Política

Anatomia eleitoral (II)

DANIEL LIMA - 05/11/2004

O domínio da candidatura Newton Brandão nos pólos mais tradicionais de Santo André, que se espalham a partir do centro do Município e do centro do Subdistrito de Utinga e se diluem na medida em que chegam à periferia, tem muito a ver com o conservadorismo patrimonialista.


Não é por outra razão que ao longo dos anos esses espaços perfilaram com Paulo Maluf, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, e se mantiveram hostis aos políticos considerados mais à esquerda, como Celso Daniel e João Avamileno, no âmbito local, e Lula da Silva, no federal.


O que vem a ser conservadorismo patrimonialista? Simples: a cultura ibérica de que bens imobiliários são vacas sagradas sobre as quais a impetuosidade de avanços tributários deve ser rechaçada a todo custo.


Quando se junta a essa monolítica deformação cultural uma destrambelhada política de recuperação da Planta Genérica de Valores, espécie de genoma do acervo imobiliário, a confusão é certa.


A Prefeitura de Santo André, ainda sob o controle de Celso Daniel, não conseguiu acertar a dose de recomposição do IPTU residencial nesse seletivo espaço imobiliário e o que se viu foi o ricocheteamento de balas mal endereçadas de ajustamento de valores.


Um levante seletivo tão justo quanto instrumentalizado por forças políticas de oposição conduziu os meios de comunicação ao equívoco de generalizar a exceção. O desgaste petista nas três zonas eleitorais mais centralmente atingidas pelo IPTU exagerado se fez presente nestas eleições.


Nada que inviabilizasse a vitória petista, como se viu, nada que colocasse o oposicionista Newton Brandão em larga vantagem, exceto na Zona 156, do Centro (formado pelo Centro propriamente dito, Jardim Bela Vista, Vila Gilda e Vila Alice).


Foi nesse território de apenas 22.601 eleitores que Newton Brandão, concorrente escolhido pelos tradicionalistas de Santo André para combater o petismo, obteve a melhor marca no último domingo. Foram 69,01% dos votos válidos, contra 30,99% de João Avamileno.


Essa espécie de São Caetano em menores proporções provavelmente jamais elegeