Administração Pública

Dói no bolso, mas
ajuda a salvar vidas

VANILDA DE OLIVEIRA - 10/05/2001

Quanto vale uma vida? No trânsito vale US$ 130 mil. Esse é o custo social de uma morte em acidente de tráfego, seja num dos 240 cruzamentos de Santo André ou em qualquer outra parte do País. Se a questão fosse apenas dinheiro, Santo André poderia comemorar uma economia de US$ 15,4 milhões desde 1998, quando criou programa de excelência e adotou fiscalização eletrônica na esteira do Código de Trânsito Brasileiro. Por quê? Ao longo dos últimos três anos, 119 pessoas deixaram de morrer no sistema viário do Município, resultado de investimentos em pesquisa, diagnóstico, educação e fiscalização.


É um exército virtual de sobreviventes que deixou de figurar nas estatísticas de casos fatais e garantiu que a mortalidade sob e sobre rodas caísse 16% entre 1998 e 2000. O resultado ganha lentes de aumento se for considerado que no período a frota cresceu também 16%, segundo dados da Secretaria de Serviços Municipais. Nesse período, o governo municipal valeu-se do Código de Trânsito Brasileiro sancionado em 1997, depois de sete anos de trâmite no Congresso Nacional.


A Prefeitura também adotou os polêmicos radares — 22 fixos e móveis, que monitoram 50 pontos das 2.868 ruas e avenidas da cidade. Apenas Santo André, São Bernardo e Ribeirão Pires implantaram radares no Grande ABC. Sem os equipamentos, Mauá assistiu os acidentes de trânsito aumentarem quase 200% entre 1997 e 2000, segundo dados da Polícia Militar. A mesma PM aponta redução de 59% em Santo André.


A principal novidade inserida no contexto institucional do Código de Trânsito Brasileiro foi a chamada municipalização do trânsito. Os municípios, que já há algum tempo se responsabilizavam pela engenharia de tráfego e sinalização, ganharam autonomia para fiscalizar e operar o sistema viário e receberam também incumbências no campo da educação para o trânsito.


Em Santo André, a municipalização teve início efetivamente em janeiro de 1997, com base em convênio assinado entre Prefeitura e Polícia Militar datado de 1994 mas nunca colocado em prática. O instrumento permitia à Prefeitura estruturar equipes de fiscalização e operação de trânsito e assumir, em nome do Estado, determinadas responsabilidades que posteriormente o Código de Trânsito Brasileiro viria a delegar definitivamente aos municípios.


O mentor da política agressiva para mudar o comportamento dos motoristas e reduzir acidentes e mortes no trânsito chama-se Klinger de Sousa. O arquiteto maranhense está à frente da Secretaria de Serviços Municipais e da polêmica fiscalização eletrônica que rende avalanche de 30 mil multas/mês na esteira do Código de Trânsito Brasileiro.


Klinger de Sousa tem um olho no tráfego e outro nas urnas, mas não se desvia do foco de reduzir acidentes. Entre 1993 e 1997, o número de mortes no trânsito de Santo André, então sem radares, aumentava 20% a cada ano. O Programa de Excelência do Trânsito conseguiu não só frear como diminuir a mortalidade, mesmo com o avanço numérico da frota.


A implantação dos equipamentos foi precedida de um conjunto de sinalização de advertência que abrangeu não apenas vias sujeitas à fiscalização, como determina a lei, mas também as entradas da cidade. Motoristas passaram a ser informados com sinalização aérea sobre a existência de fiscalização eletrônica. Apesar da grita geral, mais ruidosa nos primeiros tempos, Santo André pode comemorar mais que vidas preservadas porque é o único Município da região a ter diagnóstico do trânsito local mais completo e real do que os das demais cidades e da própria PM.


Com estatísticas exclusivas, Santo André atingiu status de excelência que lhe garante figurar entre os resultados mais positivos de trânsito no País (segundo mapa do Denatran) e no mundo. Um dos quais é ter o quarto menor índice de mortes por mostragem de 10 mil veículos, melhor que o padrão internacional. Outro é figurar como cidade-modelo no trânsito e até exportar know-how.


O governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PMD) entrou anonimamente pela porta dos fundos da petista Prefeitura de Santo André em busca de informações para frear o conturbado trânsito de Brasília. Roriz foi vítima do próprio populismo ao valer-se do que batizou em campanha eleitoral de indústria da multa. Na caça de votos, prometeu mundos e fundos a eleitores-motoristas-infratores. Ganhou, assumiu, anistiou multados, viu o número de acidentes graves crescer 48% nos primeiros meses de 1999; enfim, desestruturou o trabalho do antecessor, o petista Cristóvam Buarque, que, à base de muitas autuações, mudou o comportamento dos motoristas no Distrito Federal.


É justamente o que busca o Programa de Excelência da Prefeitura de Santo André: mudar o comportamento e a cultura no trânsito. Comportamento inadequado que ainda hoje, apesar do Código de Trânsito Brasileiro, dos radares e das pesadas multas, gera 30 acidentes por dia na cidade. São envolvidos em média 57,5 veículos, 34 com placas de outros municípios.


Uma radiografia das multas feitas em 1999 mostrava que a imensa maioria dos motoristas estava respeitando as normas de trânsito. Na Avenida dos Estados, corredor de maior índice de acidentes e maior volume de tráfego da cidade, apenas 3% dos usuários eram autuados. Além disso, do total de motoristas com veículos emplacados na cidade, apenas 27% tinham uma ou mais multas em um ano. “Esses dados nos certificavam de que não havia exageros na política de fiscalização implementada e que as reclamações eram produto de resistências a mudanças de comportamento” — afirma Klinger de Sousa, rebatendo críticas de que Santo André tornara-se um pólo de indústria de multas.


No ano passado o Município ampliou a política de fiscalização e controle. Foram implantadas em todas as escolas do Município e em 40 escolas do Estado, de um total de 90, sinalização diferenciada voltada à segurança e controle monitorado por câmeras de vídeo. Além disso, a Secretaria de Serviços Municipais reformou e ampliou de 650 para 1.050 as placas de orientação, com especial atenção ao circuito de parques e áreas verdes.


Estudo do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) sustenta que Santo André está no caminho certo. Levantamento do organismo em âmbito nacional garante que os radares eletrônicos reduziram em pelo menos 1,5 mil por ano o número de mortes no trânsito brasileiro. O estudo revela ainda que, quando os equipamentos são instalados em locais de maior incidência de acidentes, há diminuição de 30% nas ocorrências e de 60% nas mortes.


O BID afirma que o Brasil criou o maior programa urbano de fiscalização eletrônica do mundo ao atingir 42 milhões de habitantes e dois terços da frota nacional de 18,6 milhões de veículos. Só em 1997, os radares evitaram 687 mortes na Capital paulista, de acordo com o organismo internacional.


Irritada com o prejuízo causado pelo excesso de velocidade ou pelo farol vermelho ultrapassado, uma minoria de motoristas faz coro de reclamações e recursos judiciais — mais de 2,5 mil por mês em Santo André, 30% deferidos — contra o sistema de fiscalização eletrônica do Município, copiado por outras cidades da região. Será que os 6% de motoristas com mais de duas multas, justamente os que mais reclamam e recorrem contra regras que conheceram ao obter a carteira de habilitação, esperneariam menos se soubessem que mais de uma centena de pessoas deixou de morrer por conta da política agressiva de fiscalização municipal?


Os menos furiosos rebatizariam o que denominaram de indústria das multas como fábrica de motoristas atentos, ou mesmo de incubadora de crianças educadas para dirigir melhor que os pais. Fundamentado cientificamente e com o referendo de congressos nacionais e internacionais de trânsito, o que pretende mesmo o Programa de Excelência é garantir modelo sistêmico, que viabilize a sinergia política, técnica e social com o foco na mudança de comportamento do motorista e da população em geral.


