Política

Quando um vereador pode
botar o Executivo em xeque

DANIEL LIMA - 14/06/2021

O prefeito Paulinho Serra e o vereador tucano Jobert Minhoca estão em rota de colisão. O problema de relacionamento é muito, muuuuuuito maior, do que sugere o codinome exótico e o cargo do potencial opositor. Líder do prefeito no Legislativo, Minhoca representaria um elefante de inquietação na cristaleira eleitoral do prefeito --- ou mais precisamente da mulher do prefeito, já lançada a deputada estadual.  

Jobert Minhoca parece cansado de, visto como joia rara, ser tratado como apêndice. Ele teria descoberto que o colocaram num congelador político-eleitoral. Por isso está prestes a dar um grito de liberdade. Seria tarde? Seria efetivamente materializado?  

Congelador político-eleitoral é um sistema em que se mantém em estado de inação alguém que possa atrapalhar planos de quem manda. O poder de quem manda não admite concorrência ungida no próprio habitat. Jobert Minhoca é tão importante para o prefeito Paulinho Serra como ameaçador.  

Tradição comportamental  

Jobert Minhoca é um clássico nas relações entre Executivo e Legislativo no âmbito municipal que não difere quase nada do espaço estadual e nacional. Reeleito no ano passado com mais que o dobro dos votos de 2016, Jobert Minhoca foi levado ao time de Paulinho Serra depois de despontar como opositor incômodo, sobretudo nas redes sociais. Juntou-se a fome de conter um adversário que poderia ser controlado e a vontade de impedir que o adversário desse salto na vida pública.  

A prática comum dos prefeitos é essa mesma. Quem tem o poder pressupõe que tem a gestão dentro e fora de campo. Dentro do campo do Executivo e fora do campo, no Legislativo. Prefeitos procuram agradar vereadores mais dóceis com pacote de regalias e conquistar recalcitrantes com essas mesmas iguarias públicas, acrescidas de promessa de um plano de carreira.  

Ideologia é obstáculo  

Somente resiste aos encantos do Executivo quem não abre mão de certas posições. A barreira ideológica, nestes tempos de polaridade, ganhou maiores dimensões e inconciliações. Mas a larga maioria dos legisladores está no jogo como uma mercadoria exposta nas prateleiras eleitorais. Quem pagar melhores dividendos presentes e a termo, leva. 

Jobert Minhoca é antípoda de Paulinho Serra. Enquanto o prefeito de Santo André não tem histórico algum fora da política, na qual desde sempre se meteu, o vereador que foi craque de futebol de salão avançou fora das quadras com empreendedorismo esportivo. Encontraram-se na arena política porque Jobert Minhoca descobriu logo cedo que tinha talento também para as tribunas.  

Minhoca tem desempenho pessoal cativante. Paulinho Serra é um sonífero que supera Minhoca na estatura física. É um jogador de basquetebol diante de um jóquei. Mas as aparências enganam. A linguagem de Jobert Minhoca é típica de empreendedor agora político. Paulinho Serra carrega a velharia dos políticos tradicionais.  A personalidade inquieta de Minhoca o torna menos suscetível a cavalos de pau de relacionamentos pré-definidos. Paulinho Serra faz o jogo de grupo com condescendência.   

Os olheiros são essenciais à descoberta de talentos jovens no futebol, na política são raposas velhas que identificam logo quem pode ser neutralizado ou privilegiado até determinado ponto de acordo com os interesses presentes e futuros em jogo.  

Domadores de carreiras  

Jobert Minhoca foi capturado pela equipe de Paulinho Serra. Uma equipe que vai muito além do Paço Municipal. E da tradição de gabinete paralelo de Paços Municipais que se repetem em outros gabinetes estaduais e federais. A CPI da Pandemia trata de gabinete paralelo com pecado capital recente.  É muito cinismo, que só cola nos incautos.  

Outros gabinetes paralelos de Paulinho Serra estão a poucos e a alguns quilômetros do Paço Municipal. Aliás, o principal está à vista do Paço Municipal. Provavelmente é o de maior peso. Ali se desenham configurações de amanhã. E os sucessos e arrependimentos de ontem, impressos ou não impressos.  

Jobert Minhoca tem plano de voo não necessariamente atrelado ao Paço Municipal. Parece ter descoberto que a multiplicação de votos incomoda quem não o tem como integrante de projeto de 16 anos no poder municipal, caso de Paulinho Serra e sua turma. Jobert Minhoca olha para o futuro próximo e se coloca candidato a deputado estadual. E, em seguida, a prefeito. A mediocridade em Santo André o embala. Talvez até tope candidatar-se a deputado federal. Depende das circunstâncias.  

Mulher do prefeito  

A candidatura a deputado estadual causaria danos imensos na fuselagem desejada por Paulinho Serra. Carolina Serra, mulher do prefeito, primeira-dama que, como toda primeira-dama, faz solidariedade com dinheiro público, perderia um parceiro eleitoral e ganharia um concorrente.  

Jobert Minhoca candidato a deputado federal e Carolina Serra a estadual, entre várias dobradinhas possíveis tendo-os como estuários providenciais, fortaleceria supostamente a ambos. Mas Minhoca não estaria disposto a fazer uma tabelinha da qual, no fundo, desconfia de que entre com aquela parte que não está disposto a ceder. Que parte? Aquela parte. Pense naquela parte.  

Saí de uma clausura obrigatória para um bate-papo pessoal com Jobert Minhoca na última sexta-feira. O restaurante em que nos encontramos fica a menos de 600 metros de minha casa, em São Bernardo. Fui levado de carro porque ainda não suporto passos físicos sem que dores atazanem o trapézio, região formada por tórax, ombros, pescoço e cabeça. O projétil do assassinato frustrado ainda me incomoda. Vamos nos submeter a cirurgia logo-logo.  

Segurando o sucesso  

Saí com a curiosidade de conhecer esse tal de Minhoca de que tanto me falam. A Internet é ótima para muitas coisas, mas o contato pessoal é indispensável a avalição menos mutável.   

Sai do encontro com a impressão que exponho neste texto. Minhoca não é palatável aos domadores do circo político-eleitoral de plantão. Domadores de plantão são figuras da política que pretendem dominar a todos. De políticos a empresários. Além de jornalistas, claro. Há uma rebeldia contida em Jobert Minhoca. Os mandachuvas e mandachuvinhas detestam qualquer tipo de rebeldia. O cabresto não pode falhar porque pode botar tudo a perder.  

Líder do governo Paulinho Serra na Câmara Municipal, Jobert Minhoca deverá deixar o posto porque suas percepções indicam que pode estar caindo numa armadilha. Talvez tenha descoberto que já caiu. O governo de Paulinho Serra o tem como um aliado apenas suportável. Tanto que o esteriliza no que é possível.  

Jobert Minhoca foi contido nas últimas eleições. Poderia ter muito mais que os pouco mais de dois mil votos amealhados. Criaram-se fogos amigos que canibalizaram seu eleitorado. Era importante à estratégia da cúpula do Paço Municipal e aos gabinetes paralelos que Jobert Minhoca não estourasse nas urnas. Como a vitória era considerada certa, minimizar o volume de votos se tornou essencial.   

Sonho de prefeito 

A meta de virar prefeito de Santo André é ousada, mas seria mais uma etapa que esse jovem que ainda vai completar 40 anos alcançaria. De craque de futebol de salão a empreendedor de sucesso foram apenas alguns anos. Jobert Minhoca organiza o futuro com armas poderosas também no campo tecnológico. Conta com programa exclusivo de monitoramento do eleitorado já conquistado e a conquistar. Mas não abre mão de encontros pessoais. 

O carisma faz de Jobert Minhoca agente político natural. Conversa com um estranho como se o conhecesse de longa data. Não faz caras e bocas. A autenticidade se junta à simplicidade.   

Muitos vereadores com características semelhantes à de Jobert Minhoca já foram incensados e morreram na praia do isolamento ou de desencanto. Principalmente quando se opuseram aos donos dos poderes públicos. A máquina de triturar reputações sempre é acionada em casos de desobediências ao receituário dos comandantes da tropa. Jobert Minhoca reconhece o terreno em que está pisando. De líder do governo municipal à pária, a distância é mínima.  Basta que vire a chave de ignição em direção oposta.  

Rompendo estereotipo  

O caso de Jobert Minhoca em Santo André, portanto, é uma réplica com algumas especificidades do que temos nos legislativos do País. A diferença que se poderá estabelecer é que o jovem de pernas arcadas que deixava os atacantes na cara do gol nas partidas de futsal não constitui mesmice padronizada e, portanto, previsível.  

Jobert Minhoca está aparelhado muito além de ferramentais pessoais que o identificam como um político com perspectiva para alcançar novas conquistas. Jobert Minhoca sugere que é possível quebrar o monopólio de máquinas partidárias com o uso da tecnologia associada a conteúdo programático e magnetismo pessoal.  

O eletrizante Jobert Minhoca está impactando os planos de Paulinho Serra. A amarração que levou o vereador a aliado parece esgotada, porque unilateral em vantagens. Minhoca é mesmo um elefante de complicações para o prefeito e a mulher do prefeito. Resta saber até que ponto a corda esticada poderá mesmo se romper ou se haverá afrouxamento ditado por reciprocidades tão comuns na vida pública.  

Certo mesmo é que Jobert Minhoca mexeu no tabuleiro da baiana de previsibilidades confortáveis dos grupos que dão sustentação ao prefeito Paulinho Serra. Parece pouco diante da grandiosidade municipal do sistema de suporte do prefeito. Mas quem garante que não seja espaço que remeta à fragilidade da Linha Maginot da Segunda Guerra, quando se tem um horizonte de possibilidades?  

Não é improvável que o prefeito Paulinho Serra decida recuar e remanejar o sistema de tratamento ao vereador. A mulher do prefeito talvez não goste de ganhar um concorrente estadual cuja atuação vai muito além do repasse privilegiado de doações e programas assistenciais. Jobert Minhoca sempre correu na raia de produção e produtividade própria. 



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