Caso Celso Daniel

Klinger, Rosângela, Ronan,
MP e Ivone depõem na CPI

DANIEL LIMA - 05/12/2005

Klinger Sousa, Ronan Maria Pinto e Rosângela Gabrilli depuseram em novembro na CPI dos Bingos sobre o caso Celso Daniel. O balanço final foi comemorado por todos eles. Klinger Sousa teve desempenho técnico que, independentemente de juízo de valor, mostrou o quanto a maioria dos senadores nem de longe se aproxima da didática de um professor universitário que conhece como poucos os meandros da administração pública. Ronan Maria Pinto praticamente se esgueirou de todas as perguntas com simplicidade. Rosângela Gabrilli incursionou por via idêntica de convencimento, com a diferença de que, ao contrário de Klinger e de Ronan, permeou desempenho pela enfática afirmação de que havia espécie de mensalão no setor de transporte coletivo de Santo André para abastecer suposto caixa dois da Prefeitura dirigida por Celso Daniel.


A fluvial convocação de personagens centrais do caso Celso Daniel começou de fato em 8 de novembro com o depoimento da viúva do prefeito assassinado, Ivone Santana, e se encerrou no dia 30 com os promotores públicos de Santo André, Amaro Thomé Filho e Roberto Wider Filho, além da delegada Elisabete Sato, que comanda a nova força-tarefa da Polícia Civil de São Paulo que, a pedido do secretário de Segurança Pública paulista, Saulo de Castro Abreu, reabriu as investigações.


A conclusão do festival de depoimentos é dramaticamente decepcionante: a CPI tem formato democrático mas no fundo, no fundo, dado o controle oposicionista claramente político-eleitoral, é um jogo de cartas marcadas pela subjetividade dos senadores tanto no questionamento quanto na interpretação dos relatos.


Os oposicionistas da CPI dos Bingos se deram mal com Klinger Sousa na sessão realizada em 17 de novembro. Ex-secretário de Serviços Municipais de Santo André, preferido de Celso Daniel na disputa da Prefeitura em 2004, Klinger Sousa superou todos os obstáculos. Com fluência verbal, adestramento informativo e consistência comportamental, respondeu enfaticamente a aspectos cruciais dos dois núcleos siameses traçados pela CPI — o suposto esquema de propina associado à versão do Ministério Público de que, juntamente com Sérgio Gomes e Ronan Maria Pinto, participou do mando do sequestro e assassinato de Celso Daniel.


Vísceras expostas
Com farta documentação, Klinger Sousa expôs todas as supostas vísceras do relacionamento entre o lobista João Francisco Daniel em defesa das empresas de transporte coletivo da família Gabrilli junto à administração de Celso Daniel. Klinger relatou que os Gabrillis protelaram seguidamente o cumprimento de cláusulas contratuais. E que teriam reagido às cobranças dele, então secretário, com a denúncia ao Ministério Público de supostas propinas como forma de blindarem penalidades previstas na concessão dos serviços de transporte público em Santo André.


A reprodução de trechos das fitas grampeadas pela Polícia Federal logo após o assassinato de Celso Daniel, cujos interlocutores são predominantemente funcionários do primeiro e do segundo escalão da Prefeitura de Santo André, foi um prato cheio para Klinger Sousa colocar contrapontos nas versões oposicionistas. O ex-supersecretário de Santo André explicou detalhadamente a contextualização dos diálogos telefônicos. Disse o que não é novidade alguma para quem conhece o caso Celso Daniel, mas que se tornou motivo de manchetes retardatárias da mídia que ainda não entendeu um dos pontos mais agudos do crime.


Trata-se do seguinte: havia nos primeiros tempos pós-morte de Celso Daniel deliberada linha de investigação da Polícia Civil no campo pessoal e administrativo, cujo foco principal era Sérgio Gomes da Silva. A decisão de definir-se prioritariamente por crime político-administrativo se explicava pelas características do caso e pelo passado que envolvia Sérgio Gomes na administração de Celso Daniel. A Polícia Civil elegeu Sérgio Gomes o principal suspeito do crime porque mantinha relações muito próximas com Celso Daniel, estava no local do arrebatamento do prefeito, foi deixado de lado pelos criminosos e também porque, dois anos antes, oposicionistas de Celso Daniel denunciaram irregularidades administrativas mais tarde desconsideradas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.


Sérgio Gomes passou por todas as baterias de desconfiança da Polícia Civil, mas as investigações iniciais irritaram demais o PT, desconfiado de que a ação era retaliadora porque membros do partido fizeram pronunciamentos ácidos ao estágio de abandono da Segurança Pública naquele período no Estado de São Paulo governado pelo PSDB. Ou seja: como se vivia ano eleitoral, em que a presidência da República e o governo do Estado estavam em disputa, a conotação de crime político-administrativo ganhava condimento especial. Principalmente porque foi o PT que iniciou a partidarização do assassinato ao criticar veementemente os índices de criminalidade de uma Grande São Paulo de múltiplos sequestros e assassinatos, confirmados por estatísticas da Secretaria de Segurança Pública.


Denúncia vazia
Primeiro a ser ouvido, Ronan Maria Pinto bateu persistentemente na mesma tecla, para frustração dos senadores: a denúncia de propina no setor de transporte público de Santo André não tem sustentação. Detentor de perto de 60% das linhas de ônibus locais, Ronan Maria Pinto disse também que jamais fez doações a campanhas eleitorais. Provavelmente porque em larga escala conhecem os meandros de financiamentos eleitorais, não faltou certo ar de incredulidade entre os senadores. Mesmo nos melhores endereços do Primeiro Mundo as regras eleitorais não conseguem impedir impropriedades arrecadatórias.


Não faltou quem procurasse derivar o questionamento para outros territórios, como as relações de duas empresas de Ronan Maria Pinto, a Agipar e a Roanake, com sócios de uma offshore no Uruguai. Parte dos recursos (R$ 68,2 milhões) teriam retornado ao Brasil em forma de financiamento de campanhas eleitorais. Ronan negou.


Rosângela Gabrilli compareceu à CPI uma semana depois, em 23 de novembro. Ela reafirmou o que denunciou aos promotores públicos de Santo André cinco dias depois do assassinato do prefeito: contribuiu para esquema de cobrança de propina na gestão de Celso Daniel. Chorosa, Rosângela Gabrilli falou o tempo todo em nome do pai Ângelo Gabrilli, supostamente sem condições de saúde para comparecer a Brasília e de fato o comandante das empresas de transporte da família, a Expresso Guarará, durante o período de supostas irregularidades em Santo André.


Diferentemente de outras situações, provavelmente instruída a carregar nas tintas de acusação contra Ronan Maria Pinto, Klinger Sousa e Sérgio Gomes da Silva, Rosângela Gabrilli preferiu chamar de extorsão o que anteriormente mencionava como propina. A Expresso Guarará teria pago, de 1997 até dezembro de 2001, R$ 550 mensalmente por ônibus que trafegava em Santo André, o que totalizava R$ 40 mil. Disse que era exigido dinheiro vivo, mas por um período os empresários do setor fizeram depósitos na conta de Sérgio Gomes.


Crime comum
Ouvida na tarde de 8 de novembro na CPI dos Bingos, a viúva Ivone Santana reafirmou posição expressa desde que se começou a especular sobre a possibilidade de crime de mando de Celso Daniel: ela não acredita em motivação política e desqualificou o tom que oposicionistas dão às gravações telefônicas em que surge como interlocutora de membros da administração de Santo André.


Ivone Santana também foi enfática ao recusar a versão de que Celso Daniel preparara um dossiê para denunciar desvios na Prefeitura de Santo André: “Por que ele faria um dossiê se tinha autonomia para agir?” — indagou. E reclamou do Ministério Público, que jamais a chamou para prestar informações.


Encerrando novembro, dia 30, os promotores públicos fizeram amplo relato aos senadores. Roberto Wider foi enfático, outra vez, na acusação a Sérgio Gomes como mandante do crime. “O que ocorreu foi um desacerto no esquema de corrupção em Santo André. O Celso Daniel concordava que o dinheiro arrecadado com propina na Prefeitura fosse dirigido para o caixa dois das campanhas do PT, mas, quando soube que a verba estava sendo desviada do partido e quis apurar tais desvios, foi assassinado” — argumentou Wider.


Mais uma fez os promotores desclassificaram as investigações da Polícia Civil de São Paulo, que chegou à conclusão de que o crime é comum. No dia seguinte, o delegado titular do DHPP, Armando de Oliveira, preferiu responder com o conteúdo da entrevista exclusiva que concedeu a LivreMercado de novembro: ele considera os promotores de Santo André amadores e parciais.


Presente à CPI dos Bingos na mesma sessão, a delegada Elisabete Sato, que comanda a reabertura do inquérito policial, foi mais reticente do que específica nas intervenções. Chegou a sugerir a possibilidade de haver mais criminosos na operação de sequestro de Celso Daniel. A versão de crime encomendado não está descartada, embora não dissesse que Sérgio Gomes esteja de fato envolvido.


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