Sem lastro de representatividade eleitoral, sem lenço de perspectiva baseada em retrospectiva, sem documento consolidado por qualquer preocupação a não ser com o próprio umbigo municipalista de varejismo proeminente, a nova turma de prefeitos eleita no Grande ABC com apenas 38,40% dos votos gerais não oferece prospecções minimamente saudáveis para que alguém afirme com alguma segurança que finalmente teremos novos tempos de regionalidade.
É melhor os otimistas botarem o pé no freio do entusiasmo. Que se acautelem porque nos próximos quatro anos da terceira década deste século haverá tanta sobreposição de passivos econômicos e sociais acumulados nos últimos 20 anos que a dinâmica de suposta reação seria de baixo impacto ante as demandas.
Pior que a constatação mais que exaustivamente documentada nesta revista digital de que o Grande ABC deste século se tornou um mar revolto de inquietações é o passado das últimos duas décadas do século passado. Estamos correndo rumo ao desfiladeiro de meio século de perdas cumulativas. Viramos uma Rio Grande da Serra do PIB Geral do Brasil.
Mascaramento cínico
Tudo isso mascarado pelos ufanistas cínicos que avocam à região algo como o quarto potencial de riqueza do País. Uma aberração porque considera o Grande ABC uma soma de sete cidades (o que é verdadeiro) e despreza todas as demais somas de municípios sistemicamente ligados (o que é uma burrice de oportunismo).
O triunfalismo das manchetes de uma mídia regional cada vez mais submissa às circunstâncias econômicas que dilacera a independência que também se esvai na Grande Mídia agrava a situação porque procura subestimar os estragos e glorifica alguns respiros de recuperação temporária.
Resumo da ópera? A nova turma de prefeitos do Grande ABC, que poderá contar com até cinco novos titulares, porque José Auricchio está no bico do corvo de legitimidade judicial em São Caetano, não oferece mesmo um sopro de esperança de novos tempos. Quem o faz no sentido populista de sempre ultrapassa todas as barreiras de sensibilidade social e se entrega à irresponsabilidade.
Quatro anos perdidos
Pode até melhorar aqui e ali o jogo da regionalidade, mas isso não seria uma notícia satisfatória. O que temos nos últimos quatro anos foi a conjunção de tudo que é desprezível quanto está no horizonte o futuro da região do Estado de São Paulo que mais duramente foi abatida neste século. Somos uma embarcação à deriva, mas os sete remadores que se sucedem movimentam os instrumentos de forma errática e personalista.
Nenhum dos prefeitos que vai assumir os paços municipais em janeiro carregará na algibeira da legitimidade alcançada nas urnas os apetrechos de representatividade social. O principal dos quais, como se sabe, é a densidade eleitoral. Nenhum deles alcançou 50% dos votos disponíveis.
Quem mais chegou perto foi Paulinho Serra, em Santo André, onde 30% dos eleitores não compareceram às urnas. Não fosse o que se constatou como um batalhão de abandonados, ou seja, os adversários constatadamente mambembes que supostamente seriam coletivamente de peso, Paulinho Serra teria rebaixado ainda mais o universo de eleitores que o reelegeram. Os votos válidos são uma enganação quando se vai a fundo para debater a força de uma candidatura. Explicaremos isso mais adiante.
Escândalo lubrifica votos?
Ainda sobre a vitória de Paulinho Serra é preciso relativizar as forças concorrentes. O tucano foi reeleito num contexto que beneficiou os titulares de plantão nos paços municipais do Brasil como um todo. Mais, mais importante, é o desequilíbrio econômico das eleições. Os esfarrapados que se travestiram de oponentes sofreram com o padrão natural de enfrentamento do prefeito de plantão. Entretanto, resta saber até que ponto os escândalos com dinheiros da saúde pública gerida da pela Fundação do ABC não influenciaram o resultado.
Como se sabe, a Central de Convênios (e de Negócios Escusos) da Fundação do ABC finalmente caiu nas garras da Justiça. O comandante (ou preposto da Administração de Paulinho Serra) da Central está enroladíssimo com a Justiça depois de tantos desvios em conluio com uma rede de corporações criminosas.
O dirigente foi colocado na Fundação do ABC pelo grupo do prefeito Paulinho Serra. A mídia regional abafa o caso, quando não o coloca em patamar de intrigas internas daquela instituição que administra por ano quase R$ 3 bilhões de recursos do SUS (Sistema Único de Saúde).
Conceitos diferentes
Voltando às eleições, existe uma diferença colossal entre os chamados votos válidos e os votos disponíveis. A mídia e as forças de interesse em manipular conceitos fazem um jogo de esconde-esconde para colocar o que consideram democracia eleitoral no altar do endeusamento. Longe portanto os pecados e vícios que raquitizam o conceito.
As manchetes que estamparam números espetaculares de suposta consagração de prefeitos na região (especialmente Paulinho Serra) são fakes news disfarçadas de informações. Os votos disponíveis desmascaram aquelas premissas.
Dos mais de dois milhões de votos disponíveis no Grande ABC (exatamente 2.093.026), os vencedores das disputas no primeiro turno somaram apenas 41,56%. Com os resultados no segundo turno em Mauá e em Diadema, a média geral caiu para 38,40%. Ou seja: mais de 60% dos eleitores do Grande ABC não votaram nos prefeitos eleitos.
Votos disponíveis são os colégios eleitorais dos sete municípios. Quanto mais abstenções, votos nulos, votos em branco e votos dos adversários da disputa, menos o prefeito eleito contabiliza como representatividade social.
Paulinho Serra com 46,87%
É importante lembrar, entretanto, que representatividade social e competência administrativa nem sempre trafegam na mesma direção. Está aí o prefeito Paulinho Serra para confirmar a tese. O tucano é um administrador medíocre que usa de artifícios e apoio da mídia incauta ou subserviente para vender ilusões. Os quatro primeiros anos do mandato são um monumento à irrelevância.
Dos 568.760 mil votos disponíveis em Santo André no primeiro turno, Paulinho Serra somou 266.591. Isso significa 46,87% do eleitorado total. Quase 53% dos eleitores de Santo André não votaram no prefeito reeleito. Nada menos que 28,88% dos eleitores habilitados em Santo André não compareceram às urnas. Outros 4,61% votaram em branco e 9,66% anularam o voto.
Ganhar uma eleição é um mérito que não pode ser negado, pouco interessa se o caso envolve um prefeito medíocre. Ganhar eleição com relativização do resultado é uma obrigação de analista. Portanto, quando aparecer em qualquer mensagem a ideia de que Paulinho Serra obteve mais de 76% dos votos (válidos), o contraponto dos votos verdadeiros (menos de 50%) precisa ser apontado.
Morando com pouco menos
Em São Bernardo, Orlando Morando ficou com 42,90% dos votos disponíveis – 261.761 dos 620.181 eleitores. Houve 26,62% de abstenções, 4,62% de votos em branco e 9,88% de votos nulos. Orlando Morando contou com votos disponíveis levemente abaixo de Paulinho Serra. Nada mais natural. Além de tudo que cerca a desconfiança na classe política, teve como concorrente de peso, o ex-prefeito de dois mandatos, o petista Luiz Marinho. Paulinho Serra concorreu com ex-vereadores e um novato que carrega o sobrenome Daniel sem ter identidade prática com o Daniel assassinado.
Fracasso na vitória sub judice maior que José Auricchio Júnior em São Caetano é impossível localizar na região. O também tucano obteve apenas 42.842 votos de um colégio eleitoral de 142.528 aptos. Ou seja: apenas redondos 30% do eleitorado de São Caetano votaram no prefeito que completará em dezembro o terceiro mandato. As manchetes de jornais que viraram assessoria de imprensa do prefeito indicam que Auricchio é uma sumidade administrativa. Sem contar que ignoram completamente os índices escandalosos de mortes pela pandemia do Coronavírus e o desabamento da economia local sem que ao longo do século uma única ação efetiva tenha sido tomada.
PT mexe no jogo
Os dois novatos eleitos em primeiro turno compulsório no Grande ABC em 15 de novembro tiveram menos votos disponíveis que José Auricchio. Opositores, Clovis Volpi voltará a ocupar a Prefeitura de Ribeirão Pires, substituindo o titular de um mandato Kiko Teixeira. E Claudinho da Geladeira derrotou o grupo do prefeito Gabriel Maranhão em Rio Grande da Serra. Maranhão cumpriu o segundo mandato. Imaginou que o posto de titular do Clube dos Prefeitos seria ferramenta para fortalecer o candidato da situação. Deu-se mal. Deve ter constatado, agora, que o Clube dos Prefeitos é uma fantasia que custa caro ao futuro da região.
Clovis Volpi obteve apenas 28,63% dos votos disponíveis em Ribeirão Pires. Foram 25.905 dos 90.483 mil. As abstenções somaram 24,83%, os votos em branco 6,13% e os votos nulos 10,92%. Os demais votos ficaram com os concorrentes. Claudinho da Geladeira obteve 8.656 votos de um total disponível de 35.386 em Rio Grande da Serra – 24,46% dos votos disponíveis. Foram 22,33% os eleitores que não compareceram às urnas. Outros 4,09% votaram em branco e 7,33% anularam o voto.
Os resultados do segundo turno podem sugerir um sopro de esperança de correção de rota da marginalização imposta aos conceitos de regionalidade, cujo nascedouro na Santo André de Celso Daniel inspirou alguns seguidores locais.
O retorno do agora tetraprefeito José de Filippi Júnior à Prefeitura de Diadema e a eleição do vereador Marcelo de Oliveira em Mauá ressuscitam o PT no Grande ABC. Foram vitórias com margens escassas, mas redentoras. Ganhar duas prefeituras depois da dieta rigorosa de quatro anos antes, quando o PT foi varrido do mapa regional, é um alento do partido e, goste-se ou não, uma lufada de antagonismo político, partidário e administrativo numa região amorfa e recheada de conveniências improdutivas.
Em Diadema, José de Filippi Júnior ficou com 106.849 votos num segundo turno em que estavam disponíveis 329.170 votos. Ou seja: apenas um terço, ou precisamente 32,46% dos eleitores, votou no novo prefeito. Em Mauá, a representatividade do vitorioso Marcelo de Oliveira é ainda menor, com 29,84% dos votos disponíveis – 91.459 de um total oficial de 306.518 votos.
Quando se somam os votos dos vitoriosos no Grande ABC no primeiro e no segundo turno, 803.673 eleitores, e se compara com o colégio eleitoral disponível, de 2.093,026, chega-se à taxa de aproveitamento de 38,40%.
Escondendo a realidade
Esse resultado geral que reflete com nuances os dados individuais por município não difere fortemente da média nacional. Mas a questão não é essa. A questão é que a mídia em geral e os políticos em particular (o que significa que há um cambalacho semântico entre os envolvidos) ignora completamente o fator “voto disponível” na equação final dos resultados. Proclamam a democracia de imperfeições profundas num País de cambalachos como o suprassumo da representação político-social.
Prevalece o festejo acrítico dos votos válidos, que, em suma, é o resto do resto do colégio eleitoral. Esterilizam-se macro dados eleitorais em favor de um dado específico. Joga-se com um falso sucesso democrático.
Uma sociedade em que o voto é obrigatório não está satisfeita com o modelo supostamente democrático que a usa como bucha de canhão quando se constata no caso do Grande ABC que quase 62 em cada 100 eleitores rejeitaram os prefeitos eleitos. E assim se deu no Brasil como um todo. Inclusive na Capital do vencedor Bruno Covas.
É claro que é preciso retirar o lacre da caixa de explicações tendo a pandemia do vírus chinês com um dos fatores que debilitaram o processo eleitoral desta temporada. Mas, igualmente, não se pode colocar o amedrontamento da população à exposição num período em que a pandemia decidiu retomar força como argumento monolítico à montanha de abstenções. Grandes parcelas dos eleitores nem ficou em casa nem foi às urnas. Preferiu agendas de entretenimento no Litoral e no Interior.
Agravou-se um quadro que vem do passado. E que alguns espertíssimos políticos de águas curvas pretendem fazer crer que a situação é diferente. São mandachuvas patéticos que contam com a maquinaria de uma imprensa comprometida para vender gato por lebre de regeneração da política.
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