMA - 07/11/2013

Está no site do jornal Repórter Diário uma entrevista do jornalista Leandro Amaral com o prefeito Carlos Grana, de Santo André. Vale a pena conferir. Grana é uma figuraça. Tem parentesco performático com Lula da Silva, seu padrinho político. Ganha de longe em simpatia e em expressividade verbal de Luiz Marinho, outro apadrinhado de Lula e prefeito de São Bernardo. Grana ganha em simpatia e em outros quesitos. Moldado nas lides sindicais, leva a plateia no bico. Até porque, politica é a arte do convencimento e da encenação. Não necessariamente nessa ordem.


 


Assisti à entrevista uma única vez, fiz as anotações necessárias como se participasse de uma coletiva e cheguei à conclusão que Carlos Grana flutuou entre o deboche e a responsabilidade fiscal. Também incursionou por caminhos da subjetividade. Político que honra as calças não vai se meter apenas na seara da transparência fática. Grana não tem o carisma do antecessor, Aidan Ravin, que transborda simpatia, mas está distante de outras figuras da política regional com enormes dificuldades de comunicação.


 


Grana é melhor como entrevistado do que como prefeito. Até porque, como entrevistado faz do tempo aliado à sedução, e como prefeito sente que não há elasticidade orçamentária a lhe dar suporte administrativo. Por isso recorre a recursos financeiros do Estado e da União. Tanto que o orçamento do ano que vem de Santo André poderia ser dividido em três partes. A parte sustentável, de receitas convencionais, e a parte sujeita a trancos e barrancos, de recursos extras do governo do Estado e do governo federal.


 


O deboche de Carlos Grana derivou da indagação do repórter sobre o escândalo que envolve agentes fiscais da Prefeitura de São Paulo e mercadores mobiliários. Leandro Amaral perguntou a Grana sobre as ramificações da máfia imobiliária na região, que tomou de assalto o Semasa durante a gestão de Aidan Ravin e que tem influência fortíssima na gestão do petista. Leandro Amaral não fez a pergunta com os adicionais deste jornalista, é claro. Apenas expôs a situação entre Santo André e a Capital.


 


Grana saiu pela tangente. Fez ares estudados de indignação e disse que está pronto a colaborar caso haja contaminação nas investigações. Grana sofismou. Fosse prefeito com liberdade de atuação e não estivesse preso às engrenagens dos mafiosos imobiliários locais, mais que conhecidos na praça, já teria tomado providências para desfazer os nós do antecessor e das forças econômicas, políticas e sociais que querem manter a identidade dos larápios sob proteção.


 


Limites pré-definidos


 


A habilidade do jornalista Leandro Amaral para levar a entrevista a um porto seguro de declarações do prefeito condicionou questionamento mais incisivo sobre as possibilidades legais e funcionais do prefeito Carlos Grana interferir para valer no escândalo imobiliário em Santo André sem depender de terceiros, por conta de que um secretário e um adjunto da gestão Aidan Ravin estarem envolvidos com a máfia paulistana.


 


Grana sabe os limites de sua autoridade como chefe de Executivo que fez acordo com Deus e o Diabo para ganhar as eleições em Santo André, contando com o voto de um pouco mais que um terço do eleitorado apto a votar. Grana sabe que lhe falta representatividade social. Tivesse o aparato de supremacia de votos, não estaria tão dependente de terceiros. Grana não tem peito para mimetizar Haddad, que incomoda inclusive os petistas, porque as denúncias podem atrapalhar acordos políticos.


 


Tanto Grana está condicionado por terceiros que avocou parceria com algumas instituições para dar o recado de que pratica o ecumenismo político-partidário-social que levou Lula da Silva duas vezes à presidência da República. Referiu-se tanto ao esquema de aproximação com Acisa, Ciesp, OAB e outras entidades que faltou pouco para cometer um ato falho e remeter tudo para o empacotamento prático do mensalão. O mensalão de Grana é outro, ganhou uma forma diferenciada da praticada pelo PT na gestão de Lula da Silva, embora aquela fórmula não possa ser desconsiderada como complementar. O mensalão de Grana tem tudo a ver com o conservadorismo de gestão pública: aproxima-se de entidades e pessoas, oferece- algumas migalhas de poder, ou mesmo alguns nacos relativamente importantes de poder, e, pronto, está tudo dominado.


 


Orçamento responsável


 


O prefeito de Santo André também fez incursões pelo campo orçamentário. Deixou a sensação de que não cometerá bobagens. Tanto que mais que obras, expôs preocupação com o custeio da máquina pública decorrente de novos equipamentos públicos. Chegou a ressaltar esse ponto, ou seja, que o chamado custeio não pode ser subestimado como expressão de controle de uma Administração Pública. Ponto para o prefeito de Santo André. Ele parece ter comparecido às aulas sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal.


 


Não se sabe, ainda, se Grana ganhará ponto caso se predisponha a aumentar as receitas próprias, como insinuou na entrevista. Os cofres da Prefeitura que mais sofreu com a desindustrialização nas últimas quatro décadas são rasos e parcos. Aumentar a carga tributária municipal, sobretudo o IPTU, é engenharia complexa. Celso Daniel iniciou em 1997 uma ofensiva de atualização da Planta Genérica de Valores. Os números provam que se alcançaram resultados próximos dos de contribuição da sociedade. É possível, é muito provável, encontrar focos de desequilíbrios internos nas planilhas que definem os valores imobiliários de uma Santo André multissocial. A saída é debater a questão com a sociedade.


