Política

Celso e Dib

DANIEL LIMA - 28/10/2004

O prefeito de São Bernardo, eleito no último 3 de outubro com mais de 70% dos votos, é caso especial na política. William Dib saiu dos bastidores do jogo administrativo-partidário em que se meteu durante mais de duas décadas, inclusive e resistentemente como secretário municipal, e saltou para o estrelato regional. E isso não é tudo. Pelo andar da carruagem, e a carruagem de Dib tem a velocidade de um bólido, tudo indica que seus redutos vão se expandir. O pedetista Paulinho Pereira da Silva, da Força Sindical, veio pessoalmente convidá-lo a disputar o governo do Estado em 2006.


A transformação de William Dib em ocupante de liderança que parecia fadada a naufragar desde que o intelectual Celso Daniel deixou este mundo é agradável conquista para a política regional, independentemente da questão partidária. Se Celso Daniel era transbordante na sensibilidade de antever o futuro com arsenal de propostas conectadas com os anseios da comunidade, William Dib revela-se artesão de mão cheia, desses que sabem cortar caminho e chegar ao destino de seus projetos. Absorve como homem público o pragmatismo de especialista coronário doutrinado a manter a calma mesmo em emergências. Um caso desafiador foi a invasão de sem-tetos do terreno da desativada Volkswagen Caminhões. Chegaram-lhe, alguns idiotas, a aconselhar desocupação à força.


Celso Daniel e William Dib são opostos na forma de conduzir a administração pública. Ao prefeito de Santo André que seria um dos homens de ouro do governo Lula da Silva sobravam articulações com múltiplos agentes. Ao prefeito de São Bernardo que até o início do ano passado era um quase desconhecido vice-prefeito, abundam qualidade igualmente rara: interlocução mais reservada e seletiva com personagens que ajudam a fazer a diferença em situações importantes, entre as quais a disputa eleitoral.


A racionalidade e o poder de síntese didática do engenheiro e economista Celso Daniel eram exuberantes. Extratificavam essa personalidade especial os eventos em que o número de participantes era imenso e as exposições contraditórias. Celso Daniel esperava pacientemente a hora de expor o pensamento. Fazia-o com brilhantismo jamais visto. Editava todos os pareceres de forma fiel e serena, valorizava cada posicionamento individual sem ofender a veracidade e, ao final, sistematizava o conteúdo geral e lhe acrescentava com impressionante base organizativo-mental, pontos de vista geralmente consolidados.


A firmeza do cirurgião William Dib o torna ao mesmo tempo debatedor reservado ou público absolutamente disciplinado em seus objetivos. Paciente como convém a quem há muitos anos trata de contratempos de saúde, William Dib transmite a sensação de que sempre saberá o momento certo de aplicar golpe conceitual em quem contracena com ele qualquer espécie de interlocução. Preparado e maturado nas lides do Poder Público recheadas de armadilhas e idiossincrasias, William Dib transmite a idéia de que provavelmente não se abalará, principalmente em público, diante de qualquer eventual golpe baixo.


A liderança de Celso Daniel, principalmente na terceira gestão, era exercida de forma híbrida entre o popular e o aristocrático. Do alto de quase dois metros de altura e no auge do reconhecimento como intelectual que conseguiu o encaixe de administrador público com olhos no futuro, Celso Daniel dominava a cena em Santo André e se impunha naturalmente como maior liderança regional. Nos eventos públicos em que a regionalidade estava em debate, agigantava-se no conteúdo contemporâneo de quem enxergava o Grande ABC como espaço pronto para decolar rumo ao Primeiro Mundo. Sonhava alto Celso Daniel por causa da paixão que tinha pela Província de Santo André, principalmente.


O pragmatismo de William Dib explicitado no massacre imposto a um sindicalista reconhecidamente respeitado como Vicentinho Paulo da Silva é apenas a ponta do iceberg da competência organizativa tanto no âmbito estratégico-eleitoral como na definição de foco dos programas sociais que contemplaram um Município avassaladoramente atingido pela desindustrialização dos anos FHC.


Cada um a seu modo, como se vê, Celso e Dib construíram biografias que retiram o Grande ABC da mesmice política. Paradoxalmente, Celso Daniel foi excluído intempestivamente deste mundo num evento que contradisse seu próprio histórico pessoal de metódico planejamento da carreira política.


Paradoxalmente, também William Dib foi entronizado na ribalta do comando de um dos municípios mais importantes do País quando imperava a sensação de que jamais deixaria as coxias onde se situava entre os principais articuladores da situação ou da oposição, conforme o governo de plantão.


Celso saltou para a eternidade assim de repente. Dib ingressou no show feérico do poder também assim de repente.


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