Não resisto a formular convite aos parentes do eterno prefeito Celso Daniel que, em novo aniversário de nascimento do mais ilustre membro dessa tradicional família de Santo André, na última sexta-feira, repetiram o velho e surrado ritual de requentar versões sobre o assassinato de janeiro de 2002.
Que tal se todos eles, irmãos e irmãs, e também os áulicos de sempre que engrossam as manifestações, se dessem a uma outra tarefa, mesmo que não abandonassem a original, porque ninguém é de ferro?
Que tal iniciarem algo como uma Fundação Celso Daniel para rastrear tudo que se referir à grande paixão do então prefeito, do ex-deputado federal, do futuro ministro do governo Lula da Silva, ou seja, a regionalidade do Grande ABC incrustrada na metrópole paulista?
Sim, isso mesmo. O que estamos fazendo e faz muitos anos no jornalismo, em parte sob inspiração do próprio Celso Daniel, eles, os parentes tão sofridos com a ausência de exuberante exemplar da inteligência regional, poderiam replicar no campo comunitário. Se se empenharem para valer no projeto como na tentativa de provar a tese de crime encomendado, asseguro por todos os juros que a memória de Celso Daniel será reverenciada sob aspectos muito mais luminosos do que a renitente busca de obscuro enredo descartado pela Polícia Civil.
Está certo que João Francisco, Bruno Daniel Filho e outros terão muitas dificuldades para reconstruir a trajetória político-administrativa de Celso Daniel. Foram anos e anos de distanciamento depois de entrevero do então prefeito com a mulher do irmão Bruno. O primeiro irmão, João Francisco, se mostrou preocupadíssimo durante o período posterior ao assassinato, provavelmente para recompor o lapso de tempo de convivência que sonegara.
Por mais que se entenda a dor da família quando defrontada com a data de aniversário de nascimento de Celso Daniel, por mais que se respeite a vereda de crime encomendado, por mais que se despreze eventual volúpia à notoriedade e à politização das manifestações naquela data, não se compreende a razão de o legado de Celso Daniel ser rigorosamente afastado de cogitações familiares.
Aliás, para aprofundar ainda mais a desconfiança de que Celso Daniel não tem recebido dos próprios familiares o desencadeamento histórico que provavelmente gostaria se testamento pudesse ter feito, a extensão de sua existência material em forma de uma filha comprovadamente portadora de suas características genéticas não encontra ressonância entre os irmãos.
Isso mesmo: a futura jornalista Liora Mindrisz ainda não tem o direito legal de eventualmente acrescentar o sobrenome de seu pai porque a família Daniel, segundo consta, ainda resiste a aceitar o desfecho do exame inicial de DNA. Basta olhar para Liora para ver Celso Daniel. Entretanto, isso não seria suficiente para demover seus tios do vínculo familiar legal, quanto menos de fato.
É possível que um ou outro venha a me acusar de ingerência familiar. Bobagem. Celso Daniel é um caso de domínio público em vida e em morte. Queira ou não, Liora Daniel ou Liora Mindrisz sempre será apontada como filha do maior prefeito que Santo André já teve. Seus passos serão seguidos na exata medida em que, eventualmente, ganhar notoriedade ou notabilidade. Aliás, como ocorre com seus tios refratários que, a reboque do irmão famoso, sobem na ribalta da espetacularização anual em 16 de abril. Quando não em um ou outro momento em que a mídia remexe pontos especulativos do assassinato.
Embora haja no Instituto Metodista uma cátedra em homenagem a Celso Daniel, a importância histórica do triprefeito de Santo André está muito longe do reconhecimento regional. A produção administrativa, gerencial e institucional que Celso Daniel gerou em 20 anos de atividades públicas mereceria maiores cuidados.
O Eixo Tamanduatehy, por exemplo, simboliza a magnitude visionária de um dirigente público que emergiu numa grande província e que, ao se deslocar mundo afora em busca de inspiração e conhecimentos para dar nova roupagem urbanística e econômica a Santo André, chegou a ser ridicularizado por adversários incapazes de vislumbrar a próxima esquina.
Já passou da hora de os irmãos começarem a entender a obra de Celso Daniel. Vai dar um certo trabalho, porque eles pouco se interessaram em vida pela trajetória do mais brilhante integracionista que o Grande ABC já teve. Mas será reconfortante, porque a memória de Celso Daniel vale muito mais pela abundância intelectual do que pela persistência policial.
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11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP