Administração Pública

Secretário de Marinho apela ao
empresariado por vitória de Dilma

DANIEL LIMA - 16/10/2014

A micareta petista na Província do Grande ABC em favor da candidatura presidencial de Dilma Rousseff não esconde os estandartes de ouro que a move: a ordem unida é sensibilizar a sociedade a votar em massa na reeleição da mulher ungida por Lula da Silva. O secretário de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo, Jefferson José da Conceição, profissional conceituado e discreto, assinou um artigo no jornal digital ABCD Maior, de centro-esquerda, cuja linha de raciocínio político segue a pressão exercida por Carlos Grana, prefeito de Santo André, embora o público-alvo  seja outro.


 


Enquanto Grana dirigiu-se a trabalhadores reunidos no Sindicato dos Químicos para alertar sobre os estragos que eventual derrota da petista poderia provocar aos investimentos públicos federais na região, a pregação de Jefferson da Conceição mirou o empresariado.


 


Vou deixar de lado os argumentos utilizados pelo secretário de Luiz Marinho sobre o quadro econômico nacional que lastrearia a candidatura de Dilma Rousseff. Faço-o não por desconhecimento ou comodismo, mas por pura objetividade: se a pregação é regional, vamos então descobrir os pensamentos de Jefferson da Conceição sobre o que representaram os 12 anos petistas na terra do presidente Lula da Silva.


 


O resumo da ópera é que Jefferson da Conceição entrou na dança de adoração a Dilma Rousseff, jogando para escanteio um passado de rigor como acadêmico e técnico especializado sobretudo nas transformações econômico-trabalhistas. Jefferson da Conceição se excedeu na ânsia mais que justa mas nem por isso indomável de prestigiar o modelo econômico do PT no governo federal e as ramificações regionais.


 


Vou procurar ser didático: transportarei a estas páginas todos os trechos do artigo do secretário e em seguida emitirei juízo de valor. Essa é uma tarefa que me imponho entre outros motivos porque CapitalSocial é o estuário de resistência a meias-verdades e mentiras inteiras, bem como avalisador de verdades verdadeiras. Vamos começar, então? Leiam o que escreveu o secretário:


 


 O Grande ABC é o melhor retrato da diferença entre ambas as administrações (petistas e tucanos). Com o PSDB de FHC/Aécio, esta região foi duramente castigada pela guerra fiscal estimulada pelo próprio Governo Federal; pela evasão e fechamento de indústrias como Brastemp, Maxion, Wheaton, Atlas Copco, Black & Decker, entre centenas de outras; pelo desemprego, com 82 mil postos de trabalho eliminados na indústria; e pela crise socioambiental. FHC sugeriu que desistíssemos da indústria e apontou as casas de espetáculos de Detroit como exemplo para nossa região – escreveu Jefferson da Conceição.


 


Verdades e manipulações


 


Agora meto minha colher de atrevimento no sentido de ponderar as conclusões do secretário.


 


Primeiro, sobre a guerra fiscal, a responsabilização exclusiva atribuída ao governo Fernando Henrique Cardoso tem o mesmo sentido que culpar os homofóbicos destes tempos sem levar em conta o caldo de cultura da sociedade nacional. Participaram da farra da guerra fiscal todos os governos estaduais, os administradores públicos municipais, legisladores e tudo o mais. E é bom lembrar que a guerra fiscal segue adiante, com alguns disfarces que tentam burlar a retaguarda jurídica mal-ajambrada que não dá conta do recado.


 


Segundo, quando se refere à evasão industrial, o secretário Jefferson da Conceição só tem seletividade nos olhos analíticos, o que é uma coisa feia. Acadêmico de formação não pode cometer a loucura de enxergar apenas um dos ângulos da questão. O custo dessa operação claramente dissimuladora poderá ser constrangedor no futuro.


 


A evasão industrial na Província do Grande ABC ganhou formatos distintos e complementares. Logística saturada na Região Metropolitana de São Paulo, qualidade de vida, redução de custos operacionais e ação deletéria do sindicalismo são os pontos mais salientes. Retirar os sindicatos como agentes protagonistas do recuo industrial da região tem tanto sentido quanto ignorar outro ponto que estava a desprezar por absoluto descuido: a moeda supervalorizada que permeou largo período do Plano Real foi um convite suplementar à destruição das pequenas empresas, preteridas em favor das grandes montadoras de veículos acobertadas politicamente pelos sindicatos de trabalhadores.


 


A abertura dos portos associada à moeda nacional valorizada atingiu duramente as autopeças nacionais, submetidas a tratamento de choque competitivo após anos de fragilidades estruturais, enquanto as montadoras sempre protegidas continuaram a contar com sustentação governamental.


 


A gestão de Fernando Henrique Cardoso tem, portanto forte influência no esvaziamento industrial da Província do Grande ABC, mas convém relativizar a desgraceira, sem retirar do tucano parcela bastante expressiva de culpa. Mas daí a acreditar que aquele então titular do Palácio do Planalto declarou o que Jefferson da Conceição menciona em seu artigo, referindo-se a Detroit, vai uma grande diferença.


 


Mais alguns trechos do artigo de Jefferson da Conceição:


 


 Com Lula e Dilma, a produção e os empregos voltaram de forma robusta. Ampliação do Polo Petroquímico, estímulos às montadoras de veículos e uma política de incentivo à produção devolveram a pujança ao Grande ABC – escreveu.


 


Anos de chumbo grosso


 


O secretário de Luiz Marinho tem toda razão. Mesmo com forte viés nacionalista, cujo preço a pagar e já está se pagando é a perda da embocadura da competitividade internacional, a Província do Grande ABC conheceu anos e anos de recuperação industrial montada nos eixos automotivos. Mas não conseguimos reagir de forma organizada para amenizar as sacolejadas já às portas, quando não na cozinha. 


 


Somos escravos do setor automotivo cada vez mais descentralizado e competitivo. Vivemos de aportes fiscais do governo federal, bem como de reforços trabalhistas em forma de compensação financeira governamental a demissões adiadas até quando só Deus sabe. A afirmativa de que tudo que foi feito de bom principalmente no setor automotivo devolveu a pujança econômica à Província do Grande ABC é um exagero do secretário Jefferson da Conceição. Os números que CapitalSocial expõe e analisa com frequência dizem que recuperamos apenas parte dos prejuízos e que nada nos assegura que encontramos o caminho de Damasco. Ficamos presos à armadilha de uma atividade econômica de perspectivas nebulosas.


 


Mais alguns parágrafos do artigo de Jefferson da Conceição publicado pelo ABCD Maior:


 


 Dilma Rousseff aportou vultosos investimentos em mobilidade urbana, contenção de enchentes, habitação, saúde e outras áreas. Dez bilhões de reais foram destinados à Região do ABC pelo Governo Federal. Obras fundamentais como o Hospital de Clínicas no Alvarenga, as presentes obras de drenagem e de mobilidade (como os corredores exclusivos de ônibus), o Sistema Integrado de Monitoramento, são exemplos de uma política de relançamento da região. A antecipação da chegada do metrô de 2030 para 2015/2016 foi possibilitada pelo empenho de R$ 1,5 bilhão do Governo Dilma – escreveu o secretário.


 


Realidades e virtualidades


 


De novo Jefferson da Conceição se excede na argumentação. Que o governo federal petista fez mais pela região do que qualquer outro na história, exceto os anos dourados de Juscelino Kubitscheck, de quem herdamos a industrialização automotiva, não se discute. Mas daí a transformar planos e projetos em obras vai uma grande diferença.


 


Vários dos destaques de investimentos citados por Jefferson da Conceição estão apenas nas planilhas e alguns que se efetivaram tiveram participação do governo do Estado, olimpicamente ignorado no texto. Caso específico do Hospital de Clínicas. Já o projeto do monotrilho, que o secretário nomina indevidamente de metrô como os especuladores imobiliários de olho em ganhos estratosféricos, correrá por conta principalmente dos aportes do governo do Estado.


