Não vou esticar demais a corda dos fatos para ressaltar a irresponsabilidade informativa do jornalista Augusto Nunes (Veja.com) no caso Celso Daniel. Comentarei apenas um dos vetores com a independência partidária e ideológica que ele não tem porque faz parte de uma confraria de direita semelhante às confrarias de esquerda do jornalismo verde-amarelo: tudo o que o outro lado da porteira de poder exercitar como supostamente suspeito deverá ser traduzido como crime e, desta forma, condenado sem dó nem piedade.
Apenas a título complementar: Augusto Nunes e suas estripulias no caso Celso Daniel (desconheço eventuais estripulias desse veterano jornalista em outras questões, mas pelo tamanho dos dedos de imprecisões se conhece o gigantismo de bobagens) me deixam cada vez mais seguro de que fiz muito bem em incentivar minha filha Lara a abandonar a Faculdade de Jornalismo no ano passado, logo após o fim do diploma para o exercício da profissão. Já imaginaram entregar uma profissional recém-formada ou mesmo já experiente à sanha deformadora de Augusto Nunes? Ou de donos de veículos de comunicação que sustentam tantos Augustos Nunes?
Vamos ao que mais interessa — um dos escorregões de Augusto Nunes sobre o caso Celso Daniel. Ele escreveu na Veja.com de novembro do ano passado:
(…) Foi um crime político, berraram em coro os Altos Companheiros já no momento em que o corpo foi encontrado numa estrada de terra perto da capital. A comissão de frente escalada pelo PT para o cortejo fúnebre, liderada por José Dirceu, Aloízio Mercadante e Luiz Eduardo Greenhalg, caprichou no visual. O olhar colérico, os trajes de quem não tivera tempo nem cabeça para combinar o paletó com a gravata, o choro dos inconsoláveis, os cabelos cuidadosamente desalinhados — todos os detalhes da paisagem endossavam a discurseira. Até ali, sabia-se o que tinha contado o empresário Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”, ex-assessor de Celso Daniel (…) A letra decorada pelo PT garantia que Celso Daniel fora assassinado por motivos políticos. Dirceu e Mercadante lembraram que panfletos atribuídos a uma misteriosa organização ultradireitista haviam prometido a execução de dirigentes petistas. Greenhalgh informou que o presidente Fernando Henrique Cardoso não tomara as devidas providências. Animados com a indiferença do governo, como recitou o trio, os carrascos resolveram agir. Celso Daniel foi o primeiro — escreveu melodramático Augusto Nunes.
O veterano jornalista da Veja.com não sabe o que escreve, por isso vou orientá-lo a seguir a cartilha dos fatos consumados. E, repetindo texto anterior, o desafio a um debate público para esclarecer todos os pontos do caso Celso Daniel. Sei que ele não aceitará. Muito menos os promotores criminais escalados pelo governo do Estado para tumultuar um jogo em que o PT ajudou a complicar na medida em que politizou o sequestro. Tudo, convenhamos, dentro das regras flexíveis de disputas políticas.
A colocação do crime na bitola política é uma farsa do jornalista da Veja.com. Acompanhei atentamente os acontecimentos a partir daquele sábado de manhã no Paço Municipal, quando praticamente toda a cúpula nacional do PT desembarcou em Santo André.
A “discurseira”, como afirma Augusto Nunes, de suspeição a um agrupamento de ultradireita jamais ganhou ênfase. Nenhuma manchete de vulto se imprimiu nos grandes jornais. Desde o início os petistas partiram forte e firme sim em direção à política de Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin, prorrogação dos Direitos Humanos deixados por Mário Covas com o leniente Marco Vinício Petrelluzzi no comando da secretaria.
O desgaste provocado pela crítica petista desencadeou, de imediato, a reverberação de duas ondas sincronizadas:
Primeiro, no dia seguinte ao enterro de Celso Daniel, Marco Vinício Petrelluzzi foi defenestrado do cargo, substituído pelo linha dura Saulo de Castro Abreu Filho. O governador sentiu o peso das críticas porque, entre outros pontos, os casos de sequestro quadruplicaram no Estado. Iniciou-se ali nova jornada na criminalidade paulista que, até o final de 2008, poupou a vida de mais de 35 mil pessoas. A base de cálculos foram os assassinatos em 2001.
Segundo, iniciaram-se estudos e planejamentos para contragolpear as críticas petistas naquele ano eleitoral e, dias depois, começaram a vazar informações sobre supostas propinas na administração de Celso Daniel e, também, a possibilidade de Sérgio Gomes da Silva ter planejado o sequestro, em vez de ter sido vítima. Tudo muito bem executado, conforme escrevi já há algum tempo. Tanto que a versão de culpabilidade de Sérgio Gomes é de domínio público.
Tenho em meus arquivos tudo ou quase tudo sobre o caso Celso Daniel. Tanto sobre o que escrevi e analisei quanto de terceiros. Entre estes, edições da revista Veja, da mesma Editora Abril do desinformado Augusto Nunes. O que escreveu Veja na edição de final de semana imediatamente após o enterro de Celso Daniel?
A Reportagem de Capa foi caudalosa. Páginas e páginas da revista de maior tiragem do País trataram do assassinato. E em todas as páginas o tom foi sempre o mesmo: o caos do sistema de segurança pública no País, do qual São Paulo era a vitrine mais estilhaçada. Foram milhares de caracteres produzidos pelos jornalistas e consultores de Veja. E apenas num breve trecho, houve referência à elucubração de Augusto Nunes:
Até sexta-feira à noite não havia uma explicação clara para a morte do prefeito de Santo André, sequestrado quando saía com um amigo de uma churrascaria em São Paulo e assassinado 24 horas depois. Em virtude de outro crime de morte em que a vítima foi um prefeito do Partido dos Trabalhadores, Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT, de Campinas, Interior de São Paulo, chegou-se a cogitar de uma conspiração política destinada a matar integrantes do partido de Lula. A morte de Celso Daniel, segundo essa interpretação, teria sido um crime político. Os próprios líderes do PT, no entanto, admitem que essa é a mais fraca das hipóteses a ser investigadas — escreveu Veja, Edição 1.736.
O descuidado e deflorador da verdade Augusto Nunes não pode nem mesmo tergiversar sobre os fatos, atribuindo à Veja imprecisão informativa. Todos os jornais e as demais revistas semanais de informações seguiram a mesma trilha — a trilha do caso como acontecimento criminal, não político.
Mais tarde, foram os promotores criminais de Santo André que politizaram o caso, mas não no sentido configurado por Augusto Nunes. Eles negam hoje que o tenham feito, mas há páginas de jornais que confirmam minhas afirmações. Eles disseram que o crime foi político no sentido de que havia imbricamento dos fatos com supostas propinas na gestão da Prefeitura de Santo André. Na realidade, se as denúncias dos promotores criminais fossem confirmadas, o crime não seria nem comum nem político — seria um crime político-administrativo.
O texto que Augusto Nunes assinou na Veja.com é, repito, um amontoado de bobagens. Peguei apenas um ponto específico para dar a dimensão do quanto aquele jornalista se deixa levar pelo fígado. Mentir descaradamente sobre o caso Celso Daniel não é a melhor maneira de atingir o governo Lula da Silva. Há tantos buracos, naturais em qualquer administração, que, quando abordados com ciência e competência, enobrecem a profissão e se encaixam em pressupostos de responsabilidade social.
Não cobrarei nada de Augusto Nunes ou de quem quer que seja por possíveis aulas do caso Celso Daniel. Tenho obrigação de repassar conhecimentos porque me empenhei como nenhum outro jornalista para levar claridade onde só havia trevas ou um estudado plano diversionista que custou a destruição da imagem de um inocente.
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11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP