Caso Celso Daniel

Entenda como se construiu
a história de crime político

DANIEL LIMA - 05/01/2006

A história que se segue é uma associação de várias fontes de informações. Do Ministério Público instalado em Santo André a interpretações jornalísticas. De testemunhos diversos, também. Nada que não tenha sido publicado ou declarado a emissoras de rádio, de televisão, na CPI dos Bingos. É essa a história que transforma o empresário Sérgio Gomes da Silva inapelavelmente no mentor do assassinato do prefeito Celso Daniel.


Tudo começou na noite de 18 de janeiro de 2002. Sérgio Gomes apanhou Celso Daniel em seu apartamento. Conforme o combinado, iriam jantar em São Paulo, no Restaurante Rubaiyat, como o faziam de vez em quando. Desta feita, Sérgio Gomes preparava uma armadilha. Iria sequestrar o prefeito. Era a resposta de uma ação organizada em conjunto com dois amigos, o também empresário Ronan Maria Pinto e o secretário de Serviços Municipais da Prefeitura de Santo André, Klinger Sousa.


Celso Daniel seria sequestrado e morto porque detinha um dossiê volumoso que relatava e provava série de irregularidades na Prefeitura de Santo André. Ele confiara a Sérgio Gomes e a Klinger Sousa, mais próximos de seu relacionamento, e também a Ronan Maria Pinto, amigo de seus amigos, o caixa dois que lubrificava as engrenagens eleitorais do Partido dos Trabalhadores. Era dinheiro sagrado, reservadamente arrecadado para levar o eterno candidato Lula da Silva à presidência da República.


Celso Daniel descobrira que estavam lhe passando para trás. Que boa parte dos recursos se destinava ao caixa três, ao caixa quatro, ao caixa cinco, sempre com as digitais de amigos de empreitada mais que discreta. Sérgio Gomes fora avisado por Klinger Sousa e por Ronan que a vaca estava indo para o brejo. Que o prefeito descobrira tudo e que, portanto, era indispensável dar-lhe corretivo porque ele, prefeito, colocara em risco o sucesso de cada um. Tomar-lhe o dossiê era questão de vida ou morte.


De última hora 


Foi por isso que Sérgio Gomes agendou jantar de última hora com o prefeito. Tão de última hora que Celso Daniel nem teve tempo de registrar o compromisso na agenda. Quando Sérgio Gomes apanhou Celso Daniel na Rua Santo André naquele começo de noite de 18 de janeiro, não havia risco à iniciativa porque o prefeito dispensou seu segurança a pedido de Sérgio Gomes. Ele acreditava na fidelidade de Sérgio Gomes. Conheceu-o em 1988, em plena campanha eleitoral de sua segunda tentativa de chegar ao Paço Municipal. Sérgio Gomes foi apresentado por seu irmão, Bruno Daniel, como colaborador de campanha.


Sérgio Gomes e Celso Daniel foram jantar em São Paulo. Sérgio Gomes carregava no banco traseiro da Pajero alguns milhares de dólares para recompensar de imediato, com espécie de sinalização do acordo, os sequestradores que iriam agir mais tarde. Dizem uns que foram US$ 40 mil, outros falam em muito mais. O dinheiro estava numa bolsa de couro que Sérgio Gomes, descuidadíssimo, deixou no banco traseiro de um veículo que, ao chegar ao restaurante, entregou aos cuidados de manobristas.


Decidido a tornar um inferno a noite de Celso Daniel naquela sexta-feira, Sérgio Gomes o irritou durante todo o jantar. Um dos garçons que os serviram notou que o ambiente estava carregadíssimo. Celso Daniel tomava Coca-Cola em garrafa de vidro com evidente desconforto. Sérgio Gomes bebia garrafa de vinho afobadamente. Falavam coisas estranhas. O garçom ficou desconfiadíssimo. Antes de deixarem o estabelecimento, Sérgio Gomes pegou discretamente o celular e fez uma ligação. Do outro lado da linha estava o chefe da quadrilha que sequestraria Celso Daniel. Deu o sinal de que estava deixando o restaurante.


O telefonema de Sérgio Gomes era a senha. A quadrilha se posicionou na região dos Três Tombos, Vila das Mercês, a caminho da Via Anchieta, por onde Sérgio Gomes passaria com a Pajero e Celso Daniel. Será que o prefeito desconfiaria do itinerário? Qual nada. Sérgio Gomes sempre dirigia o veículo quando saia com Celso Daniel que jamais o questionou sobre escolhas viárias. Não seria dessa vez, portanto, que sobreviria alguma desconfiança. Quando Celso Daniel se desse conta da escolha, já seria tarde. O que estava em jogo era o dossiê incriminatório aos chamados “Três Mosqueteiros”.


