Caso Celso Daniel

Moeda política

DANIEL LIMA - 18/07/2004

É politicamente incorreto defender protagonistas unilateralmente metralhados e que, portanto, tenham virado a bola da vez da moralidade pública e da justiça criminal. Entretanto, mais uma vez, que se dane o politicamente correto. O fato é que o empresário Sérgio Gomes da Silva está livre, depois de sete meses de prisão fundamentada em abstrações, como preciosamente definiu o ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, referindo-se à denúncia do Ministério Público Estadual incrustado em Santo André.


Sérgio Gomes da Silva é valiosa moeda política que só não emergiu no cenário de disputas à Presidência da República em 2002 porque um pacto de não-agressão entre os principais concorrentes demarcou a área da responsabilidade eleitoral.


Entretanto, nesta temporada, Sérgio Gomes está com a cotação em alta. Sua libertação virou a biruta e lança dúvidas entre aqueles que apostavam na culpabilidade do amigo do prefeito Celso Daniel.


Ao mesmo tempo, fortalece-se a convicção de quem sempre desconfiou de que há caroço de oportunismo nesse angu investigatório que o absolveu de um lado e o incriminou de outro.


O que deveria ser padrão de interpretação minimamente sensata, ou seja, que Sérgio Gomes da Silva é inocente até prova em contrário, se apresentou, ao longo dos dois últimos anos, como disparatosa perseguição pessoal. A atuação do MPE fora dos preceitos constitucionais, segundo os quais investigações criminais não fazem parte de atribuições dos promotores, simplesmente obscureceu as conclusões da Policia Civil e da Polícia Federal. Apesar de insistentemente a mídia desprezar a informação, inquéritos policiais caracterizaram o sequestro seguido de morte do prefeito Celso Daniel como crime urbano comum.


O noticiário de jornais e revistas daquele período está à disposição de quem aprecia a história: a Grande São Paulo vivia um dos momentos mais dramáticos na área de segurança pública. Enquanto o secretário estadual insistia com uma política de direitos humanos para deliquentes, a rentabilidade das operações criminosas se rivalizava com os juros estratosféricos mantidos pelo Banco Central.


Depois da morte de Celso Daniel e do resgate do publicitário Washington Olivetto, o governo do Estado resolveu afastar o secretário de Segurança Pública. Implementou algo semelhante à atuação da Rota nos tempos de Paulo Maluf.


A sentença do ministro Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal Federal, restabeleceu a compreensão de que a decisão do MPE em mandar prender Sérgio Gomes da Silva foi um exagero. Disse Jobim que a lei prevê prisão preventiva só em determinadas hipóteses, entre as quais a periculosidade. Desclassificou também o “clamor popular” apontado pelo MPE. Ou seja: o suporte flácido de duas abstrações levou o primeiro amigo de Celso Daniel à prisão.


Há prova irrefutável de que a liberdade de Sérgio Gomes não ameaçou jamais o grupo econômico e político que ofereceu suprimentos mais que duvidosos à denúncia do MPE. Entre 24 de janeiro — semana seguinte à morte de Celso Daniel — e dezembro do ano passado — quando foi decidida a prisão preventiva –, Sérgio Gomes da Silva gozava de convívio social como cidadão comum. Uma semana após o enterro de Celso Daniel, Sérgio Gomes já constava da lista de suspeitos do Ministério Público, que recebeu, em São Paulo, a empresária de transportes Rosangela Gabrilli. Ali, ela mencionou a possibilidade de o crime estar sob a influência de Sérgio Gomes da Silva e amigos, supostamente beneficiários de um esquema de propinas no Paço de Santo André.


Mesmo antes desse depoimento Sérgio Gomes já figurava como suspeito porque dirigia o veículo abalroado pelos sequestradores. Não parece lúcido supor que alguém a quem tenham sobreposto ao nome de batismo a alcunha de Sombra pretendesse saltar para o estrelato da desconfiança. A arquitetura de um crime encomendado, portanto, não suporta um beliscão sequer de sensatez.


Prender Sérgio Gomes da Silva preventivamente sob argumentos juridicamente esgarçados, como expressa a sentença do ministro do Supremo Tribunal Federal, foi provavelmente uma estratégia para desestabilizá-lo emocionalmente, tornando-o vulnerável à suposta possibilidade de confessar crimes de que teria participado na administração Celso Daniel.


Aliás, a correlação de dois vetores completamente antagônicos — de que o assassinato teria como base o financiamento de campanha eleitoral que Celso Daniel pretendia barrar — moldou a chave do aprisionamento preventivo do empresário. Nada mais surrealista.


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