Estou meio enferrujado para escrever sobre o caso Celso Daniel, mas, como conhecimentos específicos têm o mesmo significado que andar de bicicleta, ou seja, a gente nunca esquece, eis que surjo de novo em cena para preencher um vazio imenso da mídia ao noticiar que a Justiça de Itapecerica da Serra determinou que seis sequestradores do então prefeito de Santo André serão submetidos ao Tribunal do Júri.
Faltou dar ênfase ao fato de que um sétimo denunciado pelo Ministério Público foi excluído da relação pelo juiz Antonio da França. Não se trata de um acusado qualquer. Retirá-lo da lista significa um forte golpe na mandíbula investigativa do MP.
É sobre esse suposto sétimo sequestrador que está o “xis” da questão.
A renovação de informações do caso Celso Daniel coincidiu com o julgamento do caso Nardoni e também com a mais que manjada intenção da Imprensa de jogar na lata do lixo tudo que se referir à confirmação das investigações policiais que colocam a morte do então prefeito de Santo André na categoria dos crimes comuns, contrariamente, portanto, à versão rocambolesca do MP.
O Gaerco, grupo especial de promotores públicos foi providencialmente constituído em Santo André logo após o crime para embananar as conclusões tanto da Policia Civil quanto da Polícia Federal, que igualmente concluíram tratar-se de caso sem qualquer relação com a administração do então prefeito petista. Em inúmeras matérias expliquei as razões da intervenção desse grupo especial. Não pretendo rememorá-las agora.
Para quem está chegando agora nessa interpretação do caso Celso Daniel, que difere completamente do que leitores em geral consumiram de outras fontes ao longo dos tempos, devo lembrar que, sem falsa modéstia, no âmbito jornalístico ninguém foi tão detalhista e investigativo quanto este jornalista.
Livre de interesses políticos, partidários e ideológicos, que, como se sabe, em determinadas questões, prevalecem na mídia, pude construir série de reportagens até chegar à conclusão similar à dos policiais civis e federais: o prefeito de Santo André foi vítima de uma fatalidade.
Sei que há leitores tão doutrinados a acreditar no contrário que me abominarão e me atacarão. Que posso fazer se meu compromisso é com os fatos, apenas com os fatos?
Para completar essa volta ao passado de modo que possa preparar a plataforma de novas informações, devo repetir mais uma vez que a inocência de Sergio Gomes da Silva, apontado pelo MP como mandante do crime (outros mandantes teriam sido sugeridos pelos integrantes do Gaerco, casos de Ronan Maria Pinto e Klinger Sousa, mas jamais se confirmaram condições mínimas para dar sustentação à amplitude de participantes) não esteriliza a possibilidade de que havia relações incestuosas na administração de Celso Daniel.
Não seria este jornalista leviano ao entregar-se às investigações do Ministério Público, porque faltam elementos comprobatórios. Já quanto à motivação do assassinato de Celso Daniel, as provas são inúmeras. Policiais civis e federais foram minuciosos ao desclassificarem completamente as conclusões dos promotores criminais.
Retomando agora o caso Celso Daniel pelo ângulo da denúncia contra seis e não sete sequestradores, lembro que quem ficou de fora da relação foi José Erivan Aleixo da Silva. O juiz de Itapecerica da Serra entendeu que não há provas suficientes para levá-lo a júri.
Para dar mais autenticidade à decisão, recorro ao despacho do próprio juiz Antonio da França:
(…) Por outro lado, não há maiores provas em detrimento do acusado José Erivan. Nesse mister, primeiramente, saliento que o Ministério Público, apesar de ter solicitado a pronúncia desse acusado, não indicou, em seus memoriais, qualquer prova produzida contra esse. Outrossim, esquadrinhando as provas produzidas sob o crivo do contraditório, verifico que a única vaga e lacônica menção à eventual participação de José Erivan ocorreu no depoimento do delegado de Polícia Edison Remígio de Santi, o qual, de passagem, disse que: “José Erivan também teve participação no cativeiro”. Contudo, a Autoridade Policial não especifica, e aparentemente, nem lhe fora indagado, qual teria sido a “participação” desse acusado e, tampouco, de onde extraiu tal precário dado, havendo somente genérica referência de que tal informação proveio de “Promotor Público” não identificado. Como se não bastasse essa suposta “participação no cativeiro” sequer se coaduna com a conduta imputada ao réu, o qual, segundo o aditamento à denúncia, teria prestado auxílio aos demais, conduzindo seu irmão José Edison até o local do arrebatamento da vítima. É certo que, no procedimento administrativo ministerial que embasou o aditamento, há o depoimento extrajudicial de Itamar, o qual indicou José Erivan como eventual partícipe, dizendo que: “José Erivan foi trazido em um Monza, de propriedade de seu irmão “Van”, que o acompanhava”. Porém, em seus interrogatórios judiciais, Itamar não confirmou tal declaração, que não foi corroborada por qualquer prova colhida em juízo. Portanto, em relação a José Erivan, o conjunto das provas é extremamente frágil, não autorizando sua pronúncia” — decidiu o juiz Antonio da França.
A eliminação de José Erivan do banco dos réus do Tribunal do Júri que será montado em Itapecerica da Serra foi uma derrota para o grupo de promotores públicos que atuou na formulação da denúncia.
A Imprensa não atentou para esse desenlace porque é tão descuidada quanto desinteressada em aprofundar-se no caso Celso Daniel. A suposta participação de José Erivan no sequestro de Celso Daniel era ponto de honra para o Ministério Público. Em suma, o acusado estaria em um terceiro veículo usado na ação cinematográfica que teve como cenário o chamado Três Tombos, na Capital.
Em dezembro de 2003, o promotor público José Reinaldo Carneiro disse que José Erivan Aleixo da Silva, irmão de José Edison da Silva, um dos seis acusados de sequestrar Celso Daniel, ocuparia um suposto terceiro veículo, situação que reforçaria a suspeita de que o então prefeito de Santo André teria sido seguido desde que saiu do restaurante com o primeiro-amigo Sérgio Gomes da Silva. Prevalecendo essa tese, a promotoria fincaria mais estacas no plano de comprovação de que o crime não foi ocasional, de um grupo de sequestradores que resolveu abalroar o primeiro veículo importado que cruzasse seu caminho, depois de tentativa frustrada de sequestrar um comerciante do Ceagesp.
“A participação de José Erivan mostra que o outro empresário nunca existiu” — disse o promotor José Reinaldo Carneiro há quase sete anos.
Além do desmonte da versão do Ministério Público agora com a decisão do juiz de Itapecerica da Serra, acrescento o fato de que entrevistei pessoalmente, por telefone, e reproduzi nas páginas da revista LivreMercado (então sob meu controle editorial) como o comerciante do Ceagesp escapou das garras dos sequestradores, repassando o infortúnio a Sérgio Gomes da Silva e Celso Daniel.
Para completar mais este capítulo sobre o caso Celso Daniel, os arquivos são fartos sobre a participação dos seis sequestradores denunciados pela Justiça de Itapecerica da Serra. Eles passaram por acareações, a última das quais realizada em novembro de 2005 durante a CPI dos Bingos, em São Paulo, quando voltaram a negar a participação de Sérgio Gomes da Silva no crime, ocorrido em janeiro de 2002. Vejam alguns trechos da matéria publicada pela Folha de S. Paulo:
Até mesmo Elcyd Oliveira Brito, conhecido como John, que seria o autor de uma carta endereçada ao empresário para cobrar o pagamento de R$ 1 milhão pela morte do prefeito, recuou e afirmou que escreveu a carta para extorquir dinheiro de Sérgio Gomes da Silva. “Confesso que menti ao juiz. Eu escrevi a carta tentando extorquir ele (Gomes da Silva). Isso não tem nada a ver com crime político, foi um crime comum. O rapaz (Gomes da Silva) não tem nada a ver com isso”, disse Elcid, segundo o relato da Folha.
Estou analisando nos últimos dias a possibilidade de transportar para este espaço digital todo o material que produzi para a revista LivreMercado sobre o caso Celso Daniel. Entretanto, como ainda não se esvaiu a possibilidade de, antes disso, lançar um livro que aborde os pontos mais importantes de um crime que fugiu completamente da bitola judicial, devo esperar mais um pouco.
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11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP