Administração Pública

Obras para um
futuro verde

VERA GUAZZELLI - 05/03/2004

Ao completar 50 anos Ribeirão Pires se move em direção a futuro predestinado que começou a ser planejado, de fato, há pouco mais de sete anos. A construção de um Centro de Convenções e de um complexo educacional em antiga fábrica de farinha, além das obras do coletor-tronco previstas para este 2004, sinalizam bem mais que intervenções típicas de período eleitoral.


Os três empreendimentos são mais um capítulo de uma história recente de mudanças protagonizada por quem só pode dar um passo de cada vez e vai percorrer ainda longa estrada até o ponto ideal da reconversão econômica à atividade turística.


Privilegiada pelo verde da Mata Atlântica e 100% enquadrada em área de proteção dos mananciais, a cidade tem cada vez mais certeza de que a sobrevivência econômica está atrelada à preservação do meio ambiente.


Para enfrentar a queda de 44,9% em repasses de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) aos cofres municipais nos últimos sete anos até 2002, Ribeirão Pires tem se valido de criatividade, articulação política e foco. Como o poder de fogo é limitado e os investimentos privados ainda não chegaram, a cidade utiliza armas domésticas para pavimentar o caminho que considera irreversível.


"Avançamos muito, mas ainda vai demorar para vivermos exclusivamente do turismo. É um projeto de longo prazo"  -- descreve a prefeita Maria Inês Soares, do PT, única mulher a comandar uma cidade no Grande ABC. 


Seis de zero a 10


A nove meses do término do segundo mandato, ela se sente confortável em fazer autocrítica e concede média seis numa escala de zero a 10 para os avanços no  desenvolvimento econômico.  A avaliação corresponde à linha de corte para aprovação na maioria dos colégios e está conectada com o prognóstico feito pela própria Maria Inês Soares, ainda no início do primeiro mandato: não se muda o eixo econômico de uma cidade em menos de 15 anos, o que aumenta a responsabilidade de quem conduz o período de transição.


Por isso, a prefeita está segura de que as obras em curso estão  inseridas no contexto amplo que ajuda a aliviar qualquer juízo de valor atribuído em ano de eleição. É claro que as associações são inevitáveis, mas Maria Inês acredita ter argumento forte a seu favor. Tudo foi discutido e acordado com a população.


Desde que assumiu o comando do Executivo, essa professora de Ensino Fundamental e Médio reúne-se pelo menos uma vez por semana com representantes da sociedade civil, seja nos encontros do orçamento participativo ou da Agenda 21, um instrumento que planejou a cidade para 20 anos. "Todas as ações são discutidas em função da atividade turística" -- confirma o secretário de Desenvolvimento Econômico, Luciano Roda.


A explicação do executivo ajuda a justificar as razões que levaram a cidade a investir em cada uma das intervenções. O Centro de Convenções foi projetado para inserir Ribeirão Pires no cobiçado mapa do turismo de negócios da metrópole paulistana e terá auditório com 280 lugares, duas salas com capacidade para 100 visitantes cada, cinco espaços menores para treinamento, além de  pavilhão de exposições. 


São 2,5 mil metros quadrados de área construída, o que corresponde a 15% do espaço oferecido pelo Palácio das Convenções do Anhembi, na Capital. "Parece pouco, mas é melhor do que nada. É uma obra do tamanho que a cidade pode suportar e preenche uma lacuna importante"  -- argumenta Luciano Roda. A declaração do secretário remete diretamente ao fato de nenhuma cidade do Grande ABC ter local específico para realização de feiras e exposições. Tanto que a construção de um centro de convenções regional figura há anos na lista de acordos entre Câmara Regional e governo do Estado, sem qualquer garantia de sair do papel.


Centro de Convenções


O Centro de Convenções de Ribeirão Pires, no entanto, está sendo construído com verbas estaduais. Desde que se tornou oficialmente estância turística, no final de 1998, a cidade tem direito a repasse anual do Dade (Departamento de Apoio ao Desenvolvimento das Estâncias) para ser aplicado exclusivamente em projetos turísticos. As obras do empreendimento estão divididas em duas etapas e foram  contempladas com os repasses referentes a 2002 e 2003. O primeiro R$ 1,5 milhão já foi liberado e o R$ 1,2 milhão restante será creditado aos cofres municipais conforme o andamento da construção.


A Prefeitura ainda não estimou o impacto que o Centro de Convenções vai provocar no aumento do número de visitantes, mas quer utilizar o local como cartão-postal para impulsionar também o turismo de lazer.  O centro está sendo construído no Parque Pérola da Serra, ponto turístico recém-revitalizado que abriga várias atividades de lazer, além de um circuito de arborismo.


A aposta é que os freqüentadores de eventuais feiras ou congressos se encantem pela área e voltem a passeio, de preferência com família ou amigos, nos finais de semana. O último censo realizado em 2001 dava conta de que 10 mil turistas visitavam a cidade nos finais de semana. O número, no entanto, não pode mais ser utilizado como parâmetro devido principalmente à queda de renda que se abateu sobre a população nos últimos anos.


Ciclone industrial


No meio do ciclone da desindustrialização que abalou o Grande ABC, Ribeirão Pires não passou imune: o Índice de Potencial de Consumo da cidade desabou 24,6% no período 1995/2002, conforme pesquisa da Target Marketing feita em todo o Brasil e que serve de plataforma de estudos do IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos). No ABC, o IPC desceu 25,9% nesses sete anos. O VA (Valor Adicionado que mede a riqueza industrial) tombou 23,6% em Ribeirão e 25,8% na região. Só em ICMS, que tem dois terços de sua composição formada pelo VA, foram repassados R$ 9,7 milhões a menos aos cofres de Ribeirão Pires nesse período. A solução foi crescer no campo tributário local. Por isso, a cidade fez crescer em 51,1% a receita tributária própria.


A verba anual do Dade para apoio do Estado às estâncias significa, portanto, importante reforço para o caixa apertado de Ribeirão Pires. O dinheiro do Dade já permitiu revitalizar os mirantes de Santo Antônio e São José, a Praça da Matriz, os parques Milton Marinho de Moraes e Pérola da Serra, além do  centro de Ouro Fino. Ao todo foram mais de R$ 2 milhões aplicados na melhoria de pontos turísticos tradicionais dessa cidade de 106.462 habitantes, fora as verbas para o Centro de Convenções. 

Se fosse contar apenas com recursos municipais, a cidade dificilmente faria uma obra do porte do Centro de Convenções. Somente o pagamento de dívidas previsto para 2004 é maior que o total destinado a investimentos. São R$ 7,9 milhões para os credores, contra  R$ 6,4 milhões para obras e equipamentos. Os débitos correspondem a 11% do orçamento de R$ 71 milhões.


Dívidas ajustadas


O endividamento total do Município está equacionado por meio de parcelamentos e renegociações de dívidas tributárias, mas ainda equivale a quase um orçamento. Mesmo assim, os precatórios continuam entre as despesas mais elevadas a serem honradas pela administração. Por ora, Ribeirão não corre o risco de sofrer seqüestro de receitas como aconteceu recentemente com Mauá. A situação, no entanto, continua preocupante.  "Herdamos muitos problemas e temos de deixar a casa em ordem para o sucessor. A saída é articular acordos e correr atrás de verbas"  -- ensina  Maria Inês Soares.


Não por acaso, a prefeita e sua equipe sobressaem-se na  capacidade de articulação política. Diferentemente do que ocorre no âmbito regional, Maria Inês Soares, que acaba de voltar ao comando do Consórcio de Prefeitos e da Câmara Regional, tem tido mais sucesso em seu território. Exemplo disso é a recente notícia de que o coletor-tronco para bombeamento e armazenamento de todo o esgoto da cidade e também da vizinha Rio Grande da Serra será inaugurado ainda este ano. O término da obra estava previsto para 2005, mas o governo federal adiantou verba de R$ 12 milhões para acelerar os trabalhos.


O coletor-tronco vai recolher 85% do esgoto da cidade e enviar os resíduos para tratamento na ETE-ABC (Estação de Tratamento de Esgoto na divisa de São Caetano com São Paulo). Isso significa avanço ambiental de grandes proporções. Assim que entrar em operação, a obra vai livrar a Represa Billings da poluição causada pelos coliformes fecais. E quanto mais limpa a represa, maiores as possibilidades de atrair investidores e atividades turísticas para as margens do principal atrativo natural de Ribeirão Pires.


Relações produtivas


Apesar de Maria Inês Soares creditar o adiantamento da verba à articulação regional, o peso de Ribeirão nas negociações é inegável. Além de a cidade ser governada pelo mesmo PT da Presidência da República, conseguiu construir relacionamento com a Sabesp que, em muitos casos,  extrapola as questões político-partidárias.


A empresa de água do governo de São Paulo é responsável pelas obras do coletor-tronco e foi parceira da cidade também nas intervenções para redimensionar a rede de água e esgoto na região central. O Centro foi o primeiro local a ser revitalizado dentro do projeto turístico. A cidade também recebeu R$ 7,5 milhões do governo federal para investir em obras de drenagem que reduziram as enchentes a quase zero.


Ribeirão Pires foi ainda o primeiro município da Região Metropolitana de São Paulo a legalizar um loteamento em área de manancial. A regularização do Jardim Serrano teve como base o Plano Emergencial para os Mananciais e demandou quase dois anos de negociação com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente.


Famílias beneficiadas


A Prefeitura utilizou a lei da compensação  e anexou aos terrenos irregulares uma área de mata Atlântica nativa que deixou os lotes com a metragem exigida pela legislação. A ação beneficiou mais de 200 famílias e dobrou a quantidade de verde por habitante da cidade, já que está proibido qualquer tipo de construção na área verde anexada.


Também a construção do novo Centro Educacional Municipal obedece à lógica preservacionista. O futuro complexo está orçado em R$ 2,15 milhões, será construído com recursos próprios e vai abrigar uma escola e a sede da Secretaria de Educação em área de 12 mil metros quadrados que pertencia a antigo moinho de farinha.


A Prefeitura pretende transformar o local num outro ponto de visitação pública e, para isso, deve preservar as características originais do prédio, construído no século XIX. "O resgate da história local é outra ação importante para consolidar o setor de turismo" -- entende o secretário Luciano Roda.


Dentro desse contexto, a Prefeitura também deposita fichas no potencial minerário. Recentemente, o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) divulgou estudo que aponta 23 fontes de água mineral com possibilidades de ser exploradas comercialmente na cidade. A pesquisa é uma ferramenta de precisão que permite ordenar a atração de um setor que cresceu 23% no último ano.


A atividade de água mineral encaixa-se como luva para Ribeirão Pires porque concilia negócio, turismo e preservação ambiental. A cidade já tem duas empresas do ramo em funcionamento e aguarda a implantação da terceira para ainda este semestre.


"O estudo é importante para desmistificar o fato de que Ribeirão Pires não pode sediar indústrias. A indústria ainda é a maior fonte de arrecadação que uma cidade pode ter"  --  rende-se ao inquestionável a prefeita Maria Inês Soares.


Com os 107 quilômetros quadrados de território enquadrados na Lei de Proteção aos Mananciais, Ribeirão Pires tem mais restrições legais para atrair empresas e sofre com empresas do ABC que fecharam as portas ou diminuíram drasticamente as atividades. Os poucos investimentos privados que chegaram até agora na área de turismo ainda são insuficientes para recompor as perdas. 


Mesmo assim, a prefeita acredita que não há mais como declinar desse caminho. Enquanto se prepara para conduzir uma disputa eleitoral que se prevê entre as mais acirradas do Grande ABC, também encontra tempo para retomar o papel de cidadã, da moradora que não gostaria que as coisas deixassem de acontecer ou mudassem drasticamente de rumo. "Tenho certeza de que nosso  trabalho encontrou eco entre os moradores" -- acredita.


De qualquer forma, e nem poderia ser diferente, Maria Inês aposta na eleição do sucessor. Mas deixa o recado, caso as urnas preguem alguma surpresa inesperada. "Sou moradora da cidade e continuarei na  militância" – avisa, devidamente paramentada com brincos e relógios que ostentam a estrela e as cores vermelha e branca do seu partido político.


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