Quando Sérgio Gomes pisou no acelerador da Pajero de câmbio automático em direção aos Três Tombos, a preocupação era conferir se a bolsa com os milhares de dólares estava no banco traseiro. Estava. Enquanto conversava sobre o novo posto que Celso Daniel exerceria no PT, de coordenador do programa de governo do então candidato Lula da Silva, algo que entusiasmava o prefeito de Santo André, os pensamentos de Sérgio Gomes estavam fixos nos sequestradores que contratou para a operação que se desencadearia dali a três dezenas de minutos.


Golpe de mestre 


Sérgio Gomes procurava demonstrar tranquilidade. Seu sangue frio permitiu que desse um golpe de mestre no dia anterior. Numa operação espetacular, patrocinou o resgate de Dionísio de Aquino Severo da Penitenciária de Guarulhos. Dionísio, chefe da quadrilha de sequestradores contratada para arrebatar Celso Daniel, não poderia continuar preso. A ação dependia de sua liderança, de seus conhecimentos práticos. Por isso, quando a mídia divulgou na tarde daquela quinta-feira, 17 de janeiro, que um bandido escapou da prisão, juntamente com um comparsa, Sérgio Gomes sorriu aliviado. O plano minuciosamente traçado já começava a funcionar.


Sérgio Gomes jamais levou em conta a possibilidade de Dionísio de Aquino Severo virar problema. Havia pelo menos uma testemunha em Santo André, o ex-vice-prefeito petista, José Cicote, inimigo de Celso Daniel, que o conhecera na Prefeitura, onde Dionísio atuara como segurança. Mais que isso: Dionísio namorara a já então mulher de Sérgio Gomes, Adriana Pugliese. É claro que ninguém se lembraria disso, muito menos o inimigo Cicote.


Enquanto dirigia a Pajero, Sérgio Gomes imaginava as próximas horas. Tivera informações de que os sequestradores haviam alugado uma chácara em Juquitiba. Ali, Celso Daniel seria torturado até dizer aonde guardara o dossiê denunciatório. Para evitar dores de cabeça, dossiê apontado, Celso Daniel seria executado. Não se poderia facilitar eventual denúncia pública. Quando a Pajero foi abalroada pelos sequestradores, Sérgio Gomes decidiu teatralizar a operação. Fez manobras supostamente para enganar os sequestradores que ocupavam três veículos, um dos quais, de supervisão, sob a orientação de Dionísio de Aquino Severo.


Era preciso dar veracidade à ação dos bandidos. Por isso Sérgio Gomes combinou com a quadrilha que o vidro dianteiro lateral do motorista fosse metralhado. Depois, os vidros laterais dianteiros e traseiros de Celso Daniel. O arrebatamento de Celso Daniel não poderia se dar sem que a Pajero fosse integralmente interceptada.


Apenas simulação


Sérgio Gomes simulou problema mecânico no câmbio automático que impedia a movimentação do veículo. Agora só faltava Celso Daniel ser retirado do veículo. Sérgio Gomes não só abriu a trava da porta de Celso Daniel como o chutou várias vezes para que fosse apanhado pelos sequestradores.


Mas tudo isso ainda era pouco. Não se podia correr risco de falha operacional. Por isso Sérgio Gomes se juntou aos bandidos para orientá-los sobre detalhes que pudessem agilizar o arrebatamento. Enquanto o prefeito era levado a um dos veículos dos sequestradores, Sérgio Gomes apanhou o celular para ligar a alguns amigos e comunicá-los sobre o sucesso da empreitada. Celso Daniel já era.


Carregado dali, pouco mais de 24 horas depois foi executado com oito tiros. Antes disso, foi barbaramente torturado para confessar o destino do dossiê. Klinger Sousa foi visto adentrar na manhã de sábado com uma estranha mulher no apartamento de Celso Daniel. Estaria atrás do dossiê, enquanto Celso Daniel permanecia sequestrado.


A sequência dos acontecimentos provou que Sérgio Gomes era o cabeça de ponte de um crime encomendado. A calça bege que ele disse que o prefeito vestia não era a mesma quando o corpo foi encontrado numa estrada vicinal em Juquitiba. Celso Daniel vestia jeans azul.


Sete testemunhas foram mortas nos meses subsequentes. Inclusive o garçom do restaurante da última ceia. Dionísio morreu na cadeia, depois de ter confessado a um delegado que participara do sequestro a mando de Sérgio Gomes. Até o agente funerário que recolheu o corpo de Celso Daniel na terra de chão batido não escapou da morte. Um investigador de Polícia também foi assassinado. Até o legista que examinou o corpo e disse, três anos depois, que Celso Daniel fora torturado, foi encontrado morto, provavelmente envenenado. Os irmãos de Celso Daniel, João Francisco e Bruno Daniel, correram aos jornais para pedir proteção. Eles seriam os próximos.


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