Administração Pública

Celso Daniel sai de cena
como maior gerenciador

DANIEL LIMA - 15/02/2002

O assassinato do prefeito Celso Daniel, do PT de Santo André, entre a noite de 19 e a madrugada de 20 de janeiro, entra para a história do Grande ABC como símbolo nacional de consternação pela perda de um político eleito pela terceira vez para o comando do Município. A tragédia que abalou o Brasil e colocou mais uma vez o Grande ABC na liderança de audiência de programas movidos a sangue, choro e revolta também instalou a sucessão estadual e a sucessão presidencial no radar de escaramuças partidárias que ultrapassaram todos os limites de oportunismo.


O sequestro encerrado com violência infiltra-se no âmago da debilidade estrutural da segurança pública porque coroou série de acontecimentos que não deixam dúvidas sobre a sinistra combinação de desenvolvimento econômico em estado quase vegetativo e embicamento da qualidade de vida, principalmente nas regiões metropolitanas.


O maior dos legados deixados por Celso Daniel foi valorizado por quase ninguém durante todos os dias de turbulências que começaram com o sequestro, aumentaram com o assassinato e ganharam formas ainda mais profundas com seu sepultamento e a série de versões que envolveram o crime.


Celso Daniel foi o prefeito mais importante em toda a história político-administrativa da região por simples e lógica justificativa: ninguém na esfera pública pensou a regionalidade do Grande ABC como ele nem dispunha de arcabouço teórico tão variado e denso.


Depois que o corpo de Celso Daniel foi encontrado no chão de terra batida de Juquitiba, na Grande São Paulo, e desceu à terra fresca do túmulo do Cemitério da Saudade, na Vila Assunção, em Santo André, em intervalo de pouco mais de 36 horas que comoveu o Brasil e parece mudar as relações institucionais entre o combativo Partido dos Trabalhadores e o governo federal, a maior reverência que o Grande ABC poderá prestar-lhe é não esquecer a herança de responsabilidade regional que o prefeito destilou pioneiramente na área pública.


O engenheiro e professor de Economia Celso Daniel foi homem com visão de futuro num Grande ABC que insiste em olhar pelo retrovisor. É fato que tinha estilo próprio de inquietar-se com o horizonte regional. Não admitia publicamente, em momento algum, que particularmente sua Santo André era o maior exemplo de imprevidência administrativa dos antecessores. Também não admitia que demorou para se aperceber do empobrecimento da cidade que o viu nascer e que transformou seu pai, Bruno José Daniel, vereador, presidente da Câmara e secretário municipal.


Dissimular preocupação com o histórico quadro de empobrecimento econômico regional era a forma de Celso Daniel amenizar em público o que o atormentava reservadamente. Sim, ele se entregava aos questionamentos com seus botões ou com secretários municipais mais próximos no gabinete de trabalho. Já o apartamento despojado de classe média, sem computador e outros equipamentos eletrônicos, era geralmente refúgio de leitura e de um assíduo espectador de filmes clássicos de Ingmar Bergman, entre outros cineastas consagrados.


Uma região em transe


Celso Daniel reunia amplo conhecimento de que o Grande ABC mudou demais nos últimos 10 anos. A abertura econômica desenfreada, o fim da espiral inflacionária, a sobrevalorização do dólar durante os primeiros anos do Plano Real — essas novas regras de um mundo globalizado colocaram o Grande ABC em transe.


Sobretudo a indústria automotiva, que responde por grande parte do PIB regional e que é a atividade mais competitiva do mundo, atormentava Celso Daniel porque não parava de enxugar estruturas, recursos humanos, investir em tecnologia e em plantas fora do Grande ABC. Mesmo sem montadoras de veículos, Santo André sofria com o esquartejamento do parque fornecedor de autopeças, de capital familiar na maioria dos casos.


Seria bobagem esperar que Celso Daniel denunciasse tudo isso publicamente e que se juntasse aos poucos que, por não serem políticos, por não terem compromissos partidários, por serem mais agressivos, por quaisquer que fossem as razões, decidiram revelar os rombos que as mudanças econômicas operavam num transatlântico então envolto em mares calmos.


No fundo, no fundo, Celso Daniel temia ser mal interpretado e acusado de agente oficial do desestímulo a investimentos privados na região. Também evitava, com isso, dar corda aos exagerados que alçam o movimento sindical cutista à condição de algoz do capitalismo regional.


O comportamento do prefeito era outro quando tratava de esvaziamento econômico do Grande ABC e da necessidade de afastar o Complexo de Gata Borralheira das entranhas da região. A grandiosidade e a centralidade da vizinha São Paulo, que frequentava com assiduidade de professor da Fundação Getúlio Vargas e da PUC, encantavam Celso Daniel mas não o tornavam necessariamente um deslocado representante da província regional.


Tanto que procurava inspirar-se na maior metrópole do Hemisfério Sul para produzir uma Santo André mais cosmopolita sem que isso transpirasse colonialismo e a confirmação do Complexo de Gata Borralheira. Celso Daniel tinha amor próprio municipal e regional suficiente para dar ares de equivalência à Capital nos projetos e programas sociais e econômicos.


Durante 11 anos, de 1990 a 2000, Celso Daniel lançou-se à regionalidade com sofreguidão. Entre o primeiro mandato de prefeito e o quarto ano da segunda gestão, foi um raro caso de administrador municipal envolvido com a liderança doutrinária e operacional da integração regional. Perguntem quem liderou a construção do Consórcio Intermunicipal de Prefeitos, e receberão como resposta o nome de Celso Daniel. Ele comandou o movimento que Luiz Tortorello, Maurício Soares e José de Filippi Júnior, também prefeitos nos últimos cinco anos, seguiram com empenho. Principalmente os dois últimos.


Quando terminou sua primeira gestão, Celso Daniel virou deputado federal. Enquanto isso, os prefeitos eleitos em 1992 praticamente desativaram o Consórcio Intermunicipal. Newton Brandão, Walter Demarchi, José Augusto da Silva Ramos, Leonel Damo, Antonio Dall’Anese e Valdírio Prisco voltaram ao jogo municipalista que conferiu à história política do Grande ABC o sentido de isolamento de doenças contagiosas. Cada novo prefeito tratou de cuidar de interesses limitados ao respectivo território, como se economia, cultura, agentes sociais e atividades políticas devessem obedecer rigidamente o traçado do mapa construído pela série de emancipações nos anos 50 e 60.


A trajetória inicial de Celso Daniel multimunicipal contribui para entender por que tantas figurinhas carimbadas, principalmente do Partido dos Trabalhadores, tomaram o Paço de Santo André no sábado 19 de janeiro, quando houve a divulgação do sequestro. Celso Daniel rompeu as fronteiras provinciais de Santo André e do Grande ABC muito antes de ser convidado por Lula da Silva a coordenar o programa presidencial de governo do PT, inclusive como professor da FGV. Tivesse se enclausurado nos guetos municipais, como tantos outros administradores públicos da região, não teria colaboração alguma a dar no plano nacional.


Consagração em congresso


O olhar prospectivo de regionalidade provavelmente seria uma das marcas de Celso Daniel como futuro ministro de Indústria e Comércio, posto que lhe estaria reservado no organograma petista. Sim, um ministério de ação, de envolvimento com as forças produtivas. O Ministério do Planejamento, também sugerido, recomendaria um perfil fortemente de coordenação, característica que o prefeito também dominava.


Celso Daniel saltou para a agenda nacional do PT e elaborou o plano de governo de Lula da Silva, apresentado no final do ano passado em Recife, Pernambuco. O congresso consagrou seu nome no partido frente a representantes mais ortodoxos que insistem em hostilizar o capital. O então prefeito de Santo André soube neutralizar as forças mais reacionárias do partido. Utilizou para isso o poder de sedução de quem cultivava o diálogo e de quem construía argumentos com extrema coerência. Saiu de Recife com a cabeça coroada.


Se Celso Daniel não tivesse erguido no Grande ABC sua plataforma de aspirante a estadista, provavelmente não teria rompido os grilhões do intrincadíssimo jogo político-partidário das agremiações líderes de representatividade. Jamais teria, também, se tornado unanimidade na cúpula petista que, em reconhecimento, compareceu em peso ao centro nervoso da catarse de janeiro, no Paço Municipal de Santo André.


O prefeito que Santo André elegeu por três vezes, sempre lhe oferecendo mais e mais votos, só retornou à Prefeitura pela segunda vez em 1997. A semente da regionalidade integracionista plantada no começo da década e o retrocesso dos prefeitos que sucederam os vencedores das eleições de 1988 associaram-se como eventos conflitivos para as esperanças de um Grande ABC socioeconômico menos vulnerável na virada do milênio.


Após provar o doce da unidade regional que levava a crer que o Grande ABC não seria mais uma metáfora e também depois de sentir o fel do refluxo paroquial, era evidente que a institucionalidade da região não morreria de inanição, antes mesmo que Celso Daniel reocupasse o Paço.


A reconquista da regionalidade mobilizou as elites de entidades empresariais, sindicais e sociais num movimento de mobilização para elevar o quociente político do Grande ABC na Assembléia Legislativa e na Câmara Federal. Foi assim que se fundou o Fórum da Cidadania, em 1994. Quando os prefeitos eleitos em 1992 deixaram os respectivos postos, a sonhada metropolização sustentada pelo Poder Público estava na lona. Apenas o prefeito de Ribeirão Pires, Valdírio Prisco, aparecia no noticiário, como presidente do Consórcio Intermunicipal que mais lembrava um náufrago em mar aberto.


De novo Celso Daniel voltou à cena da regionalidade ao reocupar o Paço de Santo André em janeiro de 1997. Reencontrou pelas urnas velhos parceiros de jornadas, casos de Luiz Tortorello e Maurício Soares. A eleição dos petistas Oswaldo Dias e Maria Inês Soares reforçou a musculatura do PT e a potencialidade de sensibilização regional. O ex-petista Gilson Menezes voltava à Prefeitura de Diadema e Rio Grande da Serra passou a viver um rodízio funesto e controvertido de prefeitos a partir da morte de Aparecido Franco, vítima de enfarte.


O Fórum da Cidadania vivia momentos de glória. Tinha coordenação articulada e conseguia estabelecer pauta de debates que exigiram reação respeitosa principalmente do governo do Estado. Pressionada por lideranças reunidas no Fórum e contando com apoio do então secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico Emerson Kapaz, a regionalidade dogmática de Celso Daniel consolidou-se com a constituição da Câmara Regional do Grande ABC.


A instituição, incentivada também pelo governador Mário Covas, foi a fórmula que o Grande ABC encontrou para dar um drible na Assembléia Legislativa. Como a metropolização jurídica do Grande ABC é uma eterna expectativa que a Baixada Santista e a Grande Campinas conseguiram materializar porque estão fora do eixo da caótica Grande São Paulo, a saída encontrada foi a fundação da Câmara Regional, um conglomerado de prefeitos, deputados federais e estaduais, representações empresariais, sindicais e sociais — espécie de junção do Consórcio de Prefeitos e Fórum da Cidadania, além do governador do Estado e de todo o secretariado.


A Câmara Regional não era o modelo institucional de metropolização defendido por Celso Daniel. Ele sonhava com participação mais maciça da sociedade. Entretanto, jamais deixou de participar ativamente e de colocar secretários municipais e assessores nos grupos temáticos de estudos.


Secretaria confirmada


Decididamente mais versado em políticas públicas voltadas para o social, Celso Daniel não se consagrou em nível regional e mesmo municipal como administrador de intensidade desejada nas atividades econômicas. Mesmo assim, implementou a importância do desenvolvimento econômico sustentado de forma superior a seus contemporâneos e antecessores.


O exemplo mais emblemático de que Celso Daniel não desprezava a importância da atividade econômica, embora lhe faltasse mais apetência diante das necessidades emergenciais, é que não teve dúvidas de, no início do segundo mandato, confirmar o que prometera a este jornalista, que tanto martelou a respeito do assunto: criou a Secretaria de Desenvolvimento Econômico.


A decisão foi seguida por todos os demais prefeitos. Chamou para o cargo, contrariando parte dos petistas mais à esquerda que queriam um sindicalista, o executivo Nelson Tadeu Pereira, dono de carreira ascendente no Grupo Rhodia e que acabara de se aposentar.


A importância dessa decisão só pode ser avaliada na medida em que se desnuda o corpo insensível dos demais administradores públicos que passaram pelo Grande ABC antes de Celso Daniel: nenhum, absolutamente nenhum deles, ao menos desconfiou que não tinha o menor cabimento exibir o organograma da administração pública municipal sem um quadradinho reservado às relações com as forças industriais, comerciais e de serviços. A suposição de que a riqueza produtiva do Grande ABC seria eterna lubrificou o desinteresse do Poder Público em aproximar-se dos comandos industriais, por exemplo.


Consórcio Intermunicipal mais ativo, Câmara Regional estimulante e Fórum da Cidadania participativo poderiam ter acomodado Celso Daniel e reduzido sua febre regionalista. Qual nada! Ele liderou a criação da Agência de Desenvolvimento Econômico, braço operacional da Câmara Regional. A agência daria suporte de dados estatísticos, de projetos, de planejamento específico para aplicação pela Câmara Regional. Pela primeira vez o Grande ABC prometia organizar-se estatisticamente para produzir análises que pudessem beneficiar o conjunto dos municípios com medidas estratégicas sistêmicas.


Embora houvesse disfarce generalizado e fingimento acovardado sobre as idiossincrasias que permeavam relações interpessoais e políticas, foi questão de tempo o desmoronamento das instituições que tiveram em Celso Daniel participação direta ou de apoio.


A Câmara Regional sem formalização legal e sem recursos financeiros caiu numa pasmaceira de encontros de escalões secundários do governo do Estado.


O Fórum da Cidadania inchou de entidades, esvaziou as plenárias, perdeu-se na bobagem de trocar a animação do processo socioeconômico pela patetice de misturar-se demais com quem tinha a responsabilidade da execução.


O Consórcio de Prefeitos resiste mais, planta algumas ações regionais, colhe alguns frutos, mas está longe demais da celeridade do empobrecimento regional e da força avassaladora da globalização e da exclusão social.


A Agência de Desenvolvimento Econômico, que Celso Daniel presidia desde a fundação, mal conseguia recursos para pagar salários de colaboradores, quanto mais financiar ações derivadas de conclusões dos estudos.


Mesmo sem apoio permanente de boa parte dos demais prefeitos e longe do nível necessário que lideranças empresariais poderiam oferecer, Celso Daniel fazia das tripas coração para manter a agência. Conseguiu R$ 300 mil do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e também R$ 300 mil do Banco Mundial para ações de desenvolvimento. Tudo a fundo perdido — isto é, sem compromisso de devolução.


Por essas e outras Celso Daniel foi-se afastando dos debates sobre o Grande ABC nos últimos meses. Não que deixasse de comparecer aos encontros, não que retirasse a estrutura material e funcional da Prefeitura das atividades. O prefeito voltou-se mais para a administração de Santo André. Discreto, paciente, jamais reclamou de qualquer prefeito em público. Chegou ao ponto de, em dezembro último, durante os festejos de 10 anos de fundação do Consórcio Intermunicipal, participar de um debate-balanço das atividades e poupar seus pares de paços municipais, preferindo atribuir a recaída institucional da região ao que chamou de pouco empenho da mídia. Também repartiu o peso da retração às dificuldades de financiamento da estrutura das próprias organizações responsáveis pela integração.


Brasília no horizonte


Celso Daniel começou a embalar o sonho de influenciar na equação metropolitana da Grande São Paulo, e do Grande ABC em particular, a partir da massa crítica de Brasília, como eventual executivo de ouro de Lula da Silva. A constatação de que os municípios do Grande ABC só conseguirão melhorar os indicadores sociais e econômicos a partir de ação integrada, porque é assim que investidores enxergam a região, sustenta a perspectiva de que são indispensáveis aportes financeiros públicos de instituições de fomento centradas em Brasília.


Integrantes do grupo de Lula da Silva, muitos dos quais originários das greves sindicais no Grande ABC, exerceriam influência suficiente em Brasília para fazer retornar à região nacos de impostos federais que insistem em ser arrecadados no Grande ABC mas são repassados a outros Estados politicamente mais influentes no jogo de forças do Congresso Nacional.


Por mais que Celso Daniel eventualmente estivesse de olho em Brasília e acenasse com a possibilidade de retirar da biografia política do Grande ABC o vácuo de representatividade da classe política na Capital do País, sua ação regional não estava esgotada. Ele fez florescer seguidores influentes, entre os quais os próprios prefeitos. Embora tenham colocado o pé no breque muito antes de Celso Daniel, que só o fez por descobrir essa realidade, os prefeitos sabem que apagar os incêndios municipais se tornará rotina e não circunstância se a visão integracionista for atirada na lata do lixo.


Até por questão de sobrevivência dos grupos políticos que dirigem, eles não podem deixar de olhar para o futuro de integração. Se o passado de fartura industrial induzia ao desleixo, o presente de evasão contínua de riqueza e de permanente geração de pobreza será menos condescendente com quem insistir em achar que os limites do Grande ABC são seus próprios municípios isoladamente. O ajuntamento estratégico e racional pode parecer um sonho irrealizável, mas basta observar os movimentos de aproximação na União Européia de 300 milhões de habitantes de nações historicamente separadas por diferenças culturais, econômicas, sociais e políticas para entender o quanto o Grande ABC está atrasado.


O legado metropolitano de Celso Daniel, portanto, é preciosidade que nenhum outro administrador público do Grande ABC ousou liderar e lapidar durante tanto tempo seguido. As fraturas de relacionamento são naturais quando se observa que o caixa mal suporta as contas a pagar e que o regime de Lei de Responsabilidade Fiscal colocou todos os prefeitos na marca do pênalti. Há tantas especificidades municipais a serem gerenciadas pelos prefeitos do Grande ABC que os ideais integracionistas de Celso Daniel pareciam sonhos irrealizáveis. Essa é a diferença entre administradores comuns e visionários.


Abaixo gataborralheirismo


A lucidez com que interpretava a possibilidade de o Grande ABC deixar de lado o Complexo de Gata Borralheira — que se traduz no sentimento generalizado de que a Capital é sempre superior, é a Cinderela — embalou os planos de metropolização institucional e operacional da região vista por Celso Daniel. Se as cidades locais se comunicam por um sistema viário complementar, se são olhadas como unidade socioeconômica e cultural pelo Brasil inteiro, se igualmente não contam com televisão aberta própria, se sofrem as mesmas dores da fama de riqueza e de pobreza que convivem num mesmo ambiente que se transforma em criminalidade, não tinha sentido perderem o senso do coletivismo.


Diferentemente de Lauro Gomes de Almeida, político do passado que comandou as prefeituras de São Bernardo e Santo André e que, portanto, poderia ser interpretado como gerenciador público regionalizado, foi Celso Daniel quem ocupou por 10 anos o posto de principal prefeito do Grande ABC, embora se limitasse a três gestões à frente de uma única Prefeitura.


A contradição que opõe um mesmo prefeito paroquial em dois municípios distintos e Celso Daniel multiplicador baseado numa única Prefeitura deve ser estabelecida para que não se cometa a insensatez de observar Lauro Gomes de Almeida sob prisma fantasioso. Ele foi prefeito de dois municípios da região mas voltou-se principalmente para os limites territoriais que o elegeram por último. Sem contar que era um político de estilo radicalmente diferente de Celso Daniel. Notabilizou-se pelo caciquismo, pelo populismo e pelo mandonismo. Um perfil que Bruno José Daniel, pai de Celso, conhecia como poucos como secretário de Lauro Gomes. Contam-se histórias de Lauro Gomes que, transpostas para o panorama político nacional atual, se assemelhariam às biografias de líderes políticos do Norte e Nordeste. Um ACM antecipado pelo tempo.


Se forem filtradas as principais características de Celso Daniel como administrador público e comparadas com as melhores qualidades individuais dos atuais prefeitos e seus antecessores na região, a conclusão a que se chegará é que ele provavelmente perderia em intensidade para a maioria. O que o tornou o melhor é que conseguia em porção muito próxima, ou superior, agregar os melhores predicados de todos os demais. Algo semelhante com o que Pelé representou para o futebol. O Rei não cabeceava como Baltazar, não chutava como Rivelino, não lançava como Gerson, não driblava como Tostão, não tinha a finesse de Didi, o ímpeto de Vavá e o senso de posicionamento de Romário, só para citar alguns dos principais craques brasileiros. Mas Pelé foi insuperável justamente porque era a soma das melhores qualificações individuais dos grandes craques.


Celso Daniel transformou-se no melhor gerenciador público do Grande ABC porque seu horizonte era a política macroeconômica e seu campo de combate os 800 quilômetros quadrados da região. Era especialista em planejar, organizar e centralizar a estratégia sem deixar de descentralizar as ações. Também tinha fairplay para montar e manter equipes de trabalho porque valorizava sobremodo os assessores. Era um espectador anônimo das exposições de seus auxiliares, mas quando necessário, chamado a intervir, mostrava a destreza professoral de avaliações sempre claras, hierárquicas — tudo que anotava disciplinadamente. Reagia com segurança nas eventuais contraposições. Creditava a quem de direito eventuais decisões tomadas em grupo.


Extremamente tímido, Celso Daniel tinha tudo para ser um orador com dificuldades de audiência. Mas era bom de discurso, de palanque, de seminário. Falava com mais substância do que eloquência. Mas quem resiste a incorporar novos conhecimentos transmitidos por alguém que não se perdia nos enfoques?


A certeza de que com Celso Daniel haveria sempre interlocução inteligente jamais se frustrou. Coerente do começo ao fim, sabia o momento de elevar a voz, de dar uma entonação mais grave. Gesticulava o suficiente. Nos encontros fechados, jamais cheirou a populismo. Nos palanques das campanhas eleitorais sabia que o povo que se dispõe a ir às ruas não admite falta de empolgação. Por isso era mais enfático.


Celso Daniel também era muito organizado. Cumpria todos os compromissos da agenda sem reclamar. A política era seu sacerdócio mas também sua antítese, porque a introspecção lhe criava algumas barreiras e algumas restrições. Mas a força do animal político que o fez um paradoxo de si mesmo era superior.


Preservando livros


Deslocado das conversas e das reuniões de amigos e familiares, Celso Daniel se tornava comunicativo na dose necessária nos compromissos de homem público. Quando no exercício da política, atirava às traças a quietude. No apartamento ou na casa dos familiares, geralmente trocava bate-papos por leitura. Adorava pipocas, mas conciliava o prazer com a paixão e o respeito pelas obras literárias. Subvertendo o costume de que pipoca se come com as mãos, que se encharcam de óleo, Celso Daniel preferia uma colher para não manchar os livros. O confronto covarde que o abateu em hora e em local incertos opôs ao cérebro disciplinado e enriquecido por longas jornadas de empenho cultural mãos engatilhadas pela brutalidade descomunal.


Talvez o único pecado do administrador Celso Daniel, além da natural e justa vaidade intelectual, era a fidelidade aos colaboradores. Nem todos mereciam tanto zelo. Nem todos devolviam em produtividade e objetividade o que Celso Daniel oferecia em confiança e em liberdade. Mas foram poucos os casos com essa textura de relacionamento.


Celso Daniel deixou mais que os pressupostos de integração regional como herança político-administrativa ao Grande ABC. Diversas peças importantes do quebra-cabeça de regionalidade foram selecionadas e valorizadas por ele durante vários anos. Casos de técnicos importantes que, a despeito do rebaixamento de participação da maioria dos prefeitos, mantiveram o Consórcio Intermunicipal em ritmo imensamente superior aos tempos dos caciques que pontuaram a administração pública sob ótica exclusivamente municipal.


Embora tenha combatido o tradicional isolamento municipal dos administradores que o antecederam e incentivado a integração dos prefeitos cujos mandatos coincidiram com o seu, Celso Daniel não vacilou no próprio terreiro em que procurou exorcizar o sentimento de periferia de Santo André frente a São Paulo. Na verdade, foi o prefeito que mais se projetou contra o Complexo de Gata Borralheira.


O programa urbanístico Eixo Tamanduatehy, a Cidade Pirelli, a cobertura do então decadente Calçadão Oliveira Lima, a plantação de palmeiras imperiais em pontos estratégicos, a requalificação de ruas e avenidas de intenso tráfego, o Programa de Inclusão Social e a reformulação e transformação do Parque Duque de Caxias no primeiro centro de lazer 24 horas da Grande São Paulo — tudo isso tinha sincronia com o jeito todo especial de Celso Daniel dirigir Santo André.


Como se poderia esperar de guetos de conservadorismo renitente, Celso Daniel acabou criticado por ultrapassar os limites do convencional. As viagens internacionais eram contabilizadas por oposicionistas rasos com a mesma paranóia de quem conta os dias para se livrar do xadrez. Requisitadíssimo por organismos e entidades internacionais, Celso Daniel frequentava seminários, debates, palestras e eventos em todo o mundo. Geralmente com despesas pagas pelos promotores, não raro do próprio bolso.


No ano passado, por exemplo, o prefeito esteve em Nairóbi, Quênia, como expositor de experiência do Programa Integrado de Inclusão Social, em evento promovido pelo Habitat, da ONU (Organização das Nações Unidas). Depois, seguiu para Nova York, Estados Unidos, onde participou da Conferência Istambul+5, que trata de soluções urbanísticas para várias cidades do mundo.


As andanças de Celso Daniel tinham mais que sentido de relacionamento com a intelectualidade internacional. Ele apresentava os resultados como andarilho de classe. Foram estabelecidos vários convênios e acordos de cooperação com importantes repasses de recursos. “Construímos nesse período uma rede de relações com cidades do Exterior e organismos internacionais. Sem exagero, podemos dizer que estamos agindo também como embaixadores de nossa cidade e do Grande ABC” — expôs o prefeito após retornar de Nova York em maio de 2001.


Antes disso, no início do terceiro mandato, Celso Daniel introduziu na estrutura operacional da Prefeitura o que aparentemente seria um acinte para a falta de visão regional e nacional de seus antecessores: criou a Secretaria de Captação de Recursos e Relações Internacionais, comandada por Jeroen Klink, holandês naturalizado brasileiro que já estava incorporado à administração como assessor especial.


Ação antiviolência


A extroversão estratégica de Celso Daniel chocava os vanguardistas do atraso que conferiam exagerados adereços turísticos a quem geralmente era encontrado nos salões dos eventos ou à beira de piscinas com algum livro à mão. Celso Daniel olhava em perspectiva, mas seus pés estavam fincados na Santo André pela qual combatia com postura de esgrimista. Sabia, por isso, que a criminalidade no Grande ABC não poupava Santo André. Por isso, lançou também em janeiro de 2001 a Secretaria de Combate à Violência.


Continuou dando pulso forte a uma operação aparentemente antipopular, mas cujos resultados políticos eram permanentemente monitorados por pesquisas de opinião pública: as multas de trânsito registradas por radares fixos e móveis. Os reclamos provocados por motoristas vítimas de alguns trechos viários considerados armadilhescos foram reduzidos na exata proporção em que viraram reclamação na mídia. As medidas corretivas da política de trânsito comandada pelo secretário Klinger Sousa permaneceram e fizeram escola, embora o indispusesse com grupos de pressão.


Praticamente todos os prefeitos do Grande ABC adotaram ferramenta semelhante para acabar com a farra da irresponsabilidade de motoristas que só se educam pela dor no bolso.


Recente explicação do diretor de trânsito de São Caetano ajuda a entender o sentido de vasos comunicantes da integração prática do Grande ABC. Para justificar a introdução de radares móveis e fixos, recorreu o executivo municipal à simplicidade óbvia: como todo o Grande ABC está cercado de equipamentos que enquadram os motoristas mais afoitos, e somente São Caetano não constava do mapa de limites, as ruas do Município viraram pistas de corrida. O que um dirigente de trânsito definiu sob ótica específica, Celso Daniel constatara muitos anos antes com a dimensão de administrador sem limites territoriais e temáticos.


Cidade Futuro


O projeto Santo André Cidade Futuro é uma das heranças que Celso Daniel deixa para a sociedade desembaraçar. Trata-se de definir o desenvolvimento sustentado de Santo André até o ano 2020. Desenvolvimento Econômico, Desenvolvimento Urbano, Qualidade Ambiental, Inclusão Social, Identidade Cultural, Educação e Reforma do Estado são pontos de sustentação da programação que numa primeira etapa envolveu 2,9 mil moradores em 99 reuniões em bairros.


Jamais na história dos municípios da região tanta gente participou diretamente de diretrizes que projetassem o desenvolvimento sustentado para as décadas seguintes. Uma contraposição à história de uma região construída aos saltos e com o prevalecimento de abordagens pontuais.


Santo André Cidade Futuro foi um show de participação popular que arrefeceu nos últimos meses porque há imediatismo por respostas decorrente de um Município que sofre as dores do esvaziamento industrial e do enxugamento de postos de trabalho. Santo André Cidade Futuro tem a cara do Celso Daniel planejador do tempo. É uma carta de intenções cujas diretrizes de cada um dos sete grupos temáticos nem sempre se complementam.


Ao optar pelo título Cenário Para Um Futuro Desejado, a administração de Celso Daniel reconhecia o caráter ao mesmo tempo prospectivo e utópico dos resultados. O programa comprova a descentralidade administrativa do prefeito, que entregou à Terezinha Santos a tarefa de comando.


A veia cultural de Celso Daniel foi exposta entre o final de 1999 e inicio de 2000, quando o Eixo Tamanduatehy e vários projetos urbanísticos da Prefeitura de Santo André foram exibidos durante a 4ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo. Foi a primeira vez que uma representação oficial do Grande ABC se fez presente no maior evento do setor no País, reservado para o Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera.


A Bienal Internacional de Arquitetura que recepcionou Santo André não foi ação exclusivamente cultural. Por trás desse movimento inusitado estava a expectativa de sensibilizar investidores a descobrir o potencial de transformações urbanísticas e econômicas do imenso corredor formado pela Avenida dos Estados e seus entornos, casos da via férrea e da Avenida Industrial.


Lançado em abril de 1999 no Palácio de Mármore, o Eixo Tamanduatehy foi exposto na sequência no Masp (Museu de Arte de São Paulo) e despertou interesse da comunidade acadêmica e de profissionais de arquitetura por representar propostas para superar a posição de periferia do Grande ABC em relação a São Paulo.


Formado por um conjunto de áreas que compreendem cerca de 700 hectares ao longo de 10 quilômetros entre a divisa de São Caetano e o limite com Mauá, o Eixo Tamanduatehy contou com projetos encabeçados por nomes prestigiadíssimos, como Cândido Malta (Brasil), Christian de Portzamparc (França), Eduardo Leira (Espanha) e Joan Busquets (Espanha), assessorados por consultoria dos urbanistas Jordi Borja, da Espanha, e Raquel Rolnik, do Brasil.


Já fazem parte do cenário real de obras do Eixo Tamanduatehy o campus da UniABC, o ABC Plaza e o Supermercado Extra, na Avenida Industrial; a nova Rodoviária e o Autoshopping Global na Avenida dos Estados, além da Cidade Pirelli, em fase de pré-lançamento.


O desfalque de Maurício Faria, responsável pela coordenação do projeto e chamado para reforçar a equipe de Marta Suplicy, atravancou o ritmo mas não comprometeu o programa que faz parte de Santo André Cidade Futuro. Para Celso Daniel, a tradução dessa equação é que mais dia, menos dia Santo André se encontrará com a modernidade.


Celso Daniel tinha um olho no futuro e outro no presente quando se tratava de dar novo ritmo ao desenvolvimento econômico. Só o ritmo não conseguia acompanhar os problemas acumulados em décadas de imprevidência pública e também as questões ditadas por novos referenciais de competitividade. A Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Santo André encontrou sérios obstáculos de infra-estrutura material e de recursos humanos para os enfrentamentos que se apresentaram. Se o Eixo Tamanduatehy inebriava pelo casamento entre economia e urbanismo, a velharia legislativa de décadas de fartura e que atravancava qualquer possibilidade de incremento de atividades produtivas foi demoradamente estudada e finalmente eliminada.


Amarras industriais


Um feito inédito e pouco mensurado no acervo gerencial de Celso Daniel foi a radicalização no tratamento das leis que acabaram com as amarras para instalação e ampliação de indústrias. As medidas eliminaram da geografia municipal qualquer tipo de restrição, num monumento de pragmatismo liderado por um administrador público que acompanhou atentamente o esfacelamento industrial de Santo André nos últimos 30 anos. Celso Daniel transpôs o radicalismo dogmático do marxismo dos tempos de juventude e se identificava, cada vez mais, com a social-democracia da Europa do Estado-do-Bem-Estar-Social, na qual se inspirava em seus projetos para Santo André.


Também a legislação do setor terciário — igualmente dinossáurica — foi para o ralo com a retirada de cláusulas de reserva de mercado territorial para empreendimentos como farmácias e postos de combustíveis, entre outros, que contavam com salvaguarda de distância mínima para impedir o choque de oferta de produtos e serviços em seus arredores.


Foi aprovado ainda o funcionamento legal de pequenos negócios em espaços originariamente destinados a residências. Nada mais prático, porque a desindustrialização do Grande ABC, principalmente de Santo André, levou milhares de ex-operários a constituir negócios. Não faltam garagens que viraram pizzarias, bares e mercearias, entre outros estabelecimentos. Adequar as leis à realidade é uma maneira de quebrar a espinha dorsal da indústria de multas e de extorsão.


Como os demais prefeitos da região e do Brasil, Celso Daniel só não conseguiu disciplinar os investimentos na área comercial. Grandes conglomerados nacionais e internacionais de varejo, casos de supermercados, hipermercados, home-centers e shoppings, tomaram o Grande ABC nos últimos anos sem que se opusessem restrições. Mais que isso: os administradores públicos mergulharam de cabeça em oferecer gentilezas para atrair esses investimentos.


A preocupação em recuperar parte dos tributos que se esvaíram com o enfraquecimento industrial e a ameaça de ver municípios vizinhos absorvendo as propostas de instalação de novos redutos de consumo tornaram a administração de Celso Daniel semelhante a dos demais prefeitos no mercado varejista. E a recíproca dos demais prefeitos também é verdadeira.


Isso quer dizer que a vulnerabilidade do pequeno negócio no Grande ABC, à parte a inexistência de instrumentos que reduzam o impacto provocado pela disparidade de forças com a concorrência de maior porte, é assunto que está diretamente relacionado à legislação federal imprevidente. De qualquer forma, Celso Daniel agiu de maneira tópica com a chamada utilização da operação urbana.


Um exemplo é o ABC Plaza, que provocou alterações no uso e ocupação do solo tomado por uma indústria e que, como compensação, investiu no sistema viário ao redor. De qualquer modo, não pode ser acusado de omisso, porque tentou o paliativo com o projeto Centros de Bairros, que consiste em utilizar ações urbanísticas e viárias como freio à fuga de consumidores da periferia em direção a estabelecimentos de maior porte da região central.


Por todo esse conjunto de obras físicas e programas que desafiam o tempo, Celso Daniel merece muito mais que ser lembrado como novo nome oficial do Parque Duque de Caixas e eventuais outras homenagens a que fez jus. Somente a disseminação da saga que empreendeu para retirar o Grande ABC da condição de satélite da Capital possibilitará, de fato, que as atuais e futuras gerações de gerenciadores públicos entreguem-se com mais empenho à metropolização sempre protelada.


Celso Daniel é um dos poucos exemplares de que a paixão municipal — que não escondia curtir por Santo André — jamais obscureceu seus horizontes cosmopolitas. É segui-lo ou continuar na pasmaceira provinciana de sempre.


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