Esses conceitos já aplicados receberam recente voto de congratulação do Conselho Estadual de Trânsito, que aprovou por unanimidade moção da conselheira Dulce Lutfalla devido à exemplar atuação da administração municipal de trânsito, conforme consta literalmente da publicação datada de 5 de maio último.


Na política austera de trânsito adotada em Santo André, se alguém tem de pagar para que as estatísticas parem de gerar chacinas sobre rodas a cada esquina e deixem de ser uma guerra, que seja quem transgrediu regras estampadas em placas, faixas e campanhas. O raciocínio de Klinger de Sousa chega a agredir de tão óbvio: o que informa uma placa branca redonda com o número 60? Qualquer criança sabe que, naquele trecho, a sinalização proíbe ultrapassagem a mais de 60 quilômetros por hora. E o sinal vermelho? Manda seguir ou parar? A política ostensiva pode ser traduzida assim: se o motorista está entre aqueles que ultrapassaram o farol vermelho e viram o flash do radar explodir na testa, então tem de pagar.


O secretário de Serviços Municipais admite que ninguém comete faltas no trânsito por má-fé — a não ser personagens de livros de Rubem Fonseca. Mas se a desatenção pode pôr vidas em risco, então alguém tem de pagar por isso, enquanto não muda de comportamento. Que seja o infrator, em dinheiro, e não os filhos dos outros ou os dele próprio estendidos no chão sob quatro rodas.


O secretário não esconde que o caminho contra acidentes e mortes no trânsito é ostensivo, ousado, duro, antipático mesmo. Educação? “É para criança” — conceitua, ao afirmar que é na escola que a Prefeitura investe parte do dinheiro das multas, para ensinar quem ainda não pode dirigir. “Alguém que fez todos os exames e testes para obter a carteira de habilitação já foi educado para o trânsito. O necessário é mudar o comportamento do motorista, fazê-lo prestar atenção na direção do carro, na sinalização. A questão é cultural” — define Klinger de Sousa, ao admitir que já foi multado quatro vezes — duas por falar ao celular enquanto dirigia, uma por excesso de velocidade, em São Bernardo, e a quarta por ultrapassar 40 km/h sobre lombada eletrônica. “Paguei e fiquei morrendo de vergonha” — conta.


O programa de educação de trânsito é parte integrante do Programa de Excelência de Trânsito e foi iniciado junto às escolas em 1999. A determinação é desenvolver um comportamento seguro em crianças e adolescentes. Na primeira fase foram implementados a sinalização padrão no entorno das escolas e novo sistema de iluminação, além de circuito de câmeras de vídeo para monitorar o entorno das escolas.


A educação formal prevista no programa foi aplicada aos alunos do Ensino Médio da rede estadual por representarem a faixa de maior risco nas estatísticas de acidentes de trânsito do Município. “Aplicamos também programa de capacitação dos professores” — afirma Klinger de Sousa. Na rede municipal de Ensino Fundamental e Infantil implantaram-se atividades relacionadas ao tema trânsito através do Projeto Clic dos Laboratórios Pedagógicos e por projetos desenvolvidos por professoras.


Durante o ano passado o programa abrangeu toda a rede municipal, incluindo creches e unidades de Educação Infantil e Ensino Fundamental, bem como classes de alfabetização de jovens e adultos. No total, foram mobilizadas 63 unidades escolares, 900 salas de aula, 1,5 mil educadores e aproximadamente 28 mil alunos. Nas escolas estaduais de Ensino Médio a adesão foi espontânea e abrangeu 21 unidades, 160 professores e 5,7 mil alunos.


No projeto Laboratórios Pedagógicos, alunos da rede pública desenvolvem atividades virtuais no computador relacionadas ao trânsito, uma forma de estimular pesquisa, criatividade, capacidade crítica e pensamento lógico. O que se faz nos laboratórios tem continuidade nas salas de aula por meio de trabalhos temáticos, jogos, passeios, poesias e pintura.
Além de investir nos motoristas do futuro, a Prefeitura realizou diferentes trabalhos de comunicação por meio de fóruns, seminários, congressos e campanhas de informação e orientação, como a do ano passado: Faixa de Pedestre — A Vida Pede Passagem e a Semana Nacional do Trânsito.


Também investiu em anúncios na mídia especificamente voltada às crianças, como o Diarinho, suplemento infanto-juvenil do Diário do Grande ABC. A proposta da Prefeitura para 2001 é confeccionar 100 outdoors e 100 cartoons com objetivo de fazer o cidadão refletir sobre o trânsito através do humor. Está previsto para junho próximo o primeiro Congresso de Trânsito e Transportes na cidade, que deverá culminar com a criação do Conselho Municipal do setor. Tudo isso faz parte de material inscrito no Prêmio Volvo de Segurança no Trânsito.


Pelo levantamento que faz anualmente, Santo André chegou ao índice de 16% de redução de acidentes e mortes, mas a Polícia Militar aponta 59%. O que torna diferentes os números da Prefeitura e da PM é o tipo de acompanhamento dado às ocorrências de trânsito. A PM lavra o BO, registra o caso e o número de feridos e mortes que ocorrem no local. A Prefeitura vai mais longe: acompanha o desenrolar do acidente além do chão da rua. Isso significa que o ferido levado ao hospital, que ficou na UTI um mês e acabou morrendo não entra nas estatísticas policiais como morto, mas apenas como ferido na época do BO, porém não escapa dos dados da Secretaria de Serviços Municipais. “Somos a única cidade da região que mantém cadastro histórico desde 1992 (primeira gestão do prefeito Celso Daniel). Os demais departamentos de trânsito não têm estatísticas como Santo André” — compara Klinger de Sousa.


Com o sistema organizado em Santo André, a Secretaria de Serviços Municipais cerca 90% das possibilidades porque cruza dados dos Boletins de Ocorrência da PM, da Guarda Civil, do Instituto Médico Legal e dos hospitais públicos e privados. Com isso, elimina as possíveis duplicidades de informações. O diagnóstico permite mapear por ordem de importância os locais onde ocorre o maior número de acidentes e mortes. O diagnóstico mais detalhado começou a ser feito na primeira gestão de Celso Daniel.


Com a disponibilidade de números, a Prefeitura conseguiu o suporte de análise geográfica, que define o histórico dos acidentes. “Com isso, também conseguimos detectar se a origem do problema foi falha do motorista, do carro ou da via” — explica Klinger de Sousa. A maioria dos 900 acidentes mensais, garante o secretário, ocorre porque os motoristas avançam o sinal vermelho. Para frear esse abuso existe o chamado furão, sistema eletrônico que flagra a infração e pode ser visto na maioria dos cruzamentos da Avenida dos Estados.


Ter informações sobre o trânsito garante ao governo municipal a aplicação do remédio ideal para a doença exata na hora e lugar certos, como recomenda o BID. Exemplo: num ponto da Avenida dos Estados onde se repetiam colisões engenheiros de trânsito detectaram que a tangência da curva puxava os carros para a calçada. A Secretaria de Serviços Municipais instalou defesas metálicas e radar móvel no local e reduziu o número de acidentes.


O secretário de Serviços Municipais admite que a política de trânsito em Santo André se espelha na ação da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) de São Paulo, que por sua vez tem como paradigma a escola norte-americana de orientação e fiscalização, uma das mais modernas e equipadas do mundo. Na Capital paulista acontece um acidente a cada 2,9 minutos — foram 1.490 mortos em 2000. Em Nova York foram 359, em 1997.


Com tantos espelhos e medidas preventivas, Santo André conseguiu atingir um dos melhores índices do Brasil: registrou 1,42 morte no trânsito para cada 10 mil veículos no ano 2000, contra três mortes para cada 10 mil veículos do padrão internacional e 6/10 mil do brasileiro. Não é possível comparação com dados do restante do Brasil porque o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) ainda não disponibilizou os índices de outros Estados e Capitais.


Comparados aos dados de 1999, Santo André é a cidade brasileira onde menos gente morre no trânsito. Não é pouco num País que perde a batalha diária contra abusos nas ruas e estradas, que já chegaram a causar 50 mil mortes por ano — hoje são cerca de 30 mil. O Comando de Policiamento de Área/Metropolitano 6, a única fonte com dados regionais sobre acidentes de trânsito, assegura que a quantidade diminuiu 25,8% de 1997 para 2000 no Grande ABC.


Segundo a PM, ocorreram 37.803 acidentes de trânsito na região em 1997, contra 28.044 em 2000. A queda também inclui atropelamentos e acidentes com vítimas e considera o aumento da frota regional. Diretores de trânsito da maioria das cidades da região vêem no tripé municipalização do setor, Código de Trânsito e radares a receita que fermentou a redução.


Os acidentes de trânsito só perdem para os homicídios como maior causa de mortes violentas em Santo André. Um acidente de trânsito é causado por uma série de fatores, mas tem na imperícia e na imprudência a gota dágua, chamada de fator x pelos especialistas. “Nossa política elimina o fator x e investe nos demais fatores: sinalização, condições das vias, fiscalização, punição e educação” — explica Klinger de Sousa.


A fiscalização eletrônica funciona, segundo o secretário, porque é elemento de controle que não depende da ação humana, mas do condutor. “Qualquer um sabe que se passar no farol vermelho será multado” — exemplifica. Mas há jeitinho para tudo. Daí o surgimento da indústria de recursos, formada por empresas que usam até mesmo textos iguais para recorrer de multas diferentes.


Que Junta Administrativa, as chamadas Jaris, vai deferir recurso contra o não-uso de cinto de segurança quando o texto de uma dúzia de apelações diz que o motorista não estava sem cinto, mas sim de camiseta preta? Mesmo assim, o índice de aceitação de recursos é de 20%, segundo a Associação Brasileira de Defesa do Contribuinte.


A diretora jurídica da associação, a advogada Christiane Caldas, alerta contra empresas que fazem recursos administrativos às multas, mas na maioria dos casos não dominam a matéria. “Muitos são meros aventureiros que desconhecem a lei e exploram o motorista multado sem conseguir resultados” — afirma Christiane, ao apontar que o percentual de sucesso das ações dessas empresas é de menos de 20%.


A Associação Brasileira de Defesa do Contribuinte só recorre contra multas na esfera judicial, com mandados de segurança que permitem licenciamento e uso da habilitação de motoristas que atingiram 20 pontos. O objetivo é anular as multas. “Temos 60% de resultados” — garante a advogada.


Em Santo André, o sistema de fiscalização eletrônica também falha e dá margem a 30% de recursos aceitos. Para Klinger de Sousa, o resultado não tira a eficiência do programa, ao admitir que o brasileiro não foi bem educado para dirigir. Mas o secretário repassa essa tarefa ao governo federal. “O que não aceito como gestor público é que antes de multar tenha de educar. Isso deve ser feito nas escolas e com quem ainda não tem idade para dirigir” — desabafa. É o que a Prefeitura vem fazendo com alunos e professores, por meio de reciclagem e capacitação.


A diretora da Associação Brasileira de Defesa do Contribuinte contesta o secretário de Santo André: “Os órgãos competentes passam por cima do Código de Trânsito Brasileiro e investem no arrecadatório e não no educativo”. A advogada Christiane Caldas afirma que os municípios desrespeitam a lei, que exige primeiro a advertência e, só numa segunda infração, a multa.


Ela também aponta que os órgãos de trânsito não notificam antes de multar, como exige a legislação. Klinger de Sousa rebate: “É questão controversa, pois 99% das cidades brasileiras emitem documento único, que notifica e multa. Na notificação são estabelecidos prazos cumulativos; não cerceamos o direito de defesa” — explica o secretário. A Prefeitura de Santo André enfrentou várias liminares com esse argumento e defendeu todas no Tribunal de Justiça. “Não somos hipócritas. Não vou advertir alguém que passou no farol vermelho. É multa mesmo” — desafia Klinger.


Apesar de tudo, o farol vermelho continua a ser desrespeitado, embora, com a fiscalização, a cultura venha mudando e se traduzindo na menor agressividade dos acidentes — porque a velocidade foi reduzida pelos radares. “Conseguimos inverter a curva crescente de acidentes registrada entre 1993 e 1997″ — afirma o secretário.


É uma conquista difícil numa cidade que tem frota de 301 mil veículos, mas que suporta diariamente a circulação de 800 mil, segundo contagem da Secretaria de Serviços Municipais. Esses números explicam por que mais de 70% das multas aplicadas em Santo André se referem a placas de veículos de outros municípios. No ano passado, o setor de trânsito lavrou 400 mil autos de infração, contra 460 mil em 1999. A expectativa para 2001 é de 300 mil multas.


Para garantir a redução, Santo André também investiu em pessoal, não só em radares. Saiu do zero na fiscalização humana para 260 fiscais nos últimos quatro anos. São 60 PMs, 80 agentes de trânsito e 120 guardas municipais nas ruas, que passaram antes por trabalho de reciclagem e capacitação. “O grande impacto de tudo isso é fazer o motorista andar mais devagar, o que reduz a agressividade das colisões e, consequentemente, as vítimas e mortes” — analisa Klinger de Sousa. Para este ano, o objetivo é reduzir em mais 20% o número de mortes nos acidentes e chegar a 36% do total. Como? Ampliando o número de radares fixos e móveis nas ruas.


Equipamentos e medidas impopulares não reduziram o cacife político-eleitoral do provável candidato do PT a deputado estadual em 2002. A fiscalização eletrônica não fez estragos na vida política de Klinger de Sousa. Os 9.092 votos que no ano passado o elegeram o segundo vereador mais votado da cidade e da região provam que os flashes dos radares pesaram mais no bolso dos motoristas infratores do que na urna petista.


Na contramão das multas, os recursos também garantiram votos e ajudaram a reeleger vereadores, como o peemedebista Sargento Juliano, o mais votado do Grande ABC, com 9.168 votos, 76 a mais do que o secretário de Serviços Municipais. Com trabalho assumidamente assistencialista, Sargento Juliano ancorou parte da campanha à reeleição no auxílio a quem queria recorrer de multas de trânsito. Klinger de Sousa ficou em segundo, tomou posse e se licenciou. Continua à frente do programa de trânsito e cedeu o posto ao suplente José Montoro Filho (PT), confessadamente um supermultado.


Nas eleições de 2000, ninguém mais que Klinger de Sousa ficou com a cara no gol em defesa da fiscalização eletrônica. Mas há defesas muito difíceis de ser feitas diante do senso comum de que radares são indústrias de multas. A saraivada de críticas de infratores e de parte da população ganha mais poder de fogo quando gente da oposição bate firme contra o aumento da receita orçamentária garantido pelos flashes dos radares. A Prefeitura fica numa saia justa ao ter de explicar como prevê no orçamento, a exemplo das demais cidades da região, o quanto vai receber de multas no ano seguinte.


Em 2000, Santo André arrecadou R$ 41,3 milhões, quase três vezes mais do que a expectativa da peça orçamentária aprovada pelos vereadores em 1999. A previsão inicial era levantar R$ 14,2 milhões. A arrecadação representa hoje 10,7% do total do orçamento municipal — isto é, de todas as receitas do Município com todos os impostos diretos e repassados pelo governo do Estado e pelo governo federal.


Como o governo municipal pode saber quantas pessoas vão desrespeitar o farol vermelho ou a velocidade estipulada para prever receita? Resposta de Klinger de Sousa: “A eficiência do sistema eletrônico de licenciamento no Estado garantiu receita acima do esperado em 2000″.


A receita arrecadada tem origem nas multas emitidas em anos anteriores. Para incluir o valor previsto, é calculado apenas um terço dos autos de infração emitidos em anos anteriores. Para 2001, a previsão é arrecadar R$ 38 milhões, valor que equivale a 50% das autuações emitidas pelo Município. A cada 10 multas, duas são pagas com desconto logo no recebimento da notificação e as demais são quitadas somente no licenciamento. Mas tem gente que nem paga nem licencia o veículo, o que gera inadimplência de R$ 60 milhões.


Klinger de Sousa chama de populistas os opositores que criticam a política de trânsito e que pregam até a extinção dos radares. “Não acredito que seja esse o desejo da sociedade. Recebemos mais pedidos para instalar radares do que reclamações”. Dados recém-tabulados mostram que 74,72% da frota de Santo André não receberam nenhuma multa no ano passado e que apenas 2,4% da frota emplacada têm mais de quatro infrações. São justamente esses que mais reclamam. “Será que o sistema está errado ou só eles não vêem a sinalização” — critica o secretário.


A terceirização é outro ponto fortemente atacado por quem combate a fiscalização eletrônica. A Secretaria de Serviços Municipais sabe disso e optou por não comprar nem alugar radares porque a evolução da tecnologia é muito rápida e os equipamentos requerem manutenção constante. Essa é lógica expressa por Klinger de Sousa. As empresas que mantêm radares móveis na cidade recebem valor preestabelecido apenas por multa arrecadada pela administração municipal.


Na visão do secretário, o ritual obriga a concessionária a manter o equipamento sempre atualizado para não dar margem a falhas na emissão da multa. A cada 10 autos de infração, quatro são jogados fora por problemas de leitura do equipamento, que registra três fotos diferentes de cada veículo multado — uma da placa, outra do carro e a terceira de toda a via. A empresa terceirizada recebe R$ 39 por multa, independente do valor atribuído à infração. O valor unitário cai quanto maior for o número total de multas recebidas.


Pelo menos 15 empresas dominam o mercado de radares e lombadas eletrônicas no País, mas empresários e especialistas em trânsito afirmam que há 30 concorrentes no segmento. Estima-se que as líderes de mercado faturem mensalmente entre R$ 200 mil e R$ 600 mil cada. A maioria dos equipamentos é importada, o que reforça a argumentação do secretário de deixar essa tecnologia para especialistas. Os primeiros radares começaram a ser testados em Campinas em 1987 sem cobrança de multas. A partir do Código de Trânsito Brasileiro, o sistema se tornou viável financeiramente.


Dados sistematizados pela Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo revelam que, além de uma morte no trânsito custar US$ 130 mil à sociedade — por conta de despesas hospitalares, seguros e pensões –, um ferido grave custa US$ 1,2 mil, cada acidente, US$ 3,4 mil, e um atropelamento, US$ 1,4 mil. Klinger de Sousa prefere falar em outras cifras — as que vêm das multas e, segundo ele, são aplicadas exclusivamente em engenharia e educação de trânsito, como determina a legislação. Lista as obras de segurança, sinalização, iluminação das vias públicas e novos semáforos, como os da Avenida Portugal e Largo da Vila Luzita, além da recuperação da Avenida Industrial. Faz críticas ao que chama de mercado de ilusões — as empresas que recorrem das multas. “A propaganda leva o cidadão a crer que o índice de eficácia é alto” — critica, com endosso da diretora jurídica da Associação Brasileira de Defesa do Contribuinte, Christiane Caldas. Melhor seria não cometer a infração, nem ser multado.


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