Depois do caso Celso Daniel, verdadeiro saco sem fundos de contradições do Ministério Público de Santo André, fico com um pé atrás e o outro pronto para recuar quando se trata de denúncias. Enquanto não considerar que está tudo devidamente apurado, com direito a contraditório e julgamento, não sacramentarei supostas culpabilidades.
Tanto num caso de assassinato quanto num suposto problema de desvios de recursos públicos é mais que provável encontrarem-se várias tipologias de informações que possam conduzir a determinadas conclusões, principalmente por parte de quem não tem intimidade com os meandros investigativos. Pessoas anônimas já morreram em situação absolutamente semelhante à de Celso Daniel sem que se colocasse em dúvida uma vírgula sequer dos enunciados necropsiais.
Quantos cadáveres de jovens já foram encontrados com tiraços no rosto e no tórax sem que nem de leve suscitassem a possibilidade de terem sido vítimas de tortura? Celso Daniel morreu exatamente assim, as necropsias do Instituto Médico-Legal asseguraram que não havia marcas características de tortura no sentido coercitivo do termo, mas apareceu um médico-legista três anos depois com uma narrativa ao gosto do freguês e deu no que deu. Coincidentemente, ele se matou pouco tempo depois, deixando inclusive carta de despedida à mulher que o abandonara, mas não faltaram especulações sobre possível assassinato.
Um caso menos espalhafatoso do que aquele do qual saiu chamuscada a imagem do ex-prefeito de Santo André por conta da voracidade dos próprios irmãos e no qual a segunda maior vítima é o empresário Sérgio Gomes da Silva está a todo vapor em São Caetano. É a estranhíssima denúncia do construtor Antonio Cressoni contra o ex-prefeito Luiz Tortorello e o atual ocupante do Paço Municipal, o médico José Auricchio.
Há muito estardalhaço por conta do que o Ministério Público chama de indícios de fraude em algumas dezenas de licitações, a maioria das quais no governo Tortorello.
Não seria mais prudente que tudo fosse devidamente reservado como peça silenciosa de investigação e, confirmadas as suspeitas, aí sim se oferecesse a denúncia?
O poder absoluto de o Ministério Público divulgar apurações parciais impõe jogo sofridamente desvantajoso para os investigados. A Imprensa está acostumada a dar todo o destaque do mundo para acusações de supostas evidências. Entretanto, quando sufocada pela inexistência de provas, essa mesma Imprensa recolhe-se em notinhas de pé de página, quando não simplesmente esquece o assunto.
Os promotores criminais de Santo André, os mesmos do caso Celso Daniel, costumam avocar a atuação internacional de profissionais congêneres para sustentar a defesa de ampla autonomia investigativa, inclusive sobrepondo-se às forças policiais. Entretanto, eles só contam uma parte da verdade.
Uma entrevista recentemente concedida pelo promotor de Justiça Federal nos Estados Unidos Gregory West, graduado em Direito pela Universidade de Syracuse, dá bem a diferença entre o que ocorre por aquelas bandas e o que assistimos nestes cantos. Lamentou o promotor os excessos da mídia americana, mas ressaltou a necessidade de que, durante um julgamento, os jurados se atenham aos fatos do processo e ignorem informações antecipadas pelos meios de comunicação.
Disse também Gregory West: “As nossas regras de responsabilidade profissional nos Estados Unidos impedem os promotores de dar informação à Imprensa, se não é uma questão de domínio público. Essa lei foi redigida para garantir que o réu receba um julgamento justo por um júri imparcial baseado apenas na prova que o juiz permite que o júri ouça na sessão do tribunal”.
Nos Estados Unidos, segundo relata o promotor, há regras muito rígidas sobre as informações que o Departamento de Justiça pode fornecer à mídia, os comentários que os promotores federais podem fazer em relação aos crimes, não só o crime organizado. “Essas restrições e limitações têm como objetivo garantir um julgamento justo ao acusado, porque se nós passarmos para a Imprensa todas as provas que serão apresentadas em juízo antes do julgamento, as pessoas, o júri, por exemplo, vão ter tudo nos jornais, e presumivelmente vai ser mais difícil dar um veredicto imparcial com base naquilo que o juiz permitir apresentar como provas em juízo” — disse Gregory West.
Não custa lembrar entre tantos escorregões dos promotores criminais de Santo André no caso Celso Daniel uma desmiolada testemunha de acusação que, vejam só, teria presenciado diálogos que incriminariam Sérgio Gomes da Silva. Conhecida como “Maria Louca”, a testemunha em questão recebeu tratamento vip, inclusive ao ser incluída, juntamente com as filhas, em programa de proteção.
Mais tarde, na fase de depoimentos, Maria Louca não foi requisitada pelos promotores criminais porque se descobrira que simplesmente inventava histórias para aparecer na mídia. Até alguns crimes do Maníaco do Parque ela teria testemunhado, mas foi logo desmascarada por experientes policiais de São Paulo. Os mesmos policiais, coincidentemente, que a mandaram de volta para casa quando apareceu para falar sobre Sérgio Gomes da Silva. Pouco tempo depois o MP deu a Maria Louca toda credibilidade do mundo, transformando-a em peça-chave do processo.
Se um dia precisar recorrer ao Ministério Público, tomarei todos os cuidados para apresentar farta documentação e, mesmo assim, pedirei para que faça a denúncia pública depois de minuciosa investigação. Ter o aval do MP é tão importante quanto sugerir que atue com cautela porque melhor que denunciar é denunciar sem dar margem a injustiças.
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11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP