Administração Pública

Gastança antecipada

DANIEL LIMA - 22/12/2004

Não vejam no que se segue sinal de empáfia. Trata-se de desabafo. Escrevi já faz tempo que a gastança nos legislativos municipais seguiria rota do desperdício independentemente da redução do número de vereadores. Em verdade, escrevi antes mesmo de o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) determinar o corte de pouco mais de oito mil vereadores no País. Minha convicção estava assentada nos dados do IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos), entidade que criei juntamente com duas dezenas de voluntários e que reúne variado mix de avaliações sobre o desempenho dos municípios.


Infelizmente, quando se massificou a decisão do TSE, praticamente ninguém, nem veículos de imprensa, nem deputados, nem senadores, nem vereadores, manifestou-se sobre o desperdício de munição. A manutenção quase intocável dos repasses do Executivo ao Legislativo permitiria que, mesmo com menos legisladores, o aumento de despesas seria compulsória. O indexador do repasse — o número de habitantes de cada município — torna automática a transferência de dinheiro da Prefeitura para a Câmara de Vereadores. Independentemente do quadro de legisladores.


Conforme este jornal mostrou na edição de segunda-feira, a profecia está realizada. Sem nenhuma surpresa, diga-se de passagem. Não sei se responsabilizo a apatia social incapaz de acompanhar atentamente os dispêndios públicos, ou mesmo a Imprensa, negligente em observar com desconfiança as declarações exuberantemente enganadoras de porta-vozes dos legislativos. Há frases inacreditavelmente insuportáveis, proferidas pelos chamados representantes do povo. A impressão que transmitem é que todos, jornalistas e leitores, são bando de imbecis que aceitam qualquer argumento como verdadeiro. E o pior é que o silêncio quase que generalizado lhes dá razão.


A bem da verdade, muito depois que escrevi pela primeira vez sobre as despesas dos legislativos, apenas o Jornal da Globo se conduziu pela sensatez de questionar a ordem unida de que a redução dos quadros legislativos levaria supostamente à queda das despesas. Ouviu, se não me engano, um vereador do Nordeste que, sorrindo, antecipava a repartição do dinheiro farto que viria no ano seguinte por um número menor de legisladores.


Outro dia o mesmo Jornal da Globo ouviu o mesmo vereador e comparou suas declarações anteriores com as de agora para confirmar a idiotice de se acreditar que haveria economia de recursos dos contribuintes.


Nenhum outro jornalista brasileiro escreveu nos últimos dois anos tanto quanto este colunista sobre esse assunto. Esmiucei o temário em suas várias vertentes. Cheguei ao ponto de sugerir algumas medidas saneadoras.


Uma no sentido de que parte dos recursos repassados aos legislativos fosse esterilizado à composição de um fundo para aplicação em programas de qualidade de vida das regiões metropolitanas. Como se sabe, as metrópoles brasileiras não contam com recursos constitucionalmente específicos para amenizar o quadro de degradação social e econômica.


Lembro-me que aquela sugestão foi seguida de valores financeiros virtualmente retirados dos gastos dos principais municípios paulistas que constam das pesquisas do Instituto de Estudos Metropolitanos. Seriam mais de R$ 400 milhões de economia.
Uma outra proposta envolvia apenas os legislativos do Grande ABC e se fundamentou nas despesas de 2003. Sugeria que 20% do volume consumido, o que representaria por volta de R$ 11 milhões, poderia manter mais de uma centena de instituições voltadas aos excluídos, tendo como modelo uma unidade de Rio Grande da Serra que cuida de ex-prostitutas e seus familiares.


É lamentável que o Grande ABC que se autoproclama desbravador de democracia política, na esteira do movimento sindical, não consiga sair da pasmaceira em que se meteu juntamente com o País. Já imaginaram se conseguíssemos dar exemplo de cidadania e responsabilidade social? Bastaria que os vereadores, mais de uma centena nos sete municípios, iniciassem ação coordenada para não só conter a fúria de dispêndios que rompem as barreiras inflacionárias como também cortassem gradualmente os recursos orçamentários.


O mapeamento do Instituto de Estudos Metropolitanos revela que essa possível iniciativa não seria nenhum gesto magnânimo. Há mais de uma dezena de municípios que construíram histórico exatamente dessa dimensão. Sim, há Câmaras de Vereadores que conseguem resistir aos desvarios e passaram pelo crivo da medição mais precisa que se pode esperar das despesas legislativas: a divisão do orçamento pela população atendida. Na região, o caso de São Caetano é o maior dos nossos escândalos. E só perde para justificativas irrespondíveis de alguns de seus vereadores.


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