Nosso Século XXI (2ª Ed.)

Pouquíssimo se faz pelo

WAGNER RUBINELLI - 16/09/2008

Existe vida em outros planetas? Para a maioria das pessoas que conhecemos, a resposta é não. Sendo assim, seria impossível encontrarmos outro planeta igual e, mesmo assim, nosso maior patrimônio — o meio ambiente — está sendo destruído.


“Imagine-se chegando à nossa galáxia, a Via Láctea. Durante milhares de anos você voa sem rumo entre as estrelas e os sistemas solares. De vez em quando, gira em torno de um planeta sem enxergar o menor sinal de vida.Você já está prestes a ir embora da Via Láctea quando, de repente, avista um planeta transbordando de vida no meio de uma das múltiplas espirais de galáxia. Nesse exato momento você acorda. A viagem foi um sonho! Mas você descobre que o planeta que descobriu em seu sonho é o planeta onde você vive”.


O trecho que acabamos de ler inicia o Livro das Religiões, de Victor Hellern, Henry Notaker e Jostein Gaarden(Cia. das Letras), e demonstra o verdadeiro milagre que é o planeta Terra. Mesmo assim, o homem não tem a menor preocupação com sua preservação, como podemos observar: guerras, armas químicas, poluição, florestas derrubadas, aquecimento global, enchentes, furacões. Nosso planeta está à beira de um colapso ecológico, como advertem inúmeros cientistas em estudo apresentado nas páginas da revista Terra de setembro de 2003. Nessas avaliações, a pregação sobre o fim do mundo não vem de místicos exaltados ou de líderes de seitas malucas que afirmam ter recebido o anúncio diretamente de Deus ou de algum ser extraterrestre. O alerta parte de pesquisadores de áreas distintas como ecologia, genética, computação biológica e astronomia, que têm unido suas vozes para o fato de que nossa espécie possa ser extinta nas próximas décadas. Uma demonstração de que isso pode ocorrer é a própria extinção de outras espécies que cresce a taxas assustadoras.


Segundo pesquisa publicada pela revista Terra, o fim virá marcado por fome, sede e calor infernal. Há pelo menos 30 anos os ecologistas afirmam que o modelo de desenvolvimento adotado desde a Revolução Industrial, no século XVIII, está levando a rápido esgotamento dos recursos naturais do planeta. E os maiores culpados são os países considerados ricos, principalmente Estados Unidos, onde o nível de consumo e desperdício chega a ser 24 vezes maior do que a média dos países africanos, por exemplo. Em relatório recente, o WWF, fundo mundial para a natureza, afirma que, no ritmo atual de exploração dos recursos, em 2050 seriam necessários três planetas Terras inteiros para atender às necessidades de
consumo.


O fim virá marcado por fome, sede e
calor infernal. Serão necessárias três
Terras para atender o consumo atual


Apesar de todos esses alertas, pouco tem sido feito de concreto para impedir que a Terra sofra colapso ecológico. O efeito desse descaso em relação à ecologia pode ser conferido nas páginas diárias dos jornais. O aquecimento global causado pela emissão descontrolada de carbono vem provocando série de fenômenos climáticos extremos: calor recorde na Europa, enchentes na Ásia, secas prolongadas na África e na América, maior ocorrência de incêndios florestais e desertificações de áreas produtoras de alimentos.


“No mês passado, cientistas anunciaram que o Oceano Ártico, que banha o Pólo Norte, vai se derreter quase completamente até o final do século XXI, quando é esperado um aumento na temperatura da Terra de até 58 graus. Essas catástrofes são o cumprimento das mais negras profecias lançadas pelos ecologistas na década de 70″.


Como podemos observar, todas as previsões sobre as consequências da devastação ambiental aos poucos vão se confirmando. Pesquisa realizada em 2003 por 400 especialistas americanos de diversas áreas relacionadas às ciências biológicas revelou a gravidade da extinção em massa de espécies provocada pelo desmatamento, poluição e exploração abusiva dos recursos naturais. Mais de 70% desses cientistas afirmam que a vida na Terra passa pelo momento mais dramático desde seu surgimento. Para eles, nos próximos três anos, uma em cada cinco espécies de plantas ou animais se extinguirá para sempre.


Tanto o surgimento quanto o desaparecimento de espécies são parte da dinâmica que rege a evolução da vida, mas as atividades humanas fizeram com que a taxa crescesse em ritmo absurdo. Em todos os momentos verificamos que a ganância do homem em obter lucros tem sido o principal motivo da devastação do meio ambiente.


Também aqui no Grande ABC a preocupação ambiental tem tido pouquíssima atenção por parte de governantes e empresas. Infelizmente, não verificamos ações de nenhuma Prefeitura da região com políticas públicas realmente voltadas à questão ambiental. Tal trabalho também não é verificado no Consórcio Intermunicipal, onde os sete prefeitos podem apresentar propostas de políticas ambientais de forma conjunta. Além de não se observar qualquer trabalho efetivo pela preservação do meio ambiente, não existe também ação de monitoramento da situação atual.


Exemplo claro do descaso para com as questões ambientais em nossa região foi o grave problema surgido no Condomínio Barão de Mauá. No início dos anos 1990, a Cofap, fábrica de amortecedores instalada em Mauá, Estado de São Paulo, encontrou forma barata porém irregular de dar destinação ao seu lixo industrial: adquiriu terreno nas proximidades da empresa com área de aproximadamente 160 mil metros quadrados. Com isso, a empresa não só solucionava o problema de depósito do lixo industrial, como resolvia de forma mais econômica a questão do transporte, pois o terreno se encontrava basicamente a alguns quarteirões da fábrica.


Exemplo de descaso está no lixo tóxico descartado
durante anos pela Cofap e sobre o qual
ergueram-se 59 prédios residenciais


Tratava-se de uma potência na produção de peças para automóveis. Era uma das principais fabricantes de amortecedores do País, dominando esse mercado por aproximadamente três décadas. Em momento algum a Cofap preocupou-se em dar destinação adequada ao lixo industrial altamente tóxico que descartava. Ao contrário, escolheu opção barata e totalmente questionável, colocando em risco a vida de milhares de pessoas e contaminando toda uma extensa área.


Curiosamente, na época, órgãos que deveriam fiscalizar tal prática irregular calaram-se, respectivamente a agência ambiental paulista Cetesb e a Prefeitura de Mauá. A grande pergunta que não quer calar é: teria ocorrido negligência por parte desses órgãos na fiscalização? Ou teria ocorrido a tão corriqueira prática de corrupção envolvendo agentes públicos para que o aterro clandestino de lixo tóxico pudesse funcionar?


Se o Ministério Público se empenhar em descobrir, talvez tenhamos resposta. É pouco provável, porém, pois infelizmente procedimentos investigatórios dessa natureza em nosso País envolvendo questões ambientais praticamente não ocorrem, e a impunidade vem sendo a regra.


São vários os fatores que geram a impunidade. Em primeiro plano podemos citar a total falta de prioridade do Estado (governos federal, estadual e municipal) em valorizar a defesa do meio ambiente. Infelizmente, a prioridade pelo que acompanhamos, inclusive pelos órgãos de Imprensa, são projetos eleitoreiros, visando muitas vezes unicamente a captação de votos. Após utilizar a área como depósito irregular de lixo industrial, a Cofap, ainda com intento de auferir mais lucros, vendeu o terreno para a cooperativa habitacional “Nosso Teto”, ligada ao Grupo Paulicoop de assessoria a cooperativas habitacionais.


A liberação do terreno contaminado para construção de prédios foi solicitada. Um laudo que informava não haver restos orgânicos nocivos à saúde foi apresentado à Prefeitura Municipal de Mauá, que não solicitou nem providenciou outro laudo antes de liberar a área para moradias (e obviamente tinha conhecimento de que aquele espaço já havia sido utilizado como depósito irregular de lixo industrial). Porém, em 1988, logo em seguida à solicitação, a área foi liberada para construção.


Nada menos que 59 prédios foram erguidos e rapidamente as vendas dos apartamentos tiveram início, acalentando o sonho de milhares de pessoas em busca da casa própria. Pelo menos 7.500 pessoas mudaram-se para o local. Sem saber do perigo que corriam e também desconhecendo que ali havia sido antigo depósito de lixo industrial, os moradores seguiam felizes, até que em outubro de 2000 a tranquilidade foi interrompida. Entraram em cena tristeza, apreensão e medo, quando um empregado que fazia a manutenção do condomínio morreu ao acender o isqueiro para examinar uma das caixas d’água. O encanador teve morte instantânea e o ajudante sofreu queimaduras em 40% do corpo. A grande concentração de gases causou a fatídica explosão.


Infelizmente, foi necessário que um humilde encanador perdesse a vida e outro ficasse gravemente ferido para que os moradores tivessem a verdade revelada sobre o Condomínio Barão de Mauá.


Após o episódio, a Cetesb concluiu que a explosão havia ocorrido devido à presença de grande concentração de gás metano, um derivado da decomposição de lixo urbano. A agência ambiental paulista teria solicitado à construtora a paralisação das obras e o início imediato de monitoramento do solo e pesquisa para localização de possíveis focos de contaminação. Infelizmente a construtora responsável pelo condomínio ignorou a decisão. Entretanto, a Cetesb iniciou os estudos e descobriu a concentração de compostos orgânicos voláteis em vários pontos da área, que ultrapassavam 8 mil ppm (partes por milhão).


Após a constatação inequívoca de toda a gravidade do caso, o Ministério Público instaurou inquérito para apurar responsabilidades sobre a contaminação no Condomínio Barão de Mauá. A perícia do Ministério Público constatou a gravidade da situação e concluiu que as famílias deveriam ser retiradas. Também o Conselho Estadual do Meio Ambiente solicitou a retirada dos ocupantes. Porém, obviamente os moradores deveriam ter uma opção — um lugar para ir. Apenas sair? Sair para onde? Falharam o MP e também o Estado em não encontrar alternativa.


A Cofap foi adquirida em 1998 pela multinacional Magneti Marelli. O ex-proprietário, Abraham Kasinsky, evita de todas as formas pronunciar-se sobre o tema. Infelizmente constatamos que o rigor utilizado, por exemplo, no caso do Palace II (prédio que desmoronou no Rio de Janeiro e cujo responsável, o ex-deputado Sérgio Naya, foi preso por vários meses) não se verifica no Condomínio Barão de Mauá, onde nenhum dos envolvidos em qualquer momento foi preso.


Outro episódio voltou a colocar o Grande ABC recentemente em alerta. O jornal Diário do Grande ABC apresentou importante matéria sobre a contaminação ambiental intitulada “Poluição Ambiental Pode Causar Tireoidite de Hashimoto”. A pesquisa realizada por especialistas na área de saúde e também pelo Centro de Vigilância Epidemiológica a pedido do Estado, e publicada no DGABC em 27 de fevereiro de 2008, aponta que a incidência da doença em moradores próximos ao pólo petroquímico na divisa de Mauá, Santo André e São Paulo é muito maior do que em outras regiões com características semelhantes.


A suspeita de que havia relação entre casos de tireoidite e poluição ambiental na região do Parque Capuava surgiu em 1989, quando a endocrinologista Maria Ângela Zaccarelli, da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC, começou a estudar a questão. As conclusões do estudo epidemiológico são alarmantes: a incidência de tireoidite crônica ao redor de Capuava é cinco vezes maior do que em outras regiões pesquisadas. Centenas de pessoas desenvolveram essa doença incurável e infelizmente o assunto ainda é ignorado pelos prefeitos das cidades envolvidas. Muito embora o índice de poluição na região em questão seja tão assustador como comprometedor à saúde da população, o aspecto econômico, ou melhor, os impostos pagos pelas empresas são altíssimos — e queremos acreditar que não seja por isso que autoridades de Santo André, Mauá e São Paulo não se posicionem sobre o problema.


Em 19 de setembro de 1973, em entrevista à revista Veja, Burle Marx já denunciava a devastação impune do patrimônio natural brasileiro: “Creio que é tempo de o Brasil aprender a amar a natureza, as florestas, os rios, os lagos, os bichos e pássaros, creio que é preciso reformular este conceito de patriotismo. Patriotismo para mim é proteger nosso patrimônio artístico, cultural e a terra que nos dá tudo isso.”


Infelizmente, 35 anos depois, Burle Marx mantém-se atual. O descaso para com a preservação do planeta Terra pode ser conferido diariamente nas páginas de nossos periódicos, e nossa região definitivamente não está fora desse contexto. O Grande ABC não só faz parte como também sofre todas as consequências. A própria vocação industrial da região faz com que aceitemos a poluição atmosférica como algo habitual e corriqueiro, quando na realidade deveríamos exigir qualidade adequada no ar que respiramos mesmo em setores industriais.


Todo o descaso verificado em outras localidades também se faz presente no Grande ABC, mas a verdade é que fazemos de conta que nossa região nada tem de relacionado à problemática ambiental, como se aqui não houvesse áreas sendo desmatadas, rios e represas poluídos, além de sérios problemas referentes à destinação final do lixo e poluição do ar. Até parece que o paraíso é aqui, onde não existem problemas ambientais. Talvez seja por isso que não se procuram soluções. Afinal, aqui se aparenta estar tudo bem…


Leia mais matérias desta seção: Nosso Século XXI (2ª Ed.)

Total de 35 matérias | Página 1

16/09/2008 Primeiro escalão dita ética e responsabilidade social
16/09/2008 Wikimundo, um novo modelo de gestão regional
16/09/2008 Cidades são protagonistas da solidez regional
16/09/2008 Plantamos regionalidade, mas não sabemos colher
16/09/2008 Da comunicação que temos para a que queremos
16/09/2008 Praticar uma sólida agenda cultural ainda é utopia
16/09/2008 Não mais que uma província metida a besta
16/09/2008 Que as futuras gerações perdoem nosso voo cego
16/09/2008 Bandido não vê fronteiras, mas nossas cidades sim
16/09/2008 Participação popular é um marco revolucionário
16/09/2008 Somos uma colcha de retalhos (e descosturada)
16/09/2008 Regionalidade passa por democracia participativa
16/09/2008 Quando a atenção básica é (quase) tudo em saúde
16/09/2008 O futuro aos pequenos empreendimentos pertence
16/09/2008 Regionalizar serviços de saúde é a grande solução
16/09/2008 Quando a cooperação é estratégia competitiva
16/09/2008 Perdemos a vanguarda de consórcio público?
16/09/2008 Educação é central no desenvolvimento humano
16/09/2008 Xô apatia! Vamos fazer nossa revolução cidadã