Administração Pública

Um choque de
gestão vai bem

ANDRE MARCEL DE LIMA - 30/03/2006

Não provoque Geraldo Reple Sobrinho, superintendente do Hospital Estadual Mário Covas, ao dizer que ele trabalha em estado de nirvana, ou seja, de plena felicidade diante da penúria generalizada da saúde pública brasileira. Em 2005 o HEMC teve orçamento de exuberantes R$ 63,5 milhões, maior do que entra nos cofres de uma cidade como Ribeirão Pires, por exemplo. “Não adianta ter dinheiro se não se souber gastar bem” — devolve, também provocando, esse habitualmente comedido ginecologista.


Com 99% de aprovação na mais recente pesquisa junto a usuários, o Mário Covas pertence a um colar de duas dezenas de pérolas do que há de melhor na saúde de São Paulo: os hospitais e ambulatórios do Estado administrados por OSSs (Organizações Sociais de Saúde). No caso do Mário Covas em Santo André, a gestão está a cargo da Fundação do ABC desde 2001, quando foi inaugurado, enquanto o Hospital Serraria de Diadema movimenta-se sob a batuta da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).


Visto a distância, parece arriscado o governo repassar para terceiros um serviço que inquieta 10 entre 10 brasileiros. Afinal, saúde pública é um barril de pólvora cujo rastilho é a estrutura pouco preparada para receber demanda que só faz crescer. Mas é um risco calculado: trata-se de um compromisso de gestão no melhor estilo da iniciativa privada, no qual as filantrópicas OSSs se comprometem a atingir rígidas metas de qualidade e de níveis de atendimento. Em troca, recebem (ou não) investimentos e equipamentos.


No caso do Mário Covas, foi um tremendo avanço num esqueleto que putrefou durante décadas desde que foi iniciado, em 1976. Somente no ano passado, o hospital realizou 518 mil exames clínicos, ou algo como toda a população de Mauá e São Caetano juntas. Houve ainda 155 mil consultas e 6,2 mil cirurgias, com crescimento de até 20% em vários procedimentos, alguns dos quais de última geração como ressonância magnética e biópsias guiadas por ultra-som. O segredo desse oásis está no fato de o terceiro setor fugir daquilo em que o governo é mestre: desperdício, lentidão e baixa qualidade em serviços. As OSSs ganham em eficiência porque não precisam fazer licitações em compras nem concursos públicos para contratação. E o resultado, por enquanto, tem sido inapelável: o valor médio de cada internação nas OSSs ficou em R$ 2.589 em 2004, contra R$ 3.455 na administração direta.


Uma das críticas ao repasse dos hospitais do Estado para entes privados sem fins lucrativos é de que o governo transfere para particulares importante segmento do patrimônio público, passando atestado de que seria um gestor ineficiente. Como o senhor avalia isso?


Geraldo Reple Sobrinho – Em primeiro lugar, vamos entender o que é o modelo de OSS (Organizações Sociais de Saúde) e a que se destina. De acordo com a lei complementar 846 de 4 de junho de 1998, o governo do Estado de São Paulo regulamentou a qualificação de entidades (pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos) como organizações sociais cujas atividades sejam dirigidas à saúde e à cultura e que tenham, comprovadamente, no mínimo cinco anos de experiência na área de atuação.


Não vejo como ineficiência do Estado adotar essa medida para gerenciamento dos equipamentos públicos. Vejo como uma alternativa de delegar a instituições que tenham reconhecida experiência com administração de serviços um segmento do Estado cujo olhar tornou-se ainda mais efetivo. Além de a população ter assegurada a prestação de serviços com qualidade, houve a reativação de instituições até então abandonadas, como é o caso do próprio Hospital Mário Covas, favorecendo áreas carentes de serviços gratuitos em várias regiões.


Se o Estado não é ineficiente, seria então uma fuga de responsabilidade, já que é obrigação do Poder Público prover saúde de qualidade à população?


Geraldo Reple – A obrigação do Poder Público é assegurar a prestação de serviços de saúde, segurança, educação, habitação, entre outros. Um hospital gerenciado por uma OSS tem todo o financiamento feito por meio de contrato celebrado entre a instituição mantenedora (no caso do Hospital Estadual Mário Covas de Santo André, a Fundação do ABC) e a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.


Além disso, os hospitais contam com autonomia administrativa para gerenciamento dos serviços, inclusive em relação às contratações de pessoal, de serviços e realização de compras, o que lhes dá maior agilidade. Dessa forma, indiretamente o Estado está cumprindo seu papel, pois na medida em que financia e possibilita as atividades do hospital, o Poder Público assume também esse compromisso.


A situação seria diferente se o Estado simplesmente repassasse o serviço sem garantir custeio financeiro, o que não ocorre na realidade.


O próprio Estado oferece números segundo os quais as OSS realizaram 43% mais internações e tiveram custo médio 25% menor por paciente em 2004 do que hospitais sob administração pública direta. Isso não seria demonstrativo de que o Poder Público não é bom gestor numa área tão delicada como a saúde?


Geraldo Reple – Não devemos considerar o Estado mau gestor. Devemos avaliar uma realidade diferente daquela com a qual convivemos ao longo do tempo em termos de serviços públicos, que atuam de maneira desestruturada e às vezes sem avanços tecnológicos, seja por verba insuficiente ou ainda pela baixa qualificação profissional.


Hospitais gerenciados por OSS têm no perfil de atendimento variáveis significativas que consolidam a prestação de serviços resolutivos. Ou seja, o paciente chega, resolve e vai embora na maioria dos casos. Temos parque tecnológico que permite aos pacientes a realização dos mais complexos exames complementares, reduzindo o tempo entre o diagnóstico e o tratamento.


Assim, internam-se mais pacientes porque eles permanecem menos tempo no hospital. Na mesma linha, atendem-se mais pacientes porque a proposta de tratamento é mais rápida, há maior retorno para acompanhamento e maior disponibilidade de agendamento de consultas e exames.


O Simesp (Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo) afirma que a produtividade dos hospitais geridos por OSS se deve ao fato de realizarem apenas procedimentos de custos inferiores, e não tratamentos prolongados ou de alta complexidade. É verdade?


Geraldo Reple – Poderíamos responder apresentando números importantes do volume de atendimento, mas vamos relacionar alguns pontos fortes que os hospitais gerenciados por OSS têm. Área Cirúrgica: cirurgias oncológicas, cardíacas, ortopédicas (cujo diferencial são as próteses e órteses), neurocirurgias, entre outras. Área Ambulatorial/Tratamento: quimioterapia, hemodiálise, reabilitação e litotripsia. Área de Diagnóstico: ressonância magnética, hemodinâmica, medicina nuclear, tomografia e análises clínicas com realização de exames complexos.


Analisando a complexidade desses atendimentos, não podemos deixar de observar seus reflexos em termos de custo por paciente. Dessa forma, fica evidenciado que o tratamento oferecido aos pacientes tanto em nível ambulatorial como hospitalar é de alta complexidade e, consequentemente, alto custo.


A Secretaria de Estado da Saúde acompanha mesmo de perto tudo o que acontece nos hospitais gerenciados pelas OSSs? Quais são as obrigações contratuais do chamado terceiro setor?


Geraldo Reple – Efetivamente! Todos os hospitais gerenciados por OSS são rigorosamente acompanhados, não somente pela Secretaria de Estado da Saúde, mas também pelo Tribunal de Contas do Estado, pela Assembléia Legislativa e pelos Conselhos de Administração compostos por membros dos Conselhos Municipais de Saúde da Região, funcionários do hospital, membros da Congregação e da Curadoria da mantenedora.


Os hospitais atuam mediante contrato de gestão que prevê volumes e tipos de atendimento que serão realizados ao longo do período contratado, como números de internação, de exames, de consultas e cirurgias. O cumprimento do contratado é avaliado pela Secretaria de Saúde do Estado por meio do encaminhamento de planilhas assistenciais, produção do Serviço de Apoio ao Usuário para medir o grau de satisfação, além do censo de atendimento. Além disso, ocorrem reuniões trimestrais para acompanhamento do cumprimento do contrato — as chamadas metas contratadas. Em não havendo a totalidade do contratado, os hospitais são penalizados com retenção, pela Secretaria, de montante financeiro denominado parte variável do contrato.


O Conselho de Administração e a Assembléia Legislativa atuam como fiscalizadores dos serviços, avaliando os relatórios de atividades e aprovando, ou não, o apresentado.


Quanto ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, há a visita anual de auditoria, com criteriosa avaliação presencial das atividades dos hospitais. A fiscalização abrange tanto o cumprimento do contrato em relação ao volume de atividades realizadas quanto a correta aplicação dos recursos destinados aos hospitais.


E as metas financeiras? O Tribunal de Contas é rigoroso no controle ou a fiscalização é meramente contábil?


