Administração Pública

Clube dos Prefeitos chega atrasado
demais para aliviar caos no trânsito

DANIEL LIMA - 07/11/2011

Está no noticiário que o Clube dos Prefeitos vai se reunir nesta manhã de segunda-feira para tomar algumas medidas para minimizar o caos viário na Província do Grande ABC. Quem se utiliza de transporte coletivo ou de veículo próprio certamente perguntará se o encontro não está atrasado. A resposta é simples: atrasadíssimo, atrasadíssimo e atrasadíssimo. Pior: sem possibilidade de melhora estrutural nos próximos tempos. Muito pelo contrário.

Quem mandou deixar as raposas do mercado imobiliário (incluam entre as raposas executivos públicos permissivos na aprovação de projetos e liberação de habite-se nem sempre éticos, nem sempre transparentes) tomarem conta do galinheiro da qualidade de vida da região. Quem mandou?

Estamos chegando a tal ponto que passaremos a contar com praticamente todas as desvantagens viárias da Capital tão próxima, sem a contrapartida das virtudes da Cinderela paulistana, ou seja, uma série de serviços sofisticados de uma cidade cosmopolita. Seremos ainda mais uma Gata Borralheira encalacrada nas ruas e avenidas.

A velocidade dos estudos e das ações no sistema viário que partem do Clube dos Prefeitos é de tartaruga, enquanto os problemas se avolumam celeremente.

Reparem no entorno

Basta uma olhadinha para cima e para os lados em qualquer rua e avenida de áreas centrais e de bairros próximos para três conclusões, que, evidentemente, os triunfalistas ignoraram ou fingem ignorar: há prédios de apartamentos colados demais entre si e com pavimentos demais a agredir o bem-estar dos moradores; há prédios de apartamentos demais em construção, a desafiar a demanda já em declínio; e há veículos potencialmente em excesso e cada vez mais arredios a ocupar aquelas ruas e a irradiar complicações nas redondezas.

Tudo isso sob vistas grossas da maioria dos administradores públicos. Principalmente em São Bernardo e em Santo André. Em São Bernardo porque os efeitos de uma legislação excessivamente mercadista ainda perduram, enquanto um novo Plano Diretor que pretende colocar ordem na bagunça e nas safadezas está em fase de aprovação. Em Santo André porque a farra do boi não tem limites e, se for confirmado o noticiário, edifícios de 30 andares passarão a ser rotina.

Desenvolvimento econômico?

Uma das bobagens que a maioria dos observadores da cena econômica da Província do Grande ABC comete no entusiasmo de quem pretende transmitir a ideia de que vivemos no melhor dos mundos é traduzir tantos prédios ainda em obras e outros tantos já ocupados em desenvolvimento econômico.

Primeiro porque a verticalidade de moradias é compreendida por especialistas como fenômeno sem garantia de enraizamento socioeconômico sustentável. Haja vista o que se deu e ainda se dá nos Estados Unidos e em vários endereços da União Européia, que caíram no conto do milagre imobiliário e hoje vivem duríssima recessão.

Segundo porque os indicadores macronacionais colocam a Província do Grande ABC bem distante dos melhores endereços de investimentos imobiliários.

Estamos perdendo feio a corrida de valorização de imóveis porque não conseguimos seguir o ritmo de investimentos produtivos de municípios brasileiros descobertos por empreendimentos industriais, principalmente. Não é à-toa que perdemos em valor de metro quadrado até para a periferia da Capital tão próxima.

Os ufanistas de sempre, principalmente os mais próximos da Associação dos Construtores, lobby montado e mantido pelo personalismo de Milton Bigucci, remetem publicitariamente o baixo preço do metro quadrado à condição de vantagem regional, quando, apesar de toda a especulação, é o retrato de nossa queda de mais de duas décadas de geração de riqueza.

A evolução do PIB (Produto Interno Bruto) da Província do Grande ABC perde de goleada para a maioria dos municípios das regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas, Sorocaba, Vale do Paraíba e Baixada Santista. Cansamos de produzir estudos sobre o assunto. Basta clicar PIB ou algo semelhante no mecanismo de busca desta revista digital para conferir. Em outros endereços impressos e eletrônicos o leitor vai perder tempo. Vigora por estas plagas um tratado de esconder os problemas e enaltecer eventuais virtudes. Jornalismo provinciano é isso.

Não é à-toa, portanto, que os paulistanos das periferias da Capital que não podem se aventurar em moradia própria descobriram as terras da Província do Grande ABC — como não cansam de afirmar os dirigentes imobiliários.

Nesse ponto, Milton Bigucci, que defende a verticalização de prédios a alturas quilométricas como símbolo de modernidade e de ajeitamento populacional, cai em contradição.

