Administração Pública

São Caetano gasta mais com
saúde e publicidade na região

DANIEL LIMA - 11/12/2020

Que prefeito gasta mais com saúde e que prefeito gasta mais com publicidade no Grande ABC? Aparentemente são polos opostos, de preocupação social e de desperdício orçamentário. Fiquei intrigado com duas matérias do Diário do Grande ABC de ontem que tratam, distintamente, do assunto. Distintamente no caso quer dizer que numa página tratou-se de saúde e em outra de publicidade. Mais que isso: utilizou o jornal métricas diferentes e contraditórias.  

Não garanto que vou botar ordem na casa da informação e da análise, porque aquelas reportagens não reúnem todas as informações que desejaria, mas acho que o assunto é relevante a todos os contribuintes.  

Pelas minhas contas, o prefeito José Auricchio Júnior é o campeão em despesas com saúde. Que também podem ser avaliadas como investimentos. Depende do posto de vista e da forma com que os recursos são consumidos. Algo que também não consta da reportagem. Os números tanto de uma quanto de outra reportagens são brutos e epidérmicos. Não ingressam nas vísceras explicativas.  

Para que não paire dúvida alguma sobre a ética e a moralidade do uso de dinheiro público na divulgação de informações em forma de publicidade, sou plenamente favorável a investimentos de recursos na mídia. O senão é que o mínimo que se requere é transparência permanente.  

Convenhamos que esse não é um predicado dos gestores públicos e tampouco há interesse da mídia em tornar os dados permeáveis à compreensão dos leitores. Em linhas gerais, há um grau de excessiva permissividade envolvendo veículos de comunicação e agentes públicos. Trato disso de forma mais intestina mais abaixo.  

Se alguém tem alguma dúvida sobre isso (e creio que não exista exemplar algum tão cegamente insensível), basta ver o que se passa na própria região e mais escancaradamente em âmbito nacional, com o Consórcio de Grandes Veículos criado para combater o governo do trapalhão Jair Bolsonaro e também, reconhecidamente, porque escasseia o dinheiro público federal tão fartamente distribuído pelos antecessores.  

São Caetano e a saúde  

Mas, voltemos às reportagens do Diário do Grande ABC. A primeira das quais dá conta de que São Caetano lidera na região os gastos com a Fundação do ABC. Diz o texto: 

 “São Caetano é o Município que mais transfere recursos para a entidade regional no quesito per capita. Com 161.957 habitantes, São Caetano repassou neste ano R$ 238,9 milhões. Significa que R$ 1.753,00 por morador foram pagos para a Fuabc. O número é quase o dobro registrado pela segunda colocada da lista. São Bernardo depositou R$ 776,9 milhões para a Fundação neste ano, de acordo com o Portal de Transparência. Com 884.483 munícipes, a cidade registrou R$ 920,08 per capita para manter e honrar com o contrato de gestão firmado com a instituição. Em Santo André, terceiro município mantenedor da Fuabc e onde a Fundação está fisicamente instalada, o custo per capita do contrato da Fuabc é de R$ 543,51. Neste ano a administração andreense transferiu R$ 392 milhões e a população da cidade é de R$ 721.368 mil habitantes – escreveu o Diário do Grande ABC. 

Reparos necessários  

Em tese, não haveria dúvida de que São Caetano é quem mais gasta (ou investe) na saúde de seus moradores. O dispêndio por habitante é claro nesse sentido. Resta saber, entretanto, se o conjunto de valores apresentados é a soma de tudo que efetivamente garante o sistema de saúde de cada um dos três municípios.  

Haveria no orçamento dos três municípios outros valores relativos à área de saúde? Se houver, o encaixe por habitante começa a fazer água porque os valores monetários mencionados poderiam contemplar diferentes universos de atendimento. 

Não seria surpresa se São Caetano estiver mesmo na ponta em investimentos na qualidade de vida da população, embora os valores monetários não assegurem eficiência do sistema. Só os idosos, com 60 anos ou mais, representam um quarto da população, contra um sexto de Santo André e de São Bernardo.  

Publicidade diferente  

Agora vamos às despesas com publicidade dos três principais prefeitos do Grande ABC. A reportagem do Diário do Grande ABC destaca em título: “S. Bernardo é a cidade que mais gasta com publicidade oficial”.  

Não é bem assim, convém ressaltar. Para ser mais preciso: não é nada disso. Pelo menos se for considerado o fator per capita utilizado na abordagem da reportagem sobre os gastos com saúde. Dois pesos e duas medidas em face e contraface da mesma página da mesma edição do mesmo jornal são um choque aos leitores. Em dias diferentes poderiam passar em branco.  

Vamos então aos principais trechos da reportagem do Diário do Grande ABC sobre o assunto: 

 Das prefeituras do Grande ABC que têm contratos com agências de publicidade, São Bernardo foi a que mais gastou recursos para promover sua gestão. Conforme dados dos portais de transparência dos municípios de Santo André, de São Bernardo e de São Caetano – as que contam com acordos vigentes – o governo de Orlando Morando (PSDB) despendeu R$ 10,7 milhões com os dois convênios ativos. A média é de R$ 971 mil por mês. Em Santo André, a despesa com publicidade oficial foi de R$ 8,7 milhões no período. Em São Caetano, contabilizando a Prefeitura e as autarquias Saesa (Sistema de Água, Esgoto e Saneamento Ambiental) e USCS (Universidade Municipal de São Caetano), o valor foi de R$ 7,6 milhões. (...) Em 2020, o Diário recebeu 1,86% de todo o volume publicitário da Prefeitura de São Bernardo. (...). Ao longo de quatro anos de gestão de Orlando Morando, a administração tucana despendeu R$ 66,9 milhões em propaganda. Nos três primeiros anos, R$ 56, 2 milhões. A média anual é de R$ 16,7 milhões. – escreveu o Diário do Grande ABC.  

Ranking diferente  

A roda da informação do Diário do Grande ABC pega exatamente na exclusão do critério per capita quando se trata de gastos com publicidade, priorizados no dispêndio com saúde. Por conta disso, decidi fazer os cálculos que o jornal poderia ter feito sob esse critério. Vejam como ficou o ranking de despesas com publicidade: 

1. São Caetano gastou neste ano R$ 7,6 milhões. Divididos pela população já mencionada, o valor por habitante chega a R$ 46,93.  

2. Santo André gastou neste ano R$8,7 milhões. Divididos por 7,21 habitantes, o valor por habitante chega a R$ 12,06. 

3. São Bernardo gastou neste ano R$ 10,7 milhões. Divididos por 844.483, o valor por habitante chega a R$ 12,67.   

Observa-se, portanto, como ponto principal entre a saúde e a publicidade, que São Caetano lidera em ambas as competições. No caso da publicidade, o gasto por habitante é 3,7 vezes superior ao que o prefeito Paulinho Serra aplica em Santo André e 3,5 vezes quando o confronto é com Orlando Morando.  

Vínculo orçamentário  

Talvez o critério per capita adotado pelo Diário do Grande ABC numa reportagem e ignorado em outra pudesse dar lugar a uma outra equação. Já imaginaram se o jornal e as demais mídias da região tivessem acesso permanente aos dados de gastos com publicidade das prefeituras? Mais que isso: que uma conta de cada Município pudesse ser feita? Que conta? Qual é o valor relativo dos gastos publicitários em relação ao orçamento de cada Município? 

Convenhamos que a proposta parece mais ajustada à realidade de cada endereço municipal. Quem gasta mais é uma proposição vulnerável no quesito por habitante, mas numa correlação direta com as receitas, poderia oferecer resultados diferentes e, portanto, possivelmente esclarecedores quanto ao naco de cada Prefeitura no balanço geral.  

A reportagem do Diário do Grande ABC também deixou um vácuo quanto aos demais municípios da região, os quais, segundo o texto, não teriam a formalização de contratos com agenciais oficiais. Afinal, como Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra estão no jogo de despesas com peças publicitárias?  

Recorrendo ao arquivo  

Esta não é a primeira nem será provavelmente a última análise que escrevo sobre os recursos do Estado para a mídia privada. “Quanto a mídia da região recebeu do governo do Estado em 10 anos” foi a manchetíssima que utilizei na edição de 10 de abril de 2013 (portanto há mais de sete anos). Vale a pena reproduzir alguns trechos com o adendo imprescindível de que os enunciados estão absolutamente dentro de tudo o que penso sobre as relações entre Poder Público e mídia em geral. 

 Quanto será que do bolo de R$ 2,24 bilhões que o governo do Estado, de forma direta e também na conta das estatais, despendeu em ações promocionais na Província do Grande ABC no acumulado de 10 anos encerrados em 2012? Eis uma pergunta que, se respondida com transparência, vai mostrar o tamanho das patas do elefante de condicionalidades editoriais que tornam a relação entre Imprensa e governo um jogo de cartas marcadas, marcadíssimas.    

 (...) Ainda outro dia o Estadão publicou uma matéria-denúncia (ou é possível ter algo diferente de um texto jornalístico que se origina da Lei de Acesso à Informação?) que quantifica o gigantismo de operações publicitárias dos tucanos tanto na administração direta quanto nas estatais. O repórter do Estadão fez o cálculo sobre o que seria possível construir com aqueles R$ 2,24 bilhões injetados na mídia e chegou à conclusão que daria para construir mais da metade da segunda fase da linha 5 do metrô, que vai ligar o Largo Treze à Chácara Klabin, ou custear o Instituto do Câncer por sete anos. Transportando os valores para a Província do Grande ABC, significariam dois anos de orçamento da Fundação do ABC, que administra mais de duas dezenas de unidades de saúde da região e da Baixada Santista. Nesse caso, porém, ante a opacidade de gerenciamento da Fundação do ABC, não se sabe se o dinheiro seria mais bem empenhado ou se teríamos semelhante desperdício.   

 Vou insistir na sugestão de que se abram os valores e os respectivos destinos do dinheiro público de publicidade do governo do Estado e também, por que não, do governo federal na Província do Grande ABC? Será que não existe uma única instituição sequer que se coloque adiante nessa luta pela transparência do relacionamento entre o poder público e a mídia regional, até mesmo para que se separe o joio do trigo? Se alguém tem dúvidas sobre a importância orçamentária desses recursos financeiros para a maioria dos veículos de comunicação da região que constam da lista do governo do Estado, posso antecipar um veredito: sem dinheiro público, do Estado, dos Municípios e da União, a crise que já é companheira ameaçadora teria alcançado a contundência de mortalha.    

 As graves interrogações que pairam sobre a Fundação do ABC, instituição sob o controle político, administrativo e multipartidário dos políticos de Santo André, São Bernardo e São Caetano, mais que provavelmente serão simplesmente ignoradas pela mídia regional, embora os questionamentos que constam desta revista digital sejam de conhecimento de seus representantes. Alguns movimentos que se fazem são no sentido exclusivo e oposto, de promover um rearranjo de relacionamentos multilaterais daquela instituição, dentro do pacote de publicidade geral das respectivas administrações públicas, de forma a blindá-la ainda mais contra eventual ofensiva por transparência.   

 Infelizes daqueles que imaginam haver na praça liberdade de imprensa e liberdade de expressão. Com a dinheirama toda que os governos injetam em forma de publicidade que na verdade não passa de, na maioria dos casos, imposição a linhas editoriais adocicadas, a sociedade como um todo permanecerá nas trevas da informação minimamente confiável. 



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