Caso Celso Daniel

Assassinato de Celso Daniel salva
um Pacaembu inteiro em sete anos

DANIEL LIMA - 20/01/2010

Marco zero na reestruturação da política de segurança pública do Estado de São Paulo, entregue às baratas de Direitos Humanos que se confundiram com negligência e frouxidão, o assassinato de Celso Daniel completa oito anos neste 20 de janeiro com saldo de ter poupado a vida de pelo menos 33.335 paulistas em sete anos, entre 2002 e 2008. Somente por isso, fosse a Imprensa menos óbvia, repetitiva, comodotizada e desatenta, já valeria a pena lembrar a data. Toda a obra intelectual e administrativa do maior prefeito que o Grande ABC já conheceu, portanto, poderia ser jogada às traças, como o foi pela maioria dos veículos de comunicação desde que Celso Daniel foi morto. Preferiu-se, sempre, o espólio da espetacularização do crime.

Vou explicar como cheguei a um Pacaembu inteiro de potenciais vítimas que escaparam de homicídios no Estado de São Paulo. Do total, nada menos que 2.821 seriam contabilizadas nos sete municípios do Grande ABC. Quantidade suficiente para lotar o Teatro Municipal de Santo André em show artístico de sessão única durante uma semana inteira.

Antes de detalhar a metodologia que culminou com o Pacaembu lotado de sobreviventes da criminalidade paulista é preciso reforçar os enunciados preventivos a eventuais leitores precipitados ou mal acostumados com textos digitais e impressos quase sempre superficiais.

O rompimento da política de segurança pública do governo Geraldo Alckmin naquele janeiro de 2002, quando Celso Daniel foi encontrado morto numa estrada vicinal de Juquitiba, na Grande São Paulo, virou a gota dágua que faltava para transpor os limites do copo de paciência de algo entalado nos comandos policiais. O secretário Marco Vinício Petrelluzzi, nomeado em fevereiro de 1999 pelo então governador Mário Covas, não agradava às forças policiais. As tropas estavam desaparelhadas, é verdade, os soldos seguiam ritual ofensivo às responsabilidades funcionais e à qualidade de vida do efetivo, sem dúvida, mas a contrapartida a eventuais excessos nos embates com facções criminosas era extremamente desestimulante.

Marco Vinício Petrelluzzi foi demitido logo após o catártico sepultamento do corpo de Celso Daniel. Mais de 100 mil pessoas foram às ruas de Santo André. O crime teve repercussão internacional. Só alguns dias mais tarde é que se iniciou o plano diversionista de conduzir o enredo de crime comum para o campo político-administrativo. Afinal, a disputa pelo governo do Estado dominaria a pauta política daquela temporada. Celso Daniel era um dos homens de ouro do candidato Lula da Silva à presidência da República. Coordenador-geral do programa de governo do petista, após consagrar-se no encontro nacional do partido dois meses antes em Recife, Celso Daniel era estrela ascendente. Eleito Lula da Silva, seria o ministro do Planejamento, que teria status valorizadíssimo no organograma do Palácio. Antonio Palocci o sucedeu com semelhante discrição mas, embora bem articulado, sem o mesmo brilho.

Quando Celso Daniel morreu naquele janeiro de 2002 e o Partido dos Trabalhadores fez um escarcéu tremendo contra o caos criminal em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin lançou mar adentro a indumentária politicamente correta de Direitos Humanos. Apeou da secretaria o cortez Petrelluzzi e nomeou o implacável promotor público Saulo de Castro Abreu Filho. Daí em diante o governador paulista endureceu para valer o jogo e os números gerais de criminalidade despencaram. Também colaborou para esse resultado o acordo entre facções criminais e policiais civis e militares de preservação das cidadelas de tráfico de entorpecentes. Criaram-se códigos de honra que só são quebrados quando alguém pisa na bola da ganância e da esperteza. Aí o pau quebra.

Quando deixou o cargo, Marco Vinício Petrelluzzi carregou comboio de críticas — até porque, defenestrado, tornou-se símbolo da reação de um Geraldo Alckmin visto como leniente. Os índices de sequestro sob Petrelluzzi aumentaram em quase 400% no Estado. Havia clamor público à troca de comando na Secretaria de Segurança Pública. O ambiente para o titular da Secretaria de Segurança Pública seguir no cargo era delicadíssimo. Geraldo Alckmin agiu com o pragmatismo dos dirigentes esportivos que, pós-derrota importante, entregam a cabeça do treinador aos torcedores organizados e à mídia provocativa.

Homicídios dolosos são o pedaço mais substancial do tecido de análise de Segurança Pública. A letalidade dos casos dispensa explicações e não há risco de subnotificações expressivas, mesmo admitindo-se desvios estatísticos por conta de métodos de registros e contabilidade viciados, como se denunciaram ainda recentemente.

O impacto das estatísticas de homicídios pode levar qualquer governo ao estresse político e administrativo, com abalos no senso de percepção da sociedade. Naquele janeiro de 2002 de Celso Daniel estirado no chão de terra batida de Juquitiba, os estragos na imagem do governo do Estado foram contundentes. Se homicídios naturalmente já incomodam qualquer governo, imaginem homicídio decorrente de sequestro. Com agravante de sequestro de político importante. Uma combinação gravíssima.

Foi por essas e outras que os petistas resolveram atacar na coletiva à imprensa realizada no Paço Municipal de Santo André quando Celso Daniel estava sequestrado naquele sábado, 19 de janeiro de 2002.

Daí a decisão tucana de contra-atacar e carregar dúvidas sobre o enredo do crime. A mídia comprou acriticamente a contra-ofensiva. Para desgraça de Sérgio Gomes da Silva, primeiro-amigo do prefeito, que dirigia a Pajero abalroada pelo bando de marginais pés-de-chinelo — conforme definição de policiais civis que chefiaram as investigações e concluíram, em três inquéritos, por crime comum.

Feita a troca de comandante e de metodologia, adotando-se linha dura, e também contando com o despertar da maioria dos municípios de regiões metropolitanas paulistas que passaram a investir mais em segurança pública, bem como o governo federal, o que tivemos nos últimos anos foi um despencar dos casos letais.

A base de cálculos para chegar a mais de 33 mil vidas poupadas no Estado de São Paulo são homicídios dolosos registrados no ano imediatamente anterior ao assassinato de Celso Daniel: em 2001, a Secretaria de Segurança Pública apontou 12.475 assassinatos no Estado de São Paulo, dos quais 949 no Grande ABC. Se adotássemos a média de homicídios de cinco anos anteriores, a base de cálculo seria ainda maior, mas faltam números estaduais no portal da SSP. Os do Grande ABC tenho nos arquivos. Chegamos a perto de 1,5 mil assassinatos numa única temporada.

Voltando à contabilidade explicativa, em 2008 o total de homicídios no Estado de São Paulo caiu para 4.426, poupando-se, portanto, 8.049 vidas em relação à temporada de 2001. No Grande ABC foram 369 assassinatos, ou 580 vidas preservadas em relação a 2001.

Como cheguei, então, às mais de 33 mil potenciais vítimas salvas pela repercussão e pelas providências pós-morte de Celso Daniel? Somei todos os assassinatos registrados entre 2002 e 2008 (53.990) e dividi por sete (os sete anos pesquisados), chegando à média anual de 7.712. Contrapondo esse resultado aos 12.475 casos registrados em 2001, cheguei à redução média anual de 38,18%. Um pouco menos que a redução média anual registrada no Grande ABC (42,46%).

Quando se acrescentarem os números do ano passado, ainda não disponíveis no site da Secretaria de Segurança Pública, teremos lotado o Pacaembu. Quem quiser imagem mais realista do que isso significa, espere até o dia 24 de fevereiro próximo quando o Corinthians estréia na Taça Libertadores.

A morte de Celso Daniel completa oito anos hoje sob o silêncio do descaso generalizado de uma sociedade que não preserva a memória nem de quem teve a estatura pública do maior prefeito da história do Grande ABC. Não terá sido em vão. É um consolo para tentar preencher o vazio institucional de políticas integracionistas de um Grande ABC dividido em sete pedaços diferentes e, apesar dos esforços individuais, incapaz de juntar-se em projeto comum.



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