Caso Celso Daniel

Quanto custa produzir
nossos Celsos Daniéis?

DANIEL LIMA - 24/02/2002

Vão prevalecer no pós-morte do prefeito Celso Daniel tentativas alucinadas do governo do Estado de desclassificar as evidências de que se tratou de um crime encomendado. Ante o oportunismo de algumas lideranças do Partido dos Trabalhadores que reagiram ao sequestro com fome pantagruélica de politização e partidarização, seguida de incontrolável banqueteamento provocado pelo assassinato, o governo de Geraldo Alckmin e a Presidência da República responderam com medidas cosméticas — a maioria das quais há muito anunciadas e jamais aplicadas.

No caso específico da Secretaria de Segurança Pública do Estado, industrializaram-se alguns factóides que entre outros objetivos pretendem colocar o episódio de fundas repercussões políticas, sociais e econômicas no saco de gatos desclassificatórios de versões rocambolescas. Impera o anarquismo da informação e da multiplicação de versões como antídoto ao pragmatismo das investigações.

O fato é que a morte de Celso Daniel, como outros 108 assassinatos que devem ter ocorrido domingo no Brasil, nessa estúpida contabilidade de nossa fragilidade institucional e estrutural, está a léguas de distância do que a maioria dos atores do noticiário destes últimos dias insiste em destilar. Estamos em guerra civil há muitos anos. A pena de morte já foi decretada informalmente nos guetos de pobreza e miséria, focos do banditismo. Não será apenas com mais policiamento, mais equipamentos, mais viaturas, mais movimentos populares de solidariedade e mais discursos que eliminaremos a raiz desse cipoal de infortúnios que se espalham nas mais diferentes modalidades de crimes.

Deformado culturalmente pela centralidade asfixiante do Estado-do-Mal-Estar-Social, o Brasil é um país a ser reconstruído. Só não se pode perder a percepção de que essa reconstrução deva se iniciar pelas causas, e não pelos efeitos, e a sociedade amorfa, ignorante, passiva, é elemento-chave.

Sobretudo as regiões metropolitanas — e esse é um temário muito caro a este jornalista e à revista que dirijo, contrariamente à omissão da quase totalidade da mídia nacional — requerem tratamento constitucional, institucional e político diferenciado. Não é possível que 16 milhões de pessoas que se apertam em disparidade social e em desemprego na Grande São Paulo resolvam, de uma hora para outra, fazer um pacto de não-agressão, de civilidade. Somos o retrato de um País sem eira nem beira que já fez muitas vítimas semelhantes à grandeza humana e profissional de Celso Daniel.

Quanto custa produzir um Celso Daniel, integrante de uma elite de competência e de integridade de que o País tanto carece? Quantos outros Celsos já se foram em operações que não tiveram visibilidade e repercussão, mas de prejuízos semelhantes?

Um Celso Daniel perdido corresponde à contrapartida matemática e social de dezenas de anônimos excluídos que, queiram ou não os hipócritas, estão muito mais suscetíveis a conquistar a hierarquia da criminalidade. Os sequestradores de Celso Daniel, motivados por razões econômicas ou políticas, não interessa, agiram como profissionais que ou são sumidades precoces ou escalaram sim vários degraus da escola de transgressões legais. Somos uma usina com alta capacidade de geração de dejetos como esses.

A indignação que cerca o assassinato de Celso Daniel deveria ser canalizada também para os produtores de ilusões estatísticas, de bobagens midiáticas, de malversação da informação jornalística, que usam jornais, revistas, rádios e emissoras de televisão com objetivos claramente propagandísticos, mercantilistas, exclusivistas, individualistas. Desenvolvimento Econômico Sustentável, que é a resposta a tudo isso, não é assunto que interessa à maioria dos veículos de comunicação.

Celso Daniel não morreu apenas porque alguns profissionais do crime o levaram de um veículo numa noite de sexta-feira. Celso Daniel e tantos outros brasileiros tiveram a vida abreviada porque precisamos construir um novo País. Há crimes menos impactantes e menos evidentes que são cometidos impunemente e já se transformaram em cultura nacional, sob a indiferença de uma sociedade que se omite permanentemente.

Somos um País macunaímico colombizado. Precisa mais?



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