Lançamos um desafio aos leitores sobre o caso Celso Daniel, o prefeito de Santo André sequestrado e assassinado em janeiro de 2002. Talvez a expressão “lançamos um desafio” seja forte demais, mas é a mais provocativa para recomendar aos leitores que se debrucem para valer sobre as mais de duas dezenas de páginas que tratam do assunto.
Ouvimos o Ministério Público em Santo André em entrevista por e-mail. Fomos a São Paulo e, de forma inédita, o delegado titular do DHPP da Polícia Civil, que presidiu o inquérito, cedeu uma entrevista gravada de mais de três horas. Foi a primeira vez que o delegado falou tanto tempo e tão detalhadamente com um representante da mídia. Antes, como poucos sabem e outros fingem que desconhecem, estava proibido judicialmente de prestar informações.
Jamais nos escondemos no calabouço da hipocrisia institucionalizada da mídia nacional supostamente imparcial quando das abordagens do caso Celso Daniel. Tanto esta publicação como a newsletter Capital Social defendem que a versão de crime comum é a mais compatível com o desenrolar dos fatos. Por inúmeras razões que, nesta Reportagem de Capa, por desnecessárias, são desconsideradas. O que fizemos agora, nesta edição, foi ouvir detalhadamente as partes. E deixar para os leitores, com base nas informações transmitidas, o julgamento final.
Não foi por outra razão que, no “Editorial”, chamamos a atenção para a gravidade do fuzilamento peremptório de Sérgio Gomes, como a quase totalidade da mídia assim o perpetrou e a maioria dos brasileiros, se ouvidos em pesquisas, ratificaria. Prova eloquente das distorções de tratamento das informações, muitas das quais, embora importantíssimas, foram sumariamente descartadas.
O que mostramos sem subterfúgios de mídias malandramente contaminadas por pré-definições, é que o confronto de versões entre o Ministério Público e a Polícia Civil de São Paulo avaliza integralmente a percepção de que sobram dúvidas sobre a criminalização de Sérgio Gomes, o que, em última instância, o transforma em inocente que cumpriu sete meses de prisão arbitrária.
O leitor mais atento observará que a versão de crime comum constatada pela Polícia Civil oferece argumentos e provas sólidos. Em contraponto, os promotores públicos são enfaticamente profundos na qualificação de crime político, derivado de suposto esquema de propina.
Seriam os policiais do DHPP incompetentes, como sugerem os promotores?
Seriam os promotores públicos amadores e parciais, como afirma o delegado Armando de Oliveira?
Um ponto em particular — e há vários outros que devem ser rigorosamente avaliados pelos leitores — coloca em posição desconfortável os promotores públicos: enquanto negam a existência do comerciante do Ceagesp que, segundo os sequestradores presos, seria o alvo da investida que acabou por colher Celso Daniel, a Polícia Civil simplesmente tomou três depoimentos dele. E, com base nesses depoimentos, o fotografamos.
Será que os leitores teriam coragem de condenar Sérgio Gomes depois da leitura das páginas que apresentamos a seguir?
Será que os leitores continuarão, depois disso, a entregar-se a outras mídias com a confiança irrestrita e muitas vezes gataborralheiresca?
O caso Celso Daniel não é trabalho para amadores do jornalismo. Nem para profissionais qualificados mas oportunistas. A moeda político-partidária subjacente obscurece o senso de razoabilidade de, pelo menos, ouvir os dois lados e, daí, ter-se o direito e mesmo o dever de inferir conclusões.
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11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP