Perdemos o maior gerenciador público da história do Grande ABC. O Brasil que se comove com o assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André, não tem culpa de conhecê-lo tão pouco. Só mais adiante saberia o quanto ele poderia apresentar de inovação no espectro político-administrativo, quando comandaria o programa econômico de Lula da Silva à presidência da República. Nós tivemos mais de 10 anos para metabolizar suas idéias, mas a maioria estava despreparada para entender sua profícua vocação inter-regional. A dimensão de seu legado só será entendida à medida que o tempo tentar apagar a saudade que todos sentiremos dele.
Juntem a principal qualidade de cada um dos administradores públicos que estão e que passaram pelos sete municípios do Grande ABC e descartem todos os defeitos. O resultado será o perfil de Celso Daniel. É impossível que reunisse na mesma intensidade todos os pontos positivos de cada um dos prefeitos da região, de agora e do passado, mas os teve em quantidade suficiente para ser reverenciado como o maior de todos. Pelé não era o melhor passador, o melhor cabeceador, o melhor finalizador, o melhor disso ou daquilo. Pelé reunia as qualidades máximas dos principais craques do futebol. Celso Daniel deve ser entendido analogamente assim.
Era um visionário com senso de emergência. Era um descentralizador administrativo com amplo sentido de coordenação. Era um democrata que não deixava dúvidas quanto à importância da autoridade. Professor, tinha a didática para expressar-se e também para coordenar a exposição dos companheiros de reunião. Sistematizava os encontros com rara habilidade, conectando fidelidade e hierarquia das informações como poucos jornalistas são capazes. Sempre fez seus secretários sentirem-se importantes como ele, colocando-os na ribalta e, modesto, recolhendo-se à platéia. Poucos entendiam de políticas públicas como Celso Daniel.
Celso Daniel não foi apenas prefeito de Santo André, a cidade que mais empobreceu nos últimos 30 anos no Estado de São Paulo e sobre a qual derramava suas inquietações.
Celso Daniel foi também o gerenciador público que pensou o Grande ABC em período integral. Nenhum outro prefeito, nenhum legislador local, poucos da mídia, pouquíssimos, conseguiam enxergar seus objetivos. Celso Daniel chegou ao ponto, neste terceiro mandato incompletado pela brutalidade, de puxar o freio de mão de seu ímpeto regional, como grande formulador do Consórcio Intermunicipal de Prefeitos, diretor-presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico e entusiasta defensor da Câmara Regional, porque sentiu que era o único a estar no passo e no ritmo necessários.
Tratou de cuidar um pouco mais de Santo André, decepcionado com boa parte dos demais prefeitos, imersos em cotidianos de incêndios a apagar, e não de pontes a construir. Uma decepção silenciosa, discreta, porque Celso Daniel não praticava choros públicos.
Celso Daniel era um democrata. Aprendi a gostar dele como gente nas poucas vezes em que nos chocamos em pontos de vista. Ao contrário de prima-donas que não suportam o cheiro da brilhantina de críticas, Celso Daniel era convergente. Respeitá-lo como um dos principais ideólogos da regionalidade, da metropolização, e acima de partidos e limites geográficos do Grande ABC, era consequência natural de quem também observa a região como uma unidade além das especificidades municipais. Admirá-lo pelo tom conciliador e pela grandeza da alma converteu-se para mim em reciprocidade de bom senso.
O Brasil não sabe o que perdeu. O Grande ABC, tão próximo do coração, da alma e dos conhecimentos de Celso Daniel, também não perceberá tão cedo a imensidão de seu legado.
Perdemos nossa grande referência regional. O Grande ABC está órfão. Celso Daniel morreu como estadista regional. O tempo o faria estadista nacional em políticas públicas. Ele retirou o Grande ABC do provincianismo da administração pública. Ele retiraria também o Brasil dessa pasmaceira secular do imediatismo a qualquer preço.
Celso Daniel era um administrador com os olhos postos no futuro e os pés no presente. Sua morte física deverá consagrar à imortalidade o apuro prospectivo de fundamentos teóricos que o Grande ABC, por não saber acompanhar seus passos, ficou a lhe dever na prática. Mas como suas propostas estão à frente deste tempo, ainda há forma de recuperá-las.
Mataram um gerenciador público que fazia do futuro seu dogma. Portanto, Celso Daniel vive em cada linha, vive em cada pensamento, vive em cada gesto que signifique compromisso com o amanhã.
Total de 193 matérias | Página 1
11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP