Caso Celso Daniel

Como entender depoimentos
conflitantes dos irmãos?

DANIEL LIMA - 05/01/2006

Os irmãos João Francisco Daniel e Bruno José Daniel Filho transformaram o caso Celso Daniel em depositário de mentiras, ou então suas declarações são lembranças retardatariamente seletivas. Estaria João Francisco Daniel dizendo a verdade quando afirmou que, em setembro de 2001, quatro meses antes da morte de Celso Daniel, ouviu de Miriam Belchior, ex-mulher do prefeito e então secretária municipal, que havia mal-estar na administração de Santo André? A base do descontentamento seria o fato de que Celso Daniel teria descoberto esquema de propina na Prefeitura, liderado pelo então secretário Klinger Sousa, com a participação de Sérgio Gomes, espécie de primeiro amigo do prefeito, e o empresário Ronan Maria Pinto.


João Francisco não estaria mentindo quando disse à Imprensa, tempos depois da morte de Celso Daniel, que o prefeito teria sido morto porque se rebelou contra suposta rede de propina, da qual discordava? Mais tarde, mudou a versão: disse que Celso Daniel sabia do esquema de propina, tolerava-o, mas foi assassinado porque descobriu desvios. Uma terceira versão surgiu tempos depois: o Ministério Público, com base em depoimento de uma ex-diarista, anunciou que Celso Daniel participava do esquema de propina diretamente, já que teriam sido encontrados três sacos plásticos de dinheiro na área de serviço do apartamento do prefeito.


Mas as mentiras ou as lembranças seletivamente retardatárias não param por aí. Na CPI dos Bingos, em depoimento prestado em outubro último, João Francisco disse que Celso Daniel lhe confidenciou, cinco dias antes do assassinato, que estava preocupado com a segurança pessoal por causa de supostos desentendimentos que teria tido com o secretário Klinger Sousa, numa igualmente suposta discussão no Paço Municipal. João Francisco e Bruno Daniel também disseram à CPI dos Bingos que Gilberto Carvalho, hoje chefe de gabinete do presidente Lula da Silva e ocupante de posto semelhante no governo Celso Daniel, lhes teria confessado, num encontro em sua residência, enquanto degustava pedaços de bolo de aipim, que carregou R$ 1,2 milhão do suposto esquema de propina no Corsa de sua propriedade e os entregou a José Dirceu, então um dos principais dirigentes da cúpula petista que pretendia chegar ao governo federal.
Afinal, quais são as provas de que os irmãos Daniel participam ativamente de duas faces improváveis do caso Celso Daniel, o suposto esquema de propina de um lado, o assassinato de outro? Simples: apesar de toda a lista de supostas informações que detinham, tanto João Francisco quanto Bruno Daniel não fizeram qualquer denúncia à Polícia Civil nos dias que se seguiram ao assassinato de Celso Daniel. João Francisco foi ouvido pelos delegados Armando de Oliveira, titular do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) em depoimento tomado pelo também delegado José Masi, no dia três de fevereiro de 2002. Os principais trechos das declarações de João Francisco Daniel são a melhor prova de que o irmão mais velho de Celso Daniel é no mínimo um grandioso ponto de interrogação:


(…) Quanto ao relacionamento pessoal, Celso desde criança era reservado, e o depoente recorda-se que nas oportunidades em que chegaram a vir a São Paulo para assistir algum jogo de futebol no Pacaembu, Celso Daniel tinha o costume de trazer um livro e lê-lo no intervalo; que, indagado já na vida adulta quanto ao relacionamento entre o depoente e seu irmão, respondeu que havia um certo distanciamento devido a dois motivos: o primeiro gerado pelo fato de o depoente haver se casado logo aos 23 anos (…) e o segundo teria a residência do depoente, no Município de Santos, afastado de sua família original; que politicamente falando, existiam as divergências naturais do relacionamento entre dois irmãos, diferenciando-se a opinião política da ligação fraterna, esta inabalável (…); que o depoente não participou ativamente de nenhuma campanha de Celso Daniel (…) muito embora sempre tivesse votado no irmão (…); que durante os mandatos do irmão, o depoente apenas compareceu ao Paço Municipal por duas vezes, para tratar de assunto pessoal (…); que, a nível familiar, o depoente se recorda que recebia ligações telefônicas de seu irmão, muitas vezes solicitando seus préstimos de profissional médico ou a indicação de algum colega médico que o pudesse atender em alguma área específica; que, quanto a ida em festas um na casa do outro, isto ocorreu poucas vezes quanto ao depoente em relação a Celso, visto que na residência de Celso era apenas um a dois aniversários e na casa do depoente existiam cinco aniversários (…); que, indagado ao depoente se em algum momento antes do cometimento do crime que ceifou sua vida, Celso Daniel teria se manifestado consigo, irmão mais velho, sobre qualquer ameaça ou desavença partida vinda de onde viesse, manifestou-se no sentido de que nada lhe foi falado por seu irmão; que, indagado da última vez que esteve com seu irmão em vida, respondeu que foi em 08/12/01, aniversário de sua genitora, e a conversa girou sobre uma viagem que tanto o depoente quanto Celso efetuaram à Europa durante o mês de outubro/2001(…); indagado do relacionamento entre Ivone Santana e Celso Daniel, o depoente informou que por duas vezes os casais vieram em restaurantes em São Paulo, e foram viajar para a Itália por duas vezes, nada percebendo e nada ocorrendo que demonstrasse qualquer divergência no casal Celso e Ivone; que Celso Daniel também não lhe transmitiu qualquer divergência que pudesse ter ocorrido envolvendo sua pessoa e o seu secretariado; que o depoente também não recebeu, seja em seu endereço residencial como no comercial, qualquer mensagem ou menção que poderia ocorrer algum tipo de atentado contra Celso Daniel e as pessoas a si ligadas (…).


Agora, alguns trechos do depoimento de Bruno Daniel Filho aos mesmos delegados do DHPP, dia 22 de fevereiro de 2002:


(…) que, indagado de seu relacionamento pessoal com Celso Daniel, disse que foi intenso até 1989, havendo um esfriamento após aquele ano, por divergências políticas, e nunca por relacionamento familiar; que o depoente esclarece que até 1989 a relação era mais intensa, inclusive por causa do trabalho partidário, e posteriormente manteve-se apenas o relacionamento familiar e social; que, indagado se Celso Daniel utilizava-se do depoente como uma espécie de confidente pessoal, informou que Celso Daniel era muito reservado, não mantendo qualquer conversa a ponto de transmitir ao depoente fatos íntimos de sua vida (…); que, em seus contatos com seu irmão, em nenhum momento o mesmo lhe transmitiu que houvesse estar sofrendo qualquer tipo de ameaça contra a sua vida (…).


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