Política

Vitimismo disfarçado
e protecionismo claro

DANIEL LIMA - 08/05/2024

Dois dos principais candidatos às urnas eleitorais de outubro em Santo André já definiram os acordes sensoriais preliminares ou estruturais para impactar os eleitores neste começo de temporada de pré-campanha, que é campanha de fato. Temos o que chamaria de vitimismo disfarçado e protecionismo claro.

Luiz Zacarias insiste em repetir e também em metabolizar o vitimismo subliminar de quem foi traído pelo prefeito, enquanto Gilvan Júnior bate na tecla explícita de que é o protegido do prefeito. Nada disso é surpreendente. Mais que isso: faz parte do show.

A expectativa geral é saber quando tanto um quanto outro vão sair desse encapsulamento  temático, se de fato saírem. Afinal, a colheita poderia ser bastante lucrativa a ponto de descartar outros plantios.

No caso do vice-prefeito dissidente, a função de avocar parceria com um prefeito bom de voto é a história de mais de sete anos de mandatos de expectativas. Ter sido abandonado no altar da corrida eleitoral virou componente retórico sutil. Antes disso, nos primeiros dias pós-escolha de Gilvan Júnior, o ambiente era de azedume e irritação.

POPULISMO CAPTURADO

Zacarias decidiu capitalizar sucesso de público da Administração de Santo André. Ou seja: não bate no prefeito em forma de vitimismo revoltado, mas divide com ele meritocracia interrompida.  

No caso de Gilvan Júnior, o predileto de um suposto Grupo dos Nove Privilegiados, a dedicação total é a experiência múltipla como secretário de várias pastas. Ou seja: Gilvan Junior arrasta para o próprio interesse eleitoral um ambiente favorável de confiança da cúpula do Paço Municipal. Gilvan transformou Paulinho Serra no senhor de seu destino político – e, claramente, administrativo em caso de vitória nas urnas. Quem substituir protegido por controlado não estaria equivocado. O nível de controle é que determinará o quanto será positivo ou permissivo.

Entretanto, nem tudo são flores no grupamento que dá sustentação a Luiz Zacarias. Numa entrevista coletiva outro dia o deputado federal Fernando Marangoni deixou evidenciado que Zacarias não vai fazer papel explícito de revoltado por ter sido barrado do baile situacionista.

VÍTIMA SUBJACENTE

Zacarias, por pressuposto, estará pronto para exercer o papel de vítima que de fato foi sem, entretanto, hostilizar o prefeito que o escanteou. Se o fizesse, ou seja, caso se antepusesse à imagem do prefeito, deixaria de absorver os bons resultados que potencialmente colheria como parceiro de duas jornadas mandatárias.  

As críticas explícitas ao prefeito Paulinho Serra vão estar entregues a integrantes do grupo de campanha de Zacarias. O recado de Marangoni foi claro. Zacarias apareceria como apaziguador que perdoaria o que seria um descuido do prefeito Paulinho Serra por não ter levado em conta os dois mandados em que atuou e atua como vice-prefeito.

Por outro lado,  todavia, contudo, Paulinho Serra também já definiu a estratégia de evitar contratempos eleitorais num potencial segundo turno, tendo Zacarias como oponente e a possibilidade de hostilidade dos petistas que, ao que parece, já esgotaram os canais de boa-vizinha com o prefeito outrora aliado.

ADVERSÁRIO MESMO?

O que disse Paulinho Serra durante a apresentação de Gilvan Júnior como prefeito à sucessão eleitoral? Que o PT é o adversário a ser batido. As redes sociais inundaram de vídeos de Paulinho Serra em amistosos encontros e eventos com petistas, sobretudo o ex-prefeito Carlos Grana, de quem foi secretário. Até Guilherme Boulos aparece como companheiro de jornada de Paulinho Serra. E nada disso tem relação com fake news.

Aliás, na exposição de Fernando Marangoni, não faltou trecho de oratória em que se referiu à relação entre Paulinho Serra e Carlos Grana. Marangoni, até outro dia também bem próximo de Paulinho Serra, disse com todas as letras que o prefeito traiu Carlos Grana durante o período que precedeu as eleições de 2016. Não disse mais porque não era preciso. Essa é uma história conhecida. Paulinho Serra foi secretário de Mobilidade Urbana de Carlos Grana.

Trocando em miúdos: a campanha de Luiz Zacarias durante algum tempo ou todo o tempo, sabe-se lá, vai bater em duas vertentes só aparentemente antagônicas: o orgulho de ter participado de dois mandatos do populista Paulinho Serra e, por outro lado, a revolta por ter sido o candidato Luiz  Zacarias traído pelo prefeito e seu grupo. São, portanto, duas frentes de batalhas recheadas de subjetividades e psicanálise eleitoral.

PROCURANDO A DIREITA

Já a expectativa de Paulinho Serra de direcionar oposição ao PT, além de mitigar a concorrência de Zacarias e também de outro candidato Eduardo Leite, procura amealhar a atenção do eleitorado para uma arremetida rumo aos braços e mentes de bolsonaristas e tarcisistas. Afinal, quem está contra o PT é uma coisa e também outra coisa, ou apenas conservador, de direita. Aonde vai o ex-presidente o atual governador vai atrás, eis a máxima eleitoral subjacente.

Em reação imediata ao discurso de Paulinho Serra como pretenso adversário do PT e da esquerda em geral, eis que a campanha de Luiz Zacarias inunda Santo André com outdoor em que o candidato aparece em foto conjugada, por assim dizer, com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Quem está com Bolsonaro automaticamente está com o governador Tarcísio de Freitas.

Não se tem detalhes do desfecho dessa ocupação do espaço urbano com as imensas fotografias e mensagens que ligam a campanha de Zacarias ao campo simbólico de direita. Se houver mesmo a construção de uma sólida parceria desse desenho ideológico, a campanha de Luiz Zacarias tenderia a ganhar mais tração e se desvencilharia tanto dos petistas quanto de Eduardo Leite,  e se confirmaria como principal oponente de Gilvan Júnior. Tudo que o grupo de Paulinho Serra não pretende, despreza e faz figa para que não ocorra.

APOIO DE SARDANO

Também surgiu no cenário de Santo André um vídeo em que o prefeito Paulinho Serra faz muitos elogios ao ex-secretário de Segurança Pública, vereador e candidato a prefeito Coronel Sardano. A mensagem foi clara: Sardano não representaria ruptura com o Paço Municipal por ter sido preterido, também, como candidato situacionista. Sardano confirma no vídeo a satisfação de ouvir o que ouviu do prefeito.

Segurar o Coronel Sardano no grupo situacionista é uma medida de muito valor simbólico. Sardano tem a imagem bem avaliada por conta do desempenho público sempre criterioso e também porque integra uma família de conteúdo assistencialista de verdade, ou seja, de comprometimento com os desvalidos independentemente da temperatura político-partidária e de ramificações enviesadas.

Sardano tem um potencial de votos muito mais elevado do que a materialidade dos votos consumados nas urnas. Traduzindo: a aprovação de Sardano não se reflete em quantidade de votos, mas na qualidade do voto. Deverá ter, portanto, muito mais votos do que votos teve nas eleições para vereador. Os concorrentes são infinitamente menos numerosos e as mensagens mais perceptíveis, sobretudo no campo da Segurança Pública.

A gestão eleitoral do candidato de Paulinho Serra, nesse ponto, deu um chute rumo às redes de produtividade. Mas no mesmo dia do vídeo massificado apareceram Zacarias e Bolsonaro nas ruas e nas redes sociais. Esse jogo está começando a ser jogado. Há versão de que os apoiadores de Zacarias teriam usurpado a imagem de Bolsonaro. Não há nexo partidário-ideológico que dê sustentação a isso, mas também não há garantia de que não tenha havido apressamento. Entre apoiar qualquer candidato a prefeito em Santo André e apoiar Zacarias, do PL, Bolsonaro e Tarcísio de Freitas apoiariam Zacarias.



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