Caso Celso Daniel

TJ manda arquivar processo
do MP contra Donisete Braga

DANIEL LIMA - 05/04/2006

Praticamente dois anos depois de ser levado de forma sensacionalística às manchetes de jornais e do noticiário eletrônico como possível participante da morte do prefeito Celso Daniel, o deputado estadual Donisete Braga teve processo arquivado por unanimidade pelos 25 desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. A decisão tomada em 16 de março mereceu da mesma mídia quase que completa omissão, como outros fatos que comprovam que o caso Celso Daniel está vinculado às investigações das Polícias Civil e Federal como crime comum e não crime de encomenda, como sustentam promotores criminais de Santo André. Sérgio Gomes da Silva, acusado pelo MP como um dos mandantes do crime, estava preso quando estourou a notícia envolvendo Donisete Braga.


O drama do petista que tem base eleitoral em Mauá ganhou as páginas de jornais em 20 de maio de 2004 e pode ser resumido nas primeiras linhas da manchete de página do Estadão sob o título “MP investiga deputado do PT por morte de Daniel”. O trecho condensador da odisséia que Donisete Braga enfrentaria:


 Rastreamento telefônico, depoimentos contraditórios e dinheiro que passou por uma conta do suposto esquema de corrupção na Prefeitura de Santo André levaram ontem o Procurador-Geral de Justiça, Rodrigo César Pinho, a decidir pela abertura de inquérito para investigar o envolvimento do deputado estadual Donisete Braga na morte do prefeito Celso Daniel. É atribuição do chefe do Ministério Público promover esse tipo de apuração. O inquérito correrá no Tribunal de Justiça. Vai ser pedida quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônica de Braga — escreveu o Estadão.


Os jornais relataram que entre os indícios apresentados pelos promotores criminais do Gaerco (Grupo de Atuação Especial Regional para a Prevenção e Repressão ao Crime Organizado) do ABC estava a possibilidade de o parlamentar ter estado na região de Taboão da Serra e Embu, municípios próximos a Juquitiba, onde Celso Daniel foi mantido em cativeiro e encontrado morto na manhã de 20 de janeiro de 2002.


Passados quase dois anos, o arquivamento do processo pelo Tribunal de Justiça de São Paulo acompanhou relatório e voto do desembargador Walter Guilherme. Em despacho datado de 27 de janeiro, o procurador de Justiça Álvaro Busana fundamentou em vários pontos o pedido de arquivamento das ações do Gaerco do ABC.


 Sobre a suposta e inexplicável ida de Donisete Braga às cidades de Embu e Taboão da Serra, cenários do crime, na noite de 19 de janeiro, o procurador de Justiça afirma que a base probatória é insuficiente para incriminar o deputado.


 Sobre a comprovada relação pessoal de Donisete Braga com Sérgio Gomes da Silva, o procurador de Justiça afirma que “isoladamente se mostra irrelevante, pois não permite, mesmo por especulação, vinculá-lo ao homicídio a despeito de favores recíprocos”.


 Sobre a quebra do sigilo telefônico, o então chefe dos promotores públicos paulista afirma: “O mais sério indício do envolvimento do tribuno seria, portanto, sua alegada presença na região onde o crime se produziu, entre 22h18 e 23h41 de 19 de janeiro de 2002, sem motivo e, pior, peremptoriamente negada a despeito de avaliação da empresa Vivo confirmá-la indiretamente quando considerou praticamente nula a probabilidade da central telefônica SPO 430 transmitir ligações do seu telefone celular se ele estivesse no interior do Palácio dos Bandeirantes naquele período, como alegou ao ser indagado neste inquérito judicial. Esse elemento de convicção se revela, porém, frágil para escorar formal acusação por homicídio ou, ainda, motivar a inquirição de réus e testemunhas da ação penal da Egrégia Primeira Vara Criminal de Itapecerica da Serra, porque a suposta ida às comarcas vizinhas não representaria, por si, contribuição alguma ao delito e o conjunto probatório amealhado o desautoriza. Os próprios técnicos da Vivo — segue o então xerife dos promotores públicos em seu despacho — não descartaram a possibilidade de circunstancial falha operacional capaz de explicar a utilização da difusora SPO 430, pois supuseram, apenas, o ininterrupto e perfeito funcionamento das estações retransmissoras SPO 24 01 e 29 022 para concluir como nula a probabilidade do uso da central SPO 430.


 Para completar, relata o procurador de Justiça Álvaro Busana: “Livro de controle de entrada e partida de automóveis da sede do governo paulista demonstrou, finalmente, a permanência do carro oficial do deputado Donisete de 20h48 a 23h45 do dia 19 de janeiro de 2002 e parece improvável o parlamentar recorrer ao subterfúgio de ali deixar o veículo de representação para encaminhar-se com outro até Taboão da Serra e Embu de modo a preparar álibi para emprego futuro e incerto logo após comparecer à sessão pública perante o governador do Estado, diante de autoridades e à vista de jornalistas.


O deputado Donisete Braga lembra os transtornos que viveu depois que se somou ao grupo de suspeitos de participar da morte de Celso Daniel. Principalmente em Mauá, seus opositores moveram campanhas acirradíssimas durante a disputa à Prefeitura, quando apoiou o candidato Márcio Chaves.


O deputado petista participava na noite de 19 de janeiro de 2002 de uma reunião no Palácio dos Bandeirantes com o governador Geraldo Alckmin. Debatiam-se os passos que seriam dados pelas autoridades públicas. Não se sabia o destino de Celso Daniel, arrebatado na noite anterior. Donisete Braga afirma que após a reunião dirigiu-se ao Restaurante Baby Beef Jardim, em Santo André, acompanhado do então vice-prefeito de Mauá, Márcio Chaves, e dos deputados Vanderlei Siraque e Luizinho Carlos da Silva.


Assembléia reage
A reação de deputados estaduais às acusações contra Donisete Braga também ganhou as páginas de jornais. A Assembléia Legislativa saiu em defesa do deputado. Parlamentares paralisaram a sessão de 25 de maio de 2004 para prestar apoio ao colega e criticar a iniciativa dos promotores criminais do Gaerco do ABC. Donisete Braga foi aplaudido de pé pelos colegas quando ocupou a tribuna e falou da indignação quanto à forma com que estava sendo tratado pelos promotores, e que não teve oportunidade de se defender. “Não se pode permitir o excesso e a execração pública” — disse.


Até mesmo tucanos, adversários petistas na Assembléia Legislativa, saíram em defesa de Donisete Braga. O deputado Vaz de Lima, então líder da bancada, destacou que foi constrangedor para a Assembléia ter de parar a sessão para fazer um ato de solidariedade: “Esse é um ato necessário, e não poderíamos deixar de fazê-lo. É preciso ressaltar que a forma com que está sendo colocado para a sociedade não contribui em nada para a democracia ou para elevar a respeitabilidade do Ministério Público, que às vezes extrapola” — disse o deputado tucano, referindo-se à atuação dos promotores Roberto Wider Filho, Amaro José Thomé Filho e José Reinaldo Guimarães Carneiro.


O deputado federal Luizinho Carlos da Silva, então líder do governo na Câmara, também foi duro com os promotores criminais: “Queremos que o MP pare de levantar indícios e comprove as denúncias que faz. Se o MP quer ser respeitado e protegido no seu trabalho, não pode permitir que seus membros ajam com motivação política em períodos eleitorais. Não podem quebrar sigilo pela Imprensa, que façam investigações, mas que mostrem provas” — desabafou.


O deputado Romeu Tuma Júnior (PPS), que acompanhou o caso Celso Daniel como delegado de Taboão da Serra, disse que em nenhum momento foi citado o nome de Donisete Braga durante as investigações. Sidney Beraldo (PSDB), presidente da Assembléia, fez coro aos inconformados: “Desejo um Ministério Público forte, independente, mas saberemos defender nossa instituição toda vez que sentirmos que membros do MP extrapolaram suas funções. Estamos abertos a todo tipo de fiscalização, mas saberemos defender as prerrogativas dos nossos parlamentares”.


Campos Machado (PTB) definiu o trabalho dos promotores de “acusação estúpida”. “Temos de reagir”, discursou Afonso Lobato (PV). Conte Lopes (PP) disse que “os promotores esqueceram de investigar, preferem fazer escuta, ouvir telefonemas, está todo mundo aterrorizado”. Souza Santos (PL) disse que “o Parlamento foi invadido”. Dos 94 deputados, 74 participaram do desagravo a Donisete Braga.


As críticas irritaram os promotores públicos: “Os deputados se prevalecem da imunidade para nos ofender” — reagiu Wider. O promotor disse que não houve quebra de sigilo do deputado Donisete Braga, prerrogativa que caberia ao Tribunal de Justiça. Os promotores teriam chegado ao parlamentar casualmente, após rastreamento dos telefones de Sérgio Gomes da Silva.


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