Administração Pública

Paulinho Serra mete a mão na
cumbuca do Semasa. E agora?

DANIEL LIMA - 15/05/2019

É preciso ter muita coragem, discernimento, ousadia e, principalmente, estar em desespero, para meter a mão na cumbuca da transferência da estatalzinha chamada Semasa para o patrimônio do governo do Estado em combinação com investidores privados nacionais e internacionais, como é o caso da Sabesp. 

O noticiário dos veículos de comunicação convencionais da região não dá a ideia do que se passa nas redes sociais. O jornalismo profissional está atrasado também nessa nova batalha do prefeito Paulinho Serra. A cobertura até agora é superficial, quase inócua. Não tem personalidade. 

Aliás, geralmente os insumos jornalísticos da região não têm personalidade. Deixa-se para terceiros, os interessados ou contra-interessados, o tom dos debates. Ou, como é o caso do monotrilho que virou metrô, o jogo é deliberadamente unilateral. 

Com isso, os protagonistas de informações e contrainformações não são lá de confiança. As redes sociais praticam um contraditório prevalecentemente mais negativo que positivo. As posições antagônicas são monolíticas. Desprezam-se argumentos esclarecedores e menos tóxicos.

Cadê o profissionalismo? 

Há especuladores para todos os gostos nas redes sociais. Parcelas consideráveis de usuários confundem e colocam sob suspeita os voluntários decididos a esclarecimentos. 

O embaralhamento das redes sociais, fruto de jornalismo voluntário, mais confunde do que esclarece. 

A intermediação do jornalismo profissional é indispensável, mas quem disse que há jornalismo profissional disposto a dissipar a nebulosidade do Semasa?  

Tem-se, portanto, contexto de histrionismo, radicalismo, ideologismo, partidarismo e tudo o mais. É um forrobodó interpretativo e opinativo típico do jornalismo profissional de militantes partidários que infesta não só as redes sociais, mas também os veículos tradicionais e os sites de maior audiência. 

Os mesmos veículos tradicionais que denunciam fake news e que movem guerra subjetiva ou mesmo ostensiva contra os chamados amadores das mídias sociais, em várias situações atuam igualmente de modo parcial e interesseiro.

Vou produzir o que chamaria de um voo panorâmico sobre o que se passa no Semasa porque para um voo rasante ainda faltam dados técnicos diversos. 

Idólatras do atraso

Em tese, estou com o prefeito Paulinho Serra e não abro. Como estive frontalmente contra o tucano na crise do aumento abusivo e insensível do IPTU, em janeiro do ano passado. Produzi à ocasião mais de quatro dezenas de análises sobre aquela barbeiragem. Tivemos uma crise que o Diário do Grande ABC subestimou e outros jornais híbridos, de circulação de papel e digital, vacilaram ao subestimar a revolta finalmente encerrada com o recuo do Executivo. 

Acho até que o prefeito de Santo André pode redimir-se daquele tropeço ao acabar com a farra histórica da água e do esgoto do Semasa. 

Essa estatalzinha estaria neste momento em fase de santificação pelos idólatras do patrimonialismo inútil e custoso. Esquecem-se os defensores do Semasa que ali a água e o esgoto de Santo André também ganharam forma metafórica.

O Semasa se converteu, em várias administrações em Departamento de Operações Estruturadas típicas de empreiteira colhida na Operação Lava Jato. 

Cuidado com federais

Se abrirem para valer a caixa-preta da dívida do Semasa (porque é isso que pretende um grupo de vereadores em oposição a outro que só quer filtrar os dados durante o período de dois anos de mandato de Paulinho Serra), vai ser preciso chamar os federais. O Semasa é o crime da mala com períodos, raros períodos, de profissionalismo e distanciamento dos operadores públicos vinculados a máfias privadas do mercado imobiliário, por exemplo. 

Não me esqueço de uma conversa com o então comandante da autarquia, engenheiro Nei Sebastião Vaz, sobre o que chamaria de extremo de tolerância à vagabundagem geral que aquela estatalzinha permitiu e incentivou durante o período recente de boom do mercado imobiliário. 

O Semasa, a quem foi atribuído o poder extra de liberar a construção de torres de apartamentos, possibilitou abusos sobrepostos que soterraram a legislação e colocaram na marca do pênalti a qualidade de vida de Santo André. Basta dar uma espiada no enforcamento compulsório da logística urbana. 

Rios e córregos foram açodadamente invadidos por prédios que, por outro lado, infestaram as ruas e as avenidas de veículos. 

Um dos exemplos emblemáticos (e são muitos) é o terreno da antiga Casa Publicadora Brasileira, ao lado do Shopping ABC. Ali se construíram torres e torres irregulares. Denunciei ao Ministério Público e o caso foi abafado. Dezenas de outras situações semelhantes antecederam ou precederam aquela pouca-vergonha de permissividade legislativa. Barões do mercado imobiliário fizeram fortuna. Um córrego foi afrontado. 

Escândalo maior 

O escândalo do Semasa, ainda recentemente denunciado e que consistia em facilidades extracampo a empresários do setor imobiliário, contou com grande final inesquecível: os bandidos imobiliários foram salvos da denúncia do Ministério Público de Santo André. Apenas servidores públicos e assessores contratados exatamente para articular a malandragem foram levados ao juízo criminal. 

A estupefação provocada pela decisão do MP pode ser esquadrinhada numa simples comparação: alguém imagina a Operação Lava Jato punindo apenas servidores públicos, enquanto empreiteiros e políticos nadariam de braçadas na impunidade? 

Interessante que esses lamaçais do Semasa são pouco lembrados nas redes sociais. Prefere-se atacar a origem do buraco financeiro, na primeira gestão de um inexperiente Celso Daniel. O petista era controlado por socialistas de meia pataca. Gente que até hoje insiste em achar que a solução dos problemas de desenvolvimento econômico do País deve ser exclusividade do braço armado do Estado em suas várias dimensões. O mesmo Estado que não dá conta das penúrias sociais na Saúde, na Educação, no Transporte e na Segurança. 

Cadê o dinheiro? 

O prefeito Paulinho Serra poderia ser mais transparente e didático na empreitada em que se meteu e da qual não deve mesmo arredar pé. O Semasa é algo a ser desconsiderado como patrimônio de Santo André entre outras razões porque o resumo da ópera da ineficiência é a perda de 42% do produto nos vazamentos de uma rede mais que envelhecida. O nível médio nacional de comprometimento é de 30%. O que também é uma barbaridade. 

Que tipo de transparência sugeriria? Ora, a primeira e principal é saber o que foi feito com o dinheiro que desde o prefeito Celso Daniel deixou de ser pago à Sabesp, porque o petista não concordara com os valores do metro cúbico. Cadê esse dinheiro? eis uma pergunta elementar. 

Desapareceu, provavelmente. Desapareceu como? O mínimo que se poderia esperar de um devedor condicionado (e que perdeu todas as causas na Justiça, daí decorrente uma dívida imensa de mais de R$ 3 bilhões, parte da qual já transformada em precatório) é acerto de contas futuro. 

Como se sabe, passaram-se muitos prefeitos pelo Paço Municipal desde aquela suspensão parcial de pagamentos e nenhum teve a sensatez de pegar o touro do Semasa a unha e resolver a situação. 

Sempre se postergou a solução do caso. Atirou-se o abacaxi da dívida e da esperada reserva para prestação de contas no calabouço impenetrável de mandonismos e arbitrariedades. Um dia a bomba iria explodir. 

Chegou a hora 

Os precatórios chegaram, chegarão mais ainda e a inviabilidade orçamentária de Santo André para dar conta de demandas sociais básicas na área de infraestrutura material custará muito, muito mais mesmo, que eventuais estilhaços circunstanciais que vão atazanar a Administração Municipal durante o período de desapego ao Semasa. 

Estilhaços que desapareceriam na fluidez de atendimento profissional da Sabesp. Talvez seja por isso que a oposição grite tanto. Se gritar por transparência total nas negociações e na inexorável gestão da Sabesp, minha voz rouca também se ouvirá. 

Nesse ponto, quando chegar a esse estágio, acho que oportunistas sempre de plantão não estarão dispostos a colaborar como eventual porção de cidadania. Embora concorde plenamente com a premissa de que o povo não quer saber a cor do gato do abastecimento de água e de esgoto desde que cace o rato do suprimento regular e sem contratempos, como hoje, não se pode abrir mão de cuidados extremos com a responsabilidade social implícita nas negociações. Que os oposicionistas que enxergam Santo André em primeiro lugar tratem de se mobilizar nesse sentido; mas nada de esperneio pelo esperneio. 



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