Geraldo Reple – Também há rigoroso controle financeiro. O Tribunal audita todas as contas, observa fluxo de caixa, dá orientações para aprimoramento da prestação de contas e aponta as irregularidades que julgar existentes, cabendo aos hospitais fazer a devida justificativa. Além do controle financeiro pelo Tribunal de Contas, novamente a Secretaria de Saúde do Estado e o Conselho de Administração estão presentes.


O controle pela Secretaria é realizado mediante análise e acompanhamento das planilhas de atividade financeira dos hospitais, encaminhadas mensalmente. Nessas planilhas constam a entrada do recurso (o repasse mensal contratado) e as despesas, ordenadas por contas. A aplicação dos recursos segue rigoroso controle, inclusive da conciliação bancária. Com relação ao Conselho de Administração, é o responsável pela aprovação dos balancetes mensais, do balanço anual financeiro dos hospitais e pela aprovação da proposta orçamentária.


Outro senão de quem desaprova o repasse de hospitais públicos para o terceiro setor é de que são porta-fechada, isto é, atendem pacientes previamente triados nas UBS e mediante cotas municipais. Significa que aquela primeira consulta ou primeiro exame do paciente, ou ainda as urgências, continuam dependendo de longas filas de espera nas Unidades de Saúde “abertas”. Como o senhor analisa esse fato?


Geraldo Reple – Temos, em primeiro lugar, que entender qual é o perfil dos hospitais gerenciados pelas OSS, que é o atendimento de média e alta complexidades, ou atendimento em nível terciário. Qual o perfil de uma UBS (Unidade Básica de Saúde)? Pelo próprio nome, é o atendimento primário, básico, que proporciona resolução nesse nível de atenção. Quando não há condições de oferecer o atendimento ou o tratamento adequado dentro do nível primário, buscam-se outras esferas, como os níveis secundário e terciário. Dessa forma, recebemos pacientes cujos níveis primário e secundário não podem assegurar a resolutividade, não pela ineficiência, mas sim pela especificidade dos casos. E este é o nosso papel: cuidar e devolve-los à rede, para posterior acompanhamento.


O atendimento porta-fechada assegura o encaminhamento de pacientes para internação e cirurgias que se enquadram na alta complexidade, deixando sob responsabilidade dos outros níveis de atendimento os casos cuja resolutividade é possível. E lembramos aqui que nem todos os hospitais gerenciados por OSS são porta-fechada. São 16 hospitais, dos quais cinco mantêm atendimento de pronto-socorro.


As cotas municipais para agendamento são definidas em reuniões periódicas com participação dos secretários de Saúde dos municípios, da Secretaria de Estado da Saúde e dirigentes dos hospitais, nas reuniões da CIR (Comissão Intergestores Regional) nas Direções Regionais de Saúde locais. As cotas asseguram que todos os pacientes tenham a mesma oportunidade de acesso a tratamentos, contribuindo com a saúde pública local no sentido de oferecer de maneira igualitária os serviços disponíveis, levando-se em consideração a densidade demográfica de cada Município. Com relação às longas esperas e a preocupação com as urgências, lembramos o atendimento oferecido pelos prontos-socorros dos municípios, que proporcionam atenção imediata nessas ocasiões.


Parte da resistência à saída encontrada pelo governo do Estado com o modelo de OSS e que o prefeito José Serra também quer adotar se deveria ao insucesso do PAS implantado na Capital na gestão de Paulo Maluf? Qual a diferença entre os dois modelos?


Geraldo Reple – A grande crítica ao PAS é que o sistema foi entregue para gerenciamento de “entidades” e “empresas” muitas vezes sem experiência na área da saúde. Nas OSS, todas as organizações habilitadas para gerenciar hospitais são instituições sem fins lucrativos e com comprovada experiência na área de atuação, em cumprimento a um dos muitos requisitos exigidos na lei complementar 846/98 para qualificação de entidades como Organizações Sociais.


Outra diferença são os mecanismos de controle, por meio dos contratos de gestão celebrados entre a Secretaria Estadual de Saúde e a instituição mantenedora de cada hospital, que são rigorosamente acompanhados e envolvem inclusive a liberação do repasse da parte financeira variável, como já comentei.


Dessa forma, destaco a transparência na administração desses hospitais, no que diz respeito principalmente aos controles de metas e à prestação de contas, como um dos pontos fortes do modelo adotado pelo Estado de São Paulo na busca da excelência no atendimento médico-hospitalar.


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