Afinal, ele argumenta que elevar a densidade ocupacional de apartamentos em regiões centrais dos municípios da Província do Grande ABC manteria mais pessoas próximas dos respectivos empregos e de uma estrutura já consolidada de serviços públicos.

Pura bobagem. Os empregos dos paulistanos que veem morar na Província, principalmente dos paulistanos de classe média-baixa, continuam na Capital. Eles, os novos proprietários de apartamentos, já congestionam nossas ruas e avenidas de manhã e no final do dia para transporem a distância que os separam do trabalho.

Recentes estudos de mobilidade urbana em regiões metropolitanas, realizados pelo Ipea, instituição do governo federal, confirmam a centralidade de cidades-sede em detrimento do colar de municípios que as cercam. A Província do Grande ABC faz parte do colar metropolitano que gira em torno da cidade de São Paulo.

Tudo isso porque a Província do Grande ABC não conta com um setor de serviços de valor agregado como a Capital e, portanto, não oferecer empregos cujos salários possam atrair moradores que invadem nosso espaço aéreo e deixam um rastro de engarrafamentos lá embaixo.

Operação Compartilhada

O que o Clube dos Prefeitos vai realizar com a chamada Operação Compartilhada é, se tudo for efetivamente a campo, tratar um quadro de hemorragia com esparadrapos.

É até possível que alguma coisa melhore circunstancialmente nas principais ruas e avenidas da região, porque o que se tem é um descaso monumental com a sorte dos motoristas. Mas, por mais engenhosos que se mostrem os responsáveis pela iniciativa, é impossível dar conta do recado.

O que está ruim se tornará pior porque o problema é estrutural, situação que exige investimentos públicos elevadíssimos. Estamos no limiar da ocupação de milhares de novos apartamentos, todos em fase final de construção. Os mercadistas imobiliários ficam com os lucros e os contribuintes com o ônus de impostos que suportarão eventuais investimentos em infraestrutura urbana.

Só no entorno do Paço Municipal de São Bernardo, segundo projeções oficiais, o impacto da vergonha da liberalidade que marcou a ocupação de vários empreendimentos, principalmente nas demolidas instalações da Tecelagem Tognato, na Avenida Pereira Barreto, somará 50 mil pessoas e 20 mil veículos nos horários de pico.

O noticiário dá conta do despreparo das administrações públicas locais para pegar o touro dos engarrafamentos à unha. Escreveu o Diário do Grande ABC que a primeira medida do projeto do Clube dos Prefeitos é a comunicação compartilhada, mas não haveria central única para controlar todo o trânsito nos sete municípios. “Na realidade, as companhias de tráfego vão se comunicar por meio dos métodos já existentes, como via rádio, celular, telefone e internet” — escreveu o jornal. E continuou: “Por exemplo, se vier a ocorrer um acidente no bairro de Piraporinha, em Diadema, as centrais de Santo André e São Bernardo serão informadas rapidamente, o que reduzirá os reflexos”, explicou Andrea Brisida, coordenadora do Grupo de Trabalho de Mobilidade do Clube dos Prefeitos, e funcionária da Prefeitura de São Bernardo.

Repararam na tecnologia preparada para dar combate a um dos maiores inimigos da qualidade de vida na Província do Grande ABC?

Também se projetam restrições à circulação de caminhões, algo implantado em algumas áreas de Diadema, mas do jeito que tudo está caminhando o que parecia uma piada de mau gosto num passado ainda recente ganha cada vez mais cores de necessidade: a implantação de rodízio de veículos. Possivelmente algum aventureiro vai dizer que isso é sinal de progresso, de dinamismo econômico, porque alcançamos a cinderelesca Capital.

Acesso à indecência

A porta da indecência de uso e ocupação do solo regional já foi arrombada. Só não fora antes, em outras administrações públicas, porque as condições de financiamento de imóveis e de empregabilidade não se apresentaram favoráveis ao esticamento do comprometimento da renda de milhares de famílias. A enxurrada de novos empreendimentos mostrou o quanto há de permissivo e nocivo nas relações entre empresários do setor, sempre alvos de escândalos que a Imprensa esconde porque tem interesses publicitários, e gestores públicos.

Não é preciso repetir que quem vai pagar a conta de investimentos sempre minimizadores do caos instalado são os contribuintes. Algo que tanto o prefeito José Auricchio Júnior quanto Luiz Marinho procuram readequar com a implementação de contrapartidas dos empresários imobiliários, obrigando-os a destinarem recursos financeiros para compensar a sanha por maior utilidade física dos terrenos. São as chamadas outorgas onerosas. Que não passam de um acinte na visão materialista do presidente da Associação dos Construtores, Milton Bigucci, acostumado com as benesses legislativas que levaram a Província ao estado de paralisia viária.

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