Os jornais de dois de março de 2002 anunciaram as prisões da Polícia Federal das quais o delegado José Pinto de Luna participou — os sequestradores Itamar Messias dos Santos, o Olho de Gato, e Rodolfo Rodrigo dos Santos, o Bozinho. O Diário do Grande ABC abriu o título principal da página 5 do Caderno Grande ABC: “Presos mais dois no caso Celso”. O Estadão abriu o Caderno Cidades com “PF prende Itamar, acusado de matar Daniel”. A Folha de S. Paulo preferiu o título principal do Caderno Cotidiano com uma inflexão: Daniel foi pego por acaso, dizem suspeitos”.
Quarenta dias separam aquelas manchetes de dois de março e a decisão do presidente Fernando Henrique Cardoso de colocar a Polícia Federal no caso Celso Daniel. Celso Daniel ainda estava sequestrado no sábado, 19 de fevereiro, quando FHC determinou que a PF fosse acionada para ajudar nas investigações. A orientação foi feita ao ministro da Justiça Aloysio Nunes Ferreira, que viajou a São Paulo para acompanhar de perto a ação da Polícia.
Já na tarde daquele sábado do sequestro o delegado Gilberto Tadeu, assessor de Imprensa da PF, afirmava que as primeiras investigações praticamente descartavam a hipótese de crime político. “As informações apontam para um crime de oportunidade”– disse. Era de interesse do governo federal e também do governo estadual, tucanos, amenizar as primeiras críticas do PT ao quadro de debilidade da segurança pública na Grande São Paulo.
Então candidato potencial à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva manteve contatos com Fernando Henrique Cardoso, quando tomou conhecimento das medidas adotadas pelo governo federal para investigar o sequestro e manifestou preocupação com atentados sofridos por integrantes do PT. Lula citou dois episódios: o assassinato do prefeito de Campinas, Antonio Toninho da Costa Santos, e a explosão de uma bomba na casa do prefeito de Embu, Geraldo Cruz.
A politização do sequestro de Celso Daniel pelo PT saltou para as páginas de jornais e para o noticiário da mídia eletrônica no mesmo sábado em que não se sabia o destino do prefeito. A então prefeita petista de São Paulo, Marta Suplicy, estava indignada: “A Capital chegou ao limite de tolerar, de conviver com essa onda de violência e sequestro. Providências mais sérias têm de ser tomadas. O governador Geraldo Alckmin tem de agir. Ninguém aguenta mais” — desabafou Marta no Paço Municipal de Santo André num começo de ano que programava eleições governamentais e presidenciais para outubro.
Dois dias depois do crime, jornais abriram manchetes para o que chamavam de crise da segurança pública. Tanto que Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva mantiveram encontro em Brasília. Os jornais do dia seguinte estamparam fotos do aperto de mãos. O gesto definia a concordância de que o combate ao crime organizado só seria eficaz com ações coordenadas dos três níveis de governo: federal, estadual e municipal. “O combate à violência está acima de questões partidárias” — disse o presidente FHC.
Na sexta-feira, 25 de janeiro de 2002, o governador Geraldo Alckmin ocupou os jornais para se defender da avalanche de críticas, principalmente petistas, à insolvência da segurança pública no Estado. “Precisamos agir na questão social, senão a Polícia vai ficar enxugando gelo”, disse Alckmin. E recorreu a uma frase do papa Paulo VI, em 1967, para sugerir a saída: “Sem desenvolvimento econômico não há paz”.
A dupla de sequestradores presa pela Polícia Federal no começo de março de 2002 voltava de Camaçari, na Bahia. Itamar Monstro e Bozinho viajavam em um ônibus na Via Dutra quando foram surpreendidos pela Polícia na parada do veículo em um restaurante de um posto de combustível em Aparecida (167 quilômetros de São Paulo).
Os primeiros tempos de investigações da Polícia Federal e da Polícia Civil foram marcados por hostilidade. Dirigentes petistas chegaram a denunciar arbitrariedades. Vazamento de informações à Imprensa acabaram por contaminar as relações entre Polícias e PT, principalmente porque associava-se Sérgio Gomes da Silva e suposto esquema de desvios de recursos da Prefeitura de Santo André ao assassinato do prefeito. Mais tarde se soube que eram os promotores públicos que informavam a mídia sobre a possibilidade de crime encomendado. Ironicamente, tanto a Polícia Federal quanto a Polícia Civil de São Paulo, ainda durante os governos federal e estadual do PSDB, acabaram por concluir pela ocasionalidade do crime.
Menos o Ministério Público de Santo André que, por determinação do então Procurador-Geral da Justiça, Luiz Antônio Guimarães Marrey, mandou reabrir as investigações e retirou Sérgio Gomes da Silva da condição de vítima para mandante do crime. Marrey virou secretário de Negócios Jurídicos do prefeito José Serra, derrotado nas eleições presidenciais de 2002.
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11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP