Diante da repercussão da anunciada série de entrevistas com Sérgio Gomes da Silva, e já prevendo que não faltarão interlocutores que vão pegar o atalho de questionamentos sem levar em conta o histórico deste jornalista no caso Celso Daniel, tenho por dever de ofício e compromisso ético antecipar alguns pontos que poderão evitar contratempos ao fígado.
Primeiro: quem se dispôs a dar as entrevistas foi Sérgio Gomes. Ele está saturado do silêncio de nove anos, período no qual foi a bola de vez de todos que entendem ter sido o crime de encomenda. Sérgio Gomes me escolheu porque fui e continuo sendo o único jornalista a dar a cara a bater ao contestar a linha de raciocínio e de apuração do grupo de promotores criminais de Santo André criado pelo governo do Estado para dar conta do recado, logo após o assassinato. Tenho relações diplomáticas digitais com um desses promotores. Somos opositores cordiais. Respeitamo-nos mutuamente, embora discordemos visceralmente quanto à origem e aos desdobramentos do caso.
Segundo: jamais vou negar aos leitores que estou ancorado num conjunto de fatos e informações que recolhi pessoalmente ou de terceiros bastante confiáveis, inclusive ou principalmente de integrantes da Polícia Civil e da Polícia Federal. Consolidei a convicção de morte ocasional do então perfeito não porque tenha necessariamente simpatia por qualquer um dos envolvidos direta ou indiretamente. Não conhecia Sérgio Gomes da Silva antes daquela noite de 18 de janeiro de 2002, quando o veículo que ele dirigia foi abalroado nos Três Tombos. Aliás, só vim a conhecê-lo pessoalmente bem mais tarde. Hoje é meu amigo. Tão amigo que abro mão de qualquer exclusividade de depoimentos. Mais que isso: se preferir outra mídia e outro profissional de imprensa, me sentirei igualmente satisfeito. O mais importante é que pela primeira vez em nove anos a Imprensa o trate com dignidade. Seria sonhar demais que lhe dessem o contraponto do espaço generoso entregue aos ataques do Ministério Público. Um pedacinho sem interferências editoriais já seria suficiente para começar a mudar o consenso que se estabeleceu.
Terceiro: solicito aos leitores de primeira viagem, ou seja, a quem desembarcar neste site sem conhecimento histórico deste profissional, que se manifestem igualmente àqueles para os quais minha identidade está livre de tendenciosidades. Não me venham, por gentileza, com ataques histéricos nem admoestações levianas. Não é sempre que estou com a bílis em ordem. Possivelmente reaja com educação menos refinada. Sei que devo ter bons modos sempre, mas quem já não levantou com o pé esquerdo? Poupem-se de generalizações, de conversa fiada, de discurso evasivo típico de campanha eleitoral. Tenham substância. Sejam específicos nas críticas. Não me deem trégua jamais. Quanto mais me emparedarem, mais possibilidades terei de esclarecer todos os pontos supostamente obscuros do caso. Quando condiciono obscuridades do caso, ajo com objetividade porque se introduziu um caminhão de dúvidas à veracidade dos fatos investigados pela Polícia Civil e pela Polícia Federal.
Quarto: não vou fazer das entrevistas com Sérgio Gomes espetáculo digital que ao menos resvale no padrão desrespeitoso e oportunista que temos visto na mídia em geral. Não estou em busca de audiência. Quem imaginar que vou forçar a barra para extrair do entrevistado questões que, sob meu ponto de vista, não se alinham à lógica do crime, perderá a viagem. A privacidade de Sérgio Gomes não será sequer abordada na série de entrevistas.
Quinto: associaremos às entrevistas com Sérgio Gomes informações que consideramos relevantes, porque as apuramos ao longo dos últimos nove anos. Há possíveis pontos de conexão de esclarecimentos sobre os quais Sérgio Gomes não teria tido acesso, ao contrário deste jornalista. Procurarei aproximar as informações das memórias de Sérgio Gomes. Possivelmente, desdobrem-se situações novas.
Sexto: respeitarei as limitações a que certamente Sérgio Gomes se verá submetido no resgate do histórico do caso Celso Daniel, por razões que não valem antecipar. Entretanto, não desperdiçarei oportunidade para produzir parágrafos e parágrafos que contribuam às diretrizes que fundamentem e deem consistência à versão de crime comum. Entenda-se por crime comum exatamente o que apuraram a Polícia Civil e a Polícia Federal: não havia a mais frágil relação entre o assassinato do prefeito e a suposta rede de propinas na Prefeitura de Santo André. Bem diferente, por exemplo, do caso do assassinato recente do prefeito de Jandira.
Sétimo: aos leitores que possam entender que a série de entrevistas com Sérgio Gomes é um jogo de cartas marcadas, porque o jornalista com quem ele dialogará é intransigente defensor da versão de crime comum, recomendo um pouco de cautela. Já desafiei os promotores criminais a produzir um livro a 10 mãos em formato de Tribunal de Júri e até agora eles não se manifestaram. Eles sabem que vou destruir ponto por ponto todo o emaranhado acusatório. Faço essa afirmação única e exclusivamente para demarcar um território de confiabilidade de minhas apurações. Jamais pretendi ou pretenderia minimizar a atuação institucional do Ministério Público. Da mesma forma que jamais também me submeterei docilmente às suas conclusões. Tenho razões de sobra para tanto.
Oitavo: Embora desconfie, talvez as primeiras entrevistas com Sérgio Gomes forneçam uma tática do acusado de evitar fornecer munição aos promotores criminais. Quero quer que os defensores jurídicos já tenham se manifestado preocupados com a decisão de Sérgio Gomes prestar informações a este jornalista. Não está fora de cogitação, portanto, a omissão deliberada de vetores defensivos do conjunto da obra de retirada de Sérgio Gomes das configurações condenatórias dos promotores criminais. Nada disso, entretanto, compromete a perspectiva de que teremos material jornalístico imperdível. A ordem jurídico-jornalística será restabelecida: o acusado pelo Ministério Público de mandar assassinar o prefeito Celso Daniel terá espaço permanente a manifestar-se.
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11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP