Política

Frente regional pode apoiar
Morando para vice-governador

DANIEL LIMA - 19/01/2022

Há movimento ainda embrionário que cresce na medida em que o ainda tímido calendário eleitoral avança. Tudo se encaminha a uma empreitada que colocaria o Grande ABC como foco principal, acima de conflitos internos e externos.   

Trata-se do seguinte: prefeitos alinhados ao Palácio dos Bandeirantes estariam decididos a cerrar fileiras em apoio ao titular do Paço Municipal de São Bernardo.  

Orlando Morando, cotadíssimo ao cargo de vice-governador na chapa com o hoje vice-governador Rodrigo Garcia, teria o aval regional, por assim dizer.  

Traduzindo tudo isso em termos práticos: somente os prefeitos petistas de Diadema e de Mauá não estariam com Orlando Morando.  

O PT deverá ter candidato próprio, provavelmente Fernando Haddad, ou abriria brecha à conciliação de âmbito nacional que reforçaria a candidatura de Lula da Silva à presidência. Marcio França iria para o embate em São Paulo.  

Oportunidade histórica  

Para quem não acompanha a política regional possivelmente o desenho lógico de suporte à candidatura de Orlando Morando pelos demais titulares de paços municipais seria uma notícia descartável de tão evidente. Afinal, essa é a maior oportunidade que se apresenta na história da região para se ter um representante verdadeiramente local no Palácio dos Bandeirantes. 

Não venham com a história de que já ocupamos a presidência da República com Lula da Silva. Até as ferramentas da Volkswagen sabem que Lula da Silva é um produto nacional, de baixa frequência político-partidária regional. Nem vereador se elegeu em São Bernardo ou em qualquer Município. 

Lula é um fenômeno corporativo-político diferente de tudo que se projeta tendo Orlando Morando como eventual ocupante do Palácio no Morumbi.  

Relações complexas  

A obviedade do apoio regional a olhos mal-informados se perde na areia movediça de relacionamentos complexos, principalmente envolvendo o prefeito de São Bernardo e o prefeito de Santo André, Paulinho Serra.  

Entretanto, tudo parece superado. Haveria conselheiros em ação para aproximar os dois tucanos, reatando-se com as devidas reservas as relações de irmandade que mantiveram até outro dia.  

Houve recentemente uma possibilidade de interditar de vez as relações entre Morando e Paulinho. Ensaiou-se um foguete especulativo que colocaria o prefeito de Santo André na linha de tiro de ser chamado a disputar o governo do Estado pelo PSD do ex-ministro petista e ex-prefeito da Capital, Gilberto Kassab. 

Ocorre que a leitura do que Kassab disse numa entrevista ao Diário do Grande ABC foi levada ao pé da letra semântico e isso desencadeou rebuliço nada saudável às tentativas de organizar uma frente regional de apoio a Orlando Morando. 

Sinuosidade e muito mais  

Gilberto Kassab domina a arte cênica e cínica da política. O mais improvável é reproduzir com clareza o enunciado Kassabiano verbalizado.  

Gilberto Kassab diz nas entrelinhas, com a sinuosidade de ourives político uma determinada frase aparentemente tão pura quanto água de riacho. O melhor mesmo é ligar o botão da desconfiança. Pode não ser exatamente o que Kassab quis dizer.   

Kassab é um múltiplo artista circense na capacidade de dizer o que muitos têm certeza de que está dizendo, mas nem sempre diz o que os interlocutores acreditam ouvir. É um equilibrista que deleita a plateia também como mágico, arremessador de facas e estripulias de palhaço, no sentido positivo da profissão.  

O riso provocado por Kassab é sempre mais fino. Kassab é cuidadoso até mesmo nos momentos de desconcentração. Pegá-lo no contrapé na valsa de cuidados é raridade. 

Mais concorrentes  

A multiplicidade de variáveis embutida em determinadas declarações de Gilberto Kassab levou muita gente a interpretar com dose de razão que Paulinho Serra poderia ser o candidato ao Palácio dos Bandeirantes com o distintivo do PSD e mais uma turma enorme de aliados. Tudo contra os candidatos oficiais do governador João Doria.   

Poucos notaram ou fingiram não notar, ou também não notaram porque se embeveceram com as frases de Kassab, que havia nas entrelinhas e mesmo nas linhas práticas mais um grupo de possíveis concorrentes ao governo do Estado pelo PSD, além de Paulinho Serra.   

Como curtimos aquilo que nossa mente escraviza, aos olhos e ouvidos de muita gente só se ouviu o nome de Paulinho Serra explicitado pelo chefe do PSD. Outras identidades ficaram na penumbra da discrição, quando não do esconde-esconde estratégico. Na política, cada um puxa a brasa de privilégios à respectiva sardinha. O esquisito é quando os próprios mágicos acreditam que fazem mágica, não truques.  

Jogando o jogo  

Gilberto Kassab atingiu o objetivo pretendido com a obliquidade da declaração. É certo que entre outras razões mandou um recado duplo aos contendores eleitorais: tanto pode atrapalhar um pouco a vida dos tucanos com uma candidatura divisionista como pode também, por força disso, dar uma mão interessante ao PT tanto à disputa estadual quanto à federal.  

Gilberto Kassab é um articulista experiente e suficientemente manipulador no bom e no mau sentido do termo a ponto de lançar bombas com a intenção precípua de buscar a paz, da mesma forma que pode fazer uma declaração que o colocaria em igualdade de condições pacifistas com o Papa, mas com uma infiltração deletéria discretíssima de convite à guerra.  

Passada a tempestade provocada por Gilberto Kassab, ou seja, a declaração interpretada como um voto de confiança e de apoio a Paulinho Serra para governador, tudo voltou ao estágio anterior.  

Primeira via 

Parece que o PSDB não sairá rachado ainda mais à disputa estadual e, portanto, não teria o governador João Doria um obstáculo sobressalente na tentativa de transformar-se em terceira via factível, já que nessa altura do campeonato estaria mais próximo da quarta ou da quinta -- e dos quintos.  

Esse bafafá interpretativo parece que agora está descansando em paz no leito da convergência dos direitistas, meio-direitistas e centristas que sabem ser o Estado de São Paulo ambiente hostil ao petismo.  

Um fracasso avermelhado que vem de longe, mas que aparentemente jamais esteve tão pronto à desativação quanto nesta temporada de divisionismos. Lula da Silva é primeira via federal e locomotiva da esquerda na disputa estadual em São Paulo. 

Os tucanos e seus aliados não querem cometer a besteira de virarem terceira via entre os paulistas. Por força da tradição, e de uma aposta na decolagem do vice-governador ungido candidato a governador, o PSDB teria tudo para sustentar-se como primeira via para valer no território conquistada em meados dos anos 1990 e jamais tomado pelos adversários.  

Emaranhado driblado  

O prefeito Orlando Morando está nesse emaranhado todo. E se tem saído com brilhantismo ao não meter a mão na cumbuca de declarações varejistas de terceiros.   

Mais que isso: como procura fazer do limão, limonada, Orlando Morando aproveitou a ocasião para reforçar as fileiras de fidelidade aos tucanos da jovem guarda de João Doria e também da velha guarda menos aderente ao ex-governador Geraldo Alckmin, cotado como companheiro de chapa de Lula da Silva.  

Não é fácil a tarefa de tentar traduzir o jogo tático da política que se apresenta neste ano eleitoral. É muito mais complexo do que analisar qualquer partida de futebol. Mas é assim que funciona e é assim que precisa ser entendido.  

Vantagem a todos  

O resumo da ópera comporta duplo pensamento que se conectam e, portanto, precisariam ser avaliados como relevantes. 

Primeiro, a frente regional pró-Orlando Morando seria uma decisão agora costurada e indispensável à configuração da candidatura do prefeito de São Bernardo com o verniz de unificação da ala conservadora da região, com efeitos na disputa presidencial que premiariam João Doria. 

Segundo, o próprio tucano que comanda a Capital Econômica da região se sentiria mais fortalecido junto à cúpula partidária e, ainda mais, numa possível empreitada como ocupante do Palácio dos Bandeirantes.  

O que mais anima quem acompanha essas nuances da política regional é a expectativa de que o bom-senso prevalecerá.  

Vértices convergentes  

O Grande ABC tão carente de forças políticas encontrou dois vértices distintos, Orlando Morando e Paulinho Serra, com representatividade extraterritorial. Isso leva a conjecturas de que os desdobramentos podem ser positivos.  

Ou alguém tem alguma dúvida de que, com Paulinho e Orlando no mesmo time, o Grande ABC pode dar um salto significativo em políticas públicas com o respaldo tanto do governo estadual quanto do governo federal, quaisquer que sejam os resultados das disputas de outubro? 

Afinal, aliados vencedores ou perdedores são aliados sempre importantes no tabuleiro dos poderes de forma direta ou como vigilantes. 

O Grande ABC unido na candidatura de Orlando Morando, descontando-se a parte avermelhada que marchará com Lula da Silva e seus companheiros, é o farol que iluminaria novos tempos.  

Estamos apanhando demais neste século ao se observarem atentamente os indicadores econômicos e sociais. Não temos mais tempo a perder e muito menos rupturas a suportar. Que essa frente ampla de desprendimento caminhe adiante.



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