 


Os R$ 10 bilhões mencionados pelo secretário estão longe da realidade.  São em larga margem verbas, que não podem ser confundidas com dinheiro aplicado. Verba é intenção de investimento. A transposição do dinheiro virtual para o campo de execuções é uma maratona.


 


Seguimos com mais alguns apontamentos do secretário petista que o jornal ABCD Maior alçou em forma de artigo na edição desta semana:


 


 Nossos Arranjos Produtivos Locais foram reconhecidos pelo Governo Dilma e acabam de receber linhas de crédito com taxas e prazos especiais pela Caixa Econômica Federal. Em seis meses, já foram emprestados R$ 5 milhões. A implantação da UFABC, em 2006, que já conta com dois campi (Santo André e São Bernardo do Campo) e foi incluída em rankings internacionais de excelência em pesquisa, além de já ser a que mais forma engenheiros no Brasil, é uma conquista maior da Região. Projetos fundamentais como o Birô de Engenharia em Ferramentas, o Laboratório de Segurança Veicular (crash test), o inventário da Oferta Tecnológica e consultorias em capacitação de empresa contam com parcerias fundamentais do BNDE, da Finep, da ABDI e do CNPq. O Governo Dilma é interlocutor prioritário dos APLs do Grande ABC, de nossa indústria e das universidades locais. As Centrais de Trabalho e Renda da região, importantes instrumentos de intermediação gratuita de mão de obra, são frutos de convênio com o Governo Dilma – escreveu o secretário.


 


Arranjos arranjados


 


De novo relativizo o entusiasmo calculadamente partidário e eleitoral do secretário Jefferson da Conceição. No caso dos chamados Arranjos Produtivos Locais, sabe bem o secretário que, apesar de louvável a ação mobilizadora de representantes de mais de uma dezena de atividades econômicas, a expressão APL está longe de apropriada. Qualquer pesquisa que fundamente o sentido conceitual das APLs, seguida de avaliações independentes do quadro exposto pelo secretário, vai constatar que o movimento está longe de configurar interação entre as empresas. Deram-se sim os primeiros passos de um ajuntamento que passa longe das portas dos fundos da interatividade que APLs sugerem. Em nenhum dos setores alardeados como integrantes de ampla rede sob o guarda-chuva protetor e reformular de APL é sustentável a legitimidade da expressão, que, em última instância, significa cooperação, coopetição.


 


O presente, fruto do passado de individualismo concorrencial do setor empresarial, é um retrato bem acabado de fragmentação explícita dos agentes econômicos locais. As exceções só confirmam a regra geral. Seria melhor que em vez de Arranjo Produtivo Local o secretário Jefferson da Conceição se referisse a Ajuntamento Produtivo Local, primeiro e louvável estágio para se atingir algum grau de interatividade entre as empresas e o entorno econômico na região.


 


Sobre a UFABC (Universidade Federal do Grande ABC) é dispensável incursão mais profunda tantas foram as matérias que já publiquei neste espaço. Trata-se, a UFABC, de uma barriga de aluguel que custa os tubos na rubrica Grande ABC do governo federal. O comprometimento da UFABC com as atividades econômicas da Província do Grande ABC assemelha-se ao carinho que os policiais militares dedicam aos jovens pobres e pretos das periferias do País.


 


Espertamente, até porque o artigo foi concebido sob a estrutura de um positivismo a qualquer custo, o secretário Jefferson da Conceição não faz qualquer referência ao anunciado projeto do Pré-sal, com a criação local de uma rede de fornecedores da Petrobrás. Tudo não teria passado de um surto de entusiasmo que se perdeu nas brumas das dificuldades de romper o monolítico circulo de relações nem sempre republicanas da maior estatal brasileira, envolvidíssima nos escândalos denunciados pelo ex-diretor Paulo Roberto Costa.


 


Ainda na tentativa de vincular o artigo do secretário Jefferson da Conceição à abordagem crítica deste jornalista, repassamos mais alguns trechos publicados:


 


 O Governo Dilma acaba de dar novo impulso à Região do ABC, com a escolha do caça supersônico sueco Gripen, da Saab, para a Força Aérea. Mil empregos diretos e cinco mil indiretos, de alta qualificação, serão gerados na região com a instalação de uma fábrica de aeroestruturas, anunciada neste ano. As indústrias da Região do ABC têm nova oportunidade de ampliação de negócios, bem como nos demais projetos das Forças Armadas, graças às políticas de reaparelhamento iniciadas por Lula e aprofundadas por Dilma. Podemos, dessa forma, conservar nossa vocação automotiva metalomecânica e química e, ao mesmo tempo, diversificar os mercados de nossas empresas, gerando maior segurança econômica e melhores perspectivas de inovação, retorno econômico e empregos. Também acaba de ser entregue ao Governo da Presidente Dilma, pelo prefeito Luiz Marinho, o projeto de um aeroporto de cargas a ser construído no Município – escreveu o secretário.


 


Fábrica sem cérebros


 


É verdade que a possibilidade da chegada de uma fábrica de estruturas do supersônico Gripen se deve à influência de Luiz Marinho no governo federal, sobretudo por ter sido barrado do baile da eleição ao governo do Estado de São Paulo, trocado pelo classe média Alexandre Padilha, supostamente mais palatável ao eleitorado paulista. Uma compensação distante do entusiasmo emitido por Jefferson da Conceição. O quadro potencial de trabalhadores não bate com declarações do prefeito Luiz Marinho. O titular do Paço Municipal disse que seriam cinco mil empregos diretos. Agora diz o secretário que serão mil diretos e cinco mil indiretos. Há de novo exagero no artigo do secretário.


 


Tanto quanto na dimensão tecnológica do supersônico. Caberá a São Bernardo, se o projeto não naufragar ante eventual derrota de Dilma Rousseff, não mais que a parte industrial rudimentar, por assim dizer, daquele bólido. O cérebro de agregados inovadores está reservado à poderosa Embraer, em São José dos Campos e também em Gavião Peixoto.


 


A tentativa de ampliar o raio de ação operacional de metalúrgicas da Província do Grande ABC em suposto atendimento às demandas produtivas das Forças Armadas é alternativa meritória liderada por Jefferson da Conceição, mas, por mais que ganhe corpo, será insuficiente, porque lenta, ante a competitividade de outras geografias mais íntimas da atividade.


 


Diversificar a produção industrial de São Bernardo e da região para minimizar o peso relativo do setor automotivo é o sonho de verão de todos os prefeitos locais, mas o simples chamamento intermitente de interessados é muito pouco. Falta uma política agressiva de cunho regional para registrar resultados efetivos em sintonia com uma cronologia mais ágil e compensadora às oscilações do setor automotivo. Continuamos a correr todos os riscos de colocar grande parte dos ovos de ouro da região no mesmo cesto de complicações automotivas. 


 


Sobre o projeto de aeroporto anunciado em outubro de 2011 pelo próprio secretário de Desenvolvimento Econômico como Aeroportozão, o melhor é contar com muita cautela e caldo de galinha. O espaço supostamente reservado nos mananciais é chamariz à mobilização de ambientalistas. Sem contar que há uma montanha de dúvidas a separar a proposta genérica da Administração Luiz Marinho e o potencial de investidores. Um aeroportozinho contribuiria muito pouco à reconfiguração do tecido econômico da região, embora possa vir a fazer a festa de investidores mantidos a sete chaves pelo prefeito petista.


 


O ganho de marketing eleitoral parece mais apropriado ao entusiasmo do secretário municipal. A ocupação do espaço aéreo em São Bernardo virou quase uma obsessão da Administração Luiz Marinho. Tanto que a construção de teleférico em bairros com transtornos topográficos chegou a ser anunciada. Como Bogotá na Colômbia e a Rocinha, no Rio de janeiro, São Bernardo teria essa espécie de aeroporto dos pobres para provar que a administração petista tem os pés no chão e a criatividade nas alturas. 


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