 


Como Fernando Haddad, Grana insinuou que pode até mesmo cobrar menos ou isentar IPTU dos mais pobres. Os ricos pagarão pela diferença. O PT está cada vez mais convicto de que só manterá as rédeas do poder pelo voto da classe média que inventou, porque a classe média de verdade quer ver o partido pelas costas.


 


Também chama a atenção na entrevista ao Repórter Diário a expectativa quase esfuziante de Carlos Grana com a potencialidade de ocupação econômica da Avenida dos Estados, geografia que levou o prefeito Celso Daniel a liderar grupo de urbanistas para fomentar o projeto Eixo Tamanduatehy. Mesmo a morte precoce do petista não impediu o brotar de vários empreendimentos naquele espaço. Muito menos do que poderia ter sido, é claro.


 


O problema a envolver Carlos Grana e a obra inspirada por Celso Daniel é que o atual prefeito de Santo André não se deu conta de que se passou mais de uma década desde então e que mudanças macroeconômicas atingiram em cheio aquele território. Qualquer intervenção pontual comprometerá ainda mais o conjunto daquele espaço.


 


A atualização do projeto deixado por Celso Daniel deveria ser preocupação maior de Carlos Grana, mas nada transparece nesse sentido. Grana, como Marinho, trabalha muito pouco com metodologias de aprofundamento investigativo. São voluntaristas por excelência. Chutam a bola para frente e esperam que todos corram para fazer o gol. Celso Daniel gerenciava a possibilidade de sucesso ao traçar vários cenários previamente analisados.


 


Parafraseando o governador


 


Parafraseando o governador Geraldo Alckmin, que, ao anunciar o trecho sul do Rodoanel, afirmou que se tratava da melhor esquina para negócios no Brasil, num exagero mais que comprovado, Carlos Grana disse que num encontro com o tucano sobre a Avenida dos Estados, construiu uma frase-irmã, de que ali se tem a melhor esquina de oportunidades de São Paulo. A proximidade com o Polo Petroquímico, o traçado ferroviário, a Jacu-Pêssego, extensão interna do Rodoanel Sul, são justificativas para tanto entusiasmo, além da anunciada Estação Pirelli e de um investimento industrial de identidade não revelada.


 


Grana é um entusiasta de projeções, mas o que se recomenda ao Executivo público é confiança à viabilidade prática das ações. O Observatório de Promessas e Lorotas está aí para comprovar. A Avenida dos Estados que incorpora o Eixo Tamanduatehy deixado por Celso Daniel não tem mais a potencialidade físico-territorial da última década do século passado. As razões são múltiplas e não cabe explicá-las aqui agora, mas, mesmo assim, o endereço pode adicionar empregos e recursos tributários a Santo André.


 


Se ao traçar a perspectiva sobre a área da Avenida dos Estados o prefeito Carlos Grana atuou com vertente mais publicitária do que administrativa, no caso da prioridade à preservação e ao incremento da indústria de transformação em relação à atividade imobiliária ele demonstrou que aparentemente não caiu na armadilha do consumismo em detrimento de investimentos, como o governo federal.


 


Resta saber se o discurso está sintonizado com a prática administrativa. Até que ponto as áreas supostamente disponíveis e ociosas do Eixo Tamanduatehy deixado por Celso Daniel não servem à especulação imobiliária nestes tempos de fartura de financiamentos?


 


Mobilidade e descentralização


 


É claro que Carlos Grana não deixou de falar sobre mobilidade urbana, anunciando corredores de ônibus em complemento ou antecipadamente à chegada do monotrilho, modalidade de transporte que os jornais insistem em chamar de metrô. O prefeito cevado no sindicalismo utilizou-se até de uma expressão muito cara ao grupo que assessorava Celso Daniel quando se projetava o futuro de Santo André -- o mesmo futuro que já chegou sem que praticamente nada tenha efetivamente saído do papel. Disse Carlos Grana que quer uma Santo André “policêntrica”, o que vem a ser uma comunidade bem distribuída em matrizes econômicas e sociais, com polos comerciais fortes a ocupar a periferia. A Santo André policêntrica de Celso Daniel tinha alguma fundamentação técnico-gerencial. A Santo André policêntrica de Carlos Grana não passa de fraseologia.


 


Valeu a pena acompanhar a entrevista do prefeito de Santo André à TV do Repórter Diário. Fosse este jornalista colunista social metido a besta, não deixaria de registrar surpresa com a brevidade dos efeitos da intervenção estética pela qual passou o então candidato a prefeito de Santo André. Aquelas bolsas d’água sob os olhos voltaram de forma tão agressiva que, insisto, fosse este jornalista colunista social, não resistiria a indagar o porquê do envelhecimento facial tão rápido. Errou o dono do bisturi ou o prefeito não anda descansando o suficiente?


 


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Até quando Grana vai conviver com a Máfia Imobiliária da região?


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