Administração Pública

Morando lança Cacheta Fiscal;
Loto Fiscal de Celso fracassou

DANIEL LIMA - 07/12/2017

Vou chamar de Cacheta Fiscal o programa de incentivo a investimentos lançado pelo prefeito Orlando Morando em São Bernardo. Quando Celso Daniel liderou à frente do Clube dos Prefeitos, há exatamente 20 anos, algo mais sofisticado e com abrangência regional, chamei o projeto de Loto Fiscal. A Cacheta de Orlando Morando está vinculada ao IPTU. A Loto Fiscal de Celso Daniel mergulhava  em diferentes tributos. E tinha o setor industrial como objeto principal, embora incorporasse também turismo e entretenimento.

Cacheta é um jogo de cartas com regras simples. Loto é uma loteria hoje de regras também mais simples. Tanto num caso como no outro há pontuações a alcançar. Acho que a Cacheta do Morando vai ter o mesmo fim da Loto de Celso Daniel; ou seja, representará quase nada em mudança da ordem das coisas.

Nossa economia vai continuar debatendo-se em águas tormentosas. Essas ações desprezam planejamento estratégico e se tornam espécies de carros-chefes de viagem frustrante.

Como vivi de perto a experiência da Loto Fiscal e estou vivíssimo 20 anos depois no lançamento da Cacheta Fiscal, traço paralelo entre as duas iniciativas. Os leitores vão perceber que temos agora a simplificação e foco exclusivo como marca registrada. Trata-se de uma iniciativa muito menos pretensiosa, mas nem por isso solidamente esperançosa em relação ao passado.

Âncora exclusiva

A Cacheta Fiscal de Orlando Morando oferecerá abatimento no IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) a empresas que criarem pelo menos 20 postos de trabalho no próximo ano. Nesse caso, a redução no imposto seria de 5%. O abatimento é progressivo e alcançará 30% para empresas que contratarem pelo menos mil funcionários.

Numa reportagem do Diário do Grande ABC foi citado um caso hipotético da Volkswagen, na Via Anchieta. O valor venal do terreno em que está instalada a montadora é de R$ 14 milhões. A economia em caso de contratação líquida de mil funcionários corresponderia a R$ 4 milhões.

Quem aderir ao programa deverá também doar 1% do Imposto de Renda ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e 1% para o fundo do idoso. Não serão contemplados com o Cacheta Fiscal concessionários de serviços públicos municipais, pessoas jurídicas do ramo imobiliário, prestadores de serviços de construção civil, bancários, registros públicos, cartoriais e notoriais. Também estarão excluídas companhias em débito tributário com a Prefeitura. 

Vinte anos atrás Celso Daniel e os prefeitos contemporâneos batizaram de Política Regional de Incentivos Seletivos o que traduzi como Loto Fiscal. Os então secretários de Desenvolvimento Econômico de cinco dos sete Municípios (Diadema e Rio Grande da Serra não contavam com a pasta) estudaram profundamente a matéria. O Teatro Cacilda Becker, em São Bernardo, foi palco do lançamento.

Chamei de Loto Fiscal a iniciativa porque o sistema de pontuação lembrava cartela de jogo cuja premiação estava amarrada ao total de pontos alcançados.

Múltiplas âncoras

A Loto Fiscal de Celso Daniel, Maurício Soares, Luiz Tortorello e outros prefeitos de então previa o ressarcimento, com condicionantes, do Imposto sobre Serviços (ISS) incidente sobre a mão de obra e sobre serviços de hospedagens; o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) incidente sobre o imóvel objeto de investimento novo, isto é, construção ou expansão; o Imposto sobre Transmissão de Bens Inter-Vivos (ITBI) incidente sobre a aquisição de imóvel no qual seria realizado um novo empreendimento, inclusive expansão; além de taxas de licença, localização, funcionamento e de publicidade. Também estava incluída a isenção de taxas e emolumentos para regularização de projeto de construção, implantação ou expansão de novo empreendimento junto aos órgãos da administração direta e suas autarquias.

Quem acha que o estoque de bondades da Loto Fiscal de Celso Daniel acabou está enganado. O projeto incluiu também o ressarcimento a título de subvenção comum ou especial de receita transferida do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) correspondente ao incremento do valor adicionado relativo à atividade industrial instalada, declarado e computado no índice de participação do Município no produto de arrecadação de imposto, segundo critério estabelecido na legislação vigente.

Prejuízo incontornável

As empresas já instaladas em municípios da região não teriam como escapar à concorrência desigual -- alertamos naquela análise nas páginas da revista LivreMercado. “Embora o projeto de lei determine que os benefícios estabelecidos possam ser estendidos às empresas industriais já instaladas no Município, no caso de expansão de atividades, isto não significa que deixem de eventualmente perder competitividade em relação aos novos empreendimentos que lhes façam concorrência” – escrevi 20 anos atrás. E completei: “O prefeito de Santo André, Celso Daniel, esforçou-se para minimizar os efeitos desse desequilíbrio, mas não há mágica que contrarie a lógica acaciana. E a lógica diz que uma nova empresa metalúrgica que venha para a região e que se beneficie da Loto Fiscal acabará obtendo vantagens estratégicas comparativamente às empresas já instaladas, porque seus custos públicos, se assim podem ser chamados os impostos abrangidos pelo projeto de lei, serão menores. Não o fossem, estaria se atribuindo ao delírio coletivo a própria introdução dessa alternativa de investimentos no Grande ABC”.

Descrevi naquela análise todas as grades de definição de pontos para a obtenção de descontos de impostos relacionados. Havia um ambiente de entusiasmo na região. O desenvolvimento econômico, ainda órfão de organização, parecia à mão. O fracasso foi retumbante.

Preço salgado

A Loto Fiscal saiu do noticiário sem maiores explicações. Houve deserções. Antes, a guerra fiscal municipalista no setor de serviços inaugurada por Clovis Volpi, então prefeito de Ribeirão Pires, foi prontamente seguida por Luiz Tortorello e Maurício Soares. Celso Daniel ficou a ver navios. Santo André paga até hoje o preço de sonhar com regionalismo numa área territorial em que o municipalismo impera.

Tanto impera que o próprio prefeito dos prefeitos, porque prefeito do Clube dos Prefeitos, Orlando Morando, lança mão municipal de um projeto que não passa de uma bombinha de São João perto do foguetório da Loto Fiscal. Qual será o resultado final? Nada significativo para mudar o destino de São Bernardo.

Com a perspectiva favorável de que o crescimento previsto do PIB do Brasil no ano que vem, de 3%, favorecerá a criação de empregos. Morando possivelmente terá dados a exibir. Entretanto, há uma armadilha que o faria conter o ímpeto. Que armadilha? Esperem.



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