Política

Seleção eleitoral

DANIEL LIMA - 19/09/2004

Há candidatos de todos os tipos no mercado de votos. A fauna é múltipla. Vejamos alguns casos que formam um time respeitável. Ou melhor, uma seleção respeitável:


Rancoroso — Retalia todos os adversários e até mesmo os companheiros de chapa. Resmunga o tempo todo. Promete sanções drásticas aos opositores em caso de vitória. Os inimigos que constroem paranoicamente serão triturados, garante. Os adversários, metralhados. Os aliados que se cuidem. Os mais chegados que tirem o cavalinho da chuva porque vão ter de trabalhar muito e receber migalhas. Para o rancoroso, o que interessa mesmo é o próprio bolso. E um antiácido, porque ninguém é de ferro.


Bajulador — Antítese do rancoroso, o bajulador é fértil em distribuir elogios e recepcionar pedidos. Para ele, o que vale de fato é assegurar o voto eletrônico. Depois, são outros quinhentos. Corteja a todos com sorriso de aeromoça e sensibilidade de vendedor, mas segue o rito do descarte da lata de cerveja consumida.


Desconfiado — Está na disputa de olho nos mais próximos e nos mais distantes. Considera impossível que lhe devotem fidelidade, porque o reflexo o acerta em cheio. Está escaldado contra traições. Procura cercar-se de gente de extrema confiança. O que não passa de paradoxo, porque o desconfiado não confia na própria sombra.


Procrastinador — Especializado em deixar para amanhã o que poderia ter resolvido ontem, acredita piamente que será capaz de enrolar aqueles que deverão conduzi-lo à vitória. Estica ao máximo o cronograma de resoluções. Ao contrário da corrida contra o relógio dos ciclistas, nada o retira da certeza de que o amanhã só existirá se conseguir postergar o hoje, em vez de antecipar o ontem.


Gelatinoso — Movimenta-se com rara habilidade entre aliados e inimigos. Adora fazer dos ouvidos confessionário. Conta com a certeza de não incorrer em pecado porque sustenta a tese de que em política tudo vale. É um vale-tudo constante.


Conciliador — Sua missão é gandhiana, de paz e amor. Esmera-se em detectar estremecimentos entre amigos e conhecidos porque pinça detalhes que o levarão à empreitada seguinte, de aproximação dos contrários. O conciliador sabe que ninguém esquece um gesto de boa vontade que amordaça idiossincrasias.


Alienado — Diferentemente do conciliador, sempre engajado em juntar peças que se perderam pelo caminho, o alienado pouco se comove com os rumos dos acontecimentos. Está sempre sorridente, solícito no formalismo mas imprestável em compartilhar. Sua neutralidade é irritantemente improdutiva.


Revolucionário — Não perde oportunidade para bradar por mudanças radicais. Tenta convencer espectadores voluntários ou compulsórios de que tem a fórmula mágica para transformar dívidas em receitas, receitas em obras, obras em empregos, empregos em felicidade. Exagera na argumentação e perde a razão. E votos.


Substancioso — Tem os mais consagrados autores na ponta da língua, mas esqueceram de avisá-lo que o grupo de amigos que saboreia suas acrobacias intelectuais é apenas um punhado de votos que inviabiliza disputa para síndico. Resiste em periferizar a linguagem e a mensagem. Mesmo diante de conselhos enfáticos de que seus votos serão inversamente proporcionais às páginas de literatura consumidas em intermináveis maratonas.  No fundo, no fundo, está feliz — o prazer a que se dá é de ser reconhecido como bom de cabeça, não de voto.


Generoso — A candidatura própria pouco lhe importa. Disputa por disputar. Prefere servir de trampolim. Está crente de que, como candidato, traveste-se em melhor cabo eleitoral dos concorrentes. Isso mesmo: adora apresentar supostos adversários aos amigos. E os amigos, que não são bobos nem nada, não lhe devem lealdade eleitoral, porque reconhecem nele o desprendimento de que o resultado das urnas tanto faz como não fez. Nestas eleições, o generoso está disposto a esquecer o próprio número e votar no adversário mais chegado.


Mobilizador — Poucos têm a elasticidade geométrica de estar em vários pontos praticamente ao mesmo tempo. Os adversários não conseguem entender como o mobilizador mantém a fluvialidade de frequentar ambientes distintos sem criar arestas. Mas é exatamente neste ponto que mora a sabedoria da multiplicidade: o mobilizador permanece em cada situação apenas o tempo suficiente para se fazer notar e em sincronia perfeita com a próxima e breve visita.


Leia mais matérias desta seção: Política

Total de 862 matérias | Página 1

16/09/2024 Três versões de um debate esclarecedor
14/09/2024 GILVAN SOFRE COM DUREZA DO DEBATE
13/09/2024 Voto Vulnerável é maior risco de Gilvan Júnior
12/09/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (8)
10/09/2024 Gênios da Lamparina querem subprefeituras
10/09/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (7)
06/09/2024 Largada eleitoral para valer vai começar agora
06/09/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (6)
04/09/2024 É a Economia, Marcelo, Luiz Fernando e Alex!
04/09/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (5)
02/09/2024 QUAL É O PREÇO DE FORA BOLSONARO?
02/09/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (4)
30/08/2024 Marcelo Lima responde ao UOL como prefeito
30/08/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (3)
28/08/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (2)
27/08/2024 Luiz preocupado com Luiz indicado por Luiz
26/08/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (1)
20/08/2024 Seis armas de Zacarias que tiram sono do Paço
16/08/2024 POR QUE ZACA É TÃO TEMIDO PELO PAÇO?