Imprensa

Oferta, preço e qualidade

DANIEL LIMA - 09/09/2009

O mercado jornalístico do Grande ABC expande-se na oferta de produtos em proporção semelhante tanto ao encolhimento de fontes convencionais de financiamento quanto ao refluxo da qualidade. Qualquer especialista sabe que há confluência lógica desses movimentos. Já, é preciso ser mais que especialista para entender o restante do enredo.

Há muito passou pelo Grande ABC a boiada de generosidade de opções de receitas publicitárias. Foi o período fértil pós-instalação das montadoras de veículos. Emergiu então uma classe média em proporções apenas menores que as da vizinha Capital, a Cinderela do nosso Complexo de Gata Borralheira. Não há na Grande São Paulo, exceto na Capital, núcleos de estratos sociais menos sofridos do que no Grande ABC, mas a influência cultural da Capital atinge a todos por aqui, como em todas as bordas de metrópoles sem veículos de comunicação de massa.

Aquele período de ebulição industrial marcou o surgimento e o fortalecimento do Diário do Grande ABC, idealizado por um quarteto louco que apostou numa idéia aparentemente insensata de capturar o desejo de informação regional num grupo de municípios então sem qualquer identidade sinérgica.

Os cadernos de classificados de empregos, do mercado imobiliário e de veículos emagreceram. Pior: a rentabilidade exauriu-se por conta de outros meios disponíveis e, principalmente, pelo refluir do Eldorado de investimentos produtivos, acelerador das transformações sociais.

São tantas e tantas as opções de leitura impressa no Grande ABC neste começo de novo século que provavelmente os leitores se sentiriam atordoados se se dedicassem a recolher de todas as opções a essência dos objetivos de cada veículo. Há alternativas para todos os gostos. O que falta é gente com capacidade, disposição, talento, liberdade, seja o que for, para refletir. Praticamos um jornalismo burro e repetitivo. Talvez nada burro quando ultrapassa as fronteiras das redações, mas repetitivo, isto sim.

Há de perguntar o leitor por que se dedicam tão pouco nossos jornais e nossas revistas ao jornalismo crítico, analítico? Porque dá trabalho, muito trabalho. É investimento individual e corporativo de longo prazo que consome neurônios, que causa complicações relacionais, que cutuca, mexe e remexe com interesses nem sempre honestos, que fecha muitas portas.

Para escrever sobre regionalismo é indispensável infiltrar-se em questões metropolitanas, nacionais e internacionais que envolvem administração pública, mercado financeiro, habitação, saneamento, sociologia, tudo isso e muito mais. Para debater a indústria automotiva no Grande ABC, e não se fixar apenas no factual geralmente de mão única das fontes de informações, é preciso enveredar por fundas ramificações internacionais, e isso implica conhecimento amplo das idas e vindas nas áreas de administração de empresas, logística, sindicalismo, marketing, entre outras.

Escrever com profundidade é como se preparar para maratona permanente. A superficialidade da mídia em geral é a corridinha de 100 metros sem compromisso maior, exceto com a própria corridinha para evitar que a barriguinha apareça. Ou, então, impedir que, ao ultrapassar a linha de cintura, a protuberância transmita a sensação de que não existe mais nada nas imediações inferiores.

Vive o jornalismo impresso do Grande ABC de superficialidade informativa, salvem-se uma e outra investida pontual de algum articulista. Há gente convencida de que o leitor quer apenas passar os olhos no noticiário para se sentir atendido. É claro que há leitores assim às pencas, mas aí entra em campo o velho dilema de quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, ou do Tostines, que é fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho?

O jornalismo impresso do Grande ABC despreza a sensibilidade de demanda dos leitores. Há muitos consumidores que querem mais que informação — querem metabolização dos fatos ou das especulações. Sim, metabolização de especulações, porque veículo de comunicação que nega que carregue no DNA uma porção que vai além do factual está faltando com a verdade. O risco da especulação é a desmoralização. E o perigo da mentira, que novatos no ramo usam a torto e a direito, é acabar num distrito policial e nas barras de um tribunal. Como o dono da revista “Deus me livre”, outrora LivreMercado.

Não é por acaso que as maiores audiências dos veículos impressos estão nas colunas assinadas por articulistas da casa ou por convidados. Os leitores querem participar da leitura porque se entregam a uma disputa ou a uma solidariedade abstrata. Querem muito mais que a informação gélida e sem alma de suposta neutralidade.

O problema do jornalismo impresso do Grande ABC e de tantas outras localidades é que confunde jornalistas que sabem escrever com colunistas especializados sem talento jornalístico. Poucos profissionais de outras áreas e não adestrados em jornalismo expressam-se bem. Dráuzio Varela é exceção que confirma a regra. Certamente seria um grande jornalista se não fosse médico.

Não são poucos os leitores com traquejo para filtrar enviesamento do noticiário, mas nem por isso deixam de consumir determinados veículos jornalísticos. Resguardam-se com instintivo manual de sobrevivência a contaminações. Quem lê a revista Veja e a Carta Capital sem distinguir o que move uma e outra está se deixando enganar ou não está preparado para assimilar os legítimos interesses em jogo — ou seja, a captura ideológica eternamente dividida entre conservadores e reformistas, espectros que, quando a roda dos interesses gira, podem simplesmente mudar de lado.

Um bom produto jornalístico resiste até à desconfiança ou mesmo à certeza do leitor de que não seja tão ético e tão independente quanto proclama.

Já a mediocridade é um buraco fundo tanto se estiver engajada explicitamente ou se repassar a certeza de que não tem amarras de qualquer natureza.

O futuro do jornalismo impresso em qualquer lugar do planeta não será outro senão a valorização de conteúdos com texto e contexto, como felizmente apregoam e defendem os grandes magnatas da mídia, todos com interesses ideológicos em jogo.

Enquanto a mídia impressa cai na armadilha de mimetizar a mídia eletrônica, de informação rasa, a mídia eletrônica mais inteligente amealha espaços com material mais bem fornido de idéias, agregando valor ao conteúdo. Chegamos a tal ponto que há muito também as emissoras de rádio e televisão elevam a produção de reportagens que caberiam perfeitamente, se adaptadas, à produção de revistas, por exemplo.

Diferentemente do que imaginam os neófitos em jornalismo, que tentam decifrar pesquisas sem conhecerem as entranhas da atividade, nem tudo que aparece como resposta aparentemente simples nessas investigações pode ser aplicado. Em muitos casos, manifestações decorrem de conjuntura sedimentada ao longo de um processo de inconformidades que se estabelecem como tendências, mas que não passam, de fato, de circunstâncias.

Um exemplo? Um jornal que descobre que seu público é formado por donas de casa, por gente de baixa escolaridade e por empreendedores informais estaria reagindo organizadamente se aprofundasse ainda mais a linha editorial popular ou se procurasse resgatar o ativo perdido de maior número de leitores nas classes economicamente mais bem nutridas e nos estratos de escolaridade mais elevada?

O jornalismo impresso que insiste no modelito dos tempos em que não havia concorrência de fato, que novas plataformas de comunicação não constavam nem dos sonhos mais futuristas, esse jornalismo está queimando florestas inutilmente, porque não deixa legado algum aos leitores e não participa da formação cidadã das novas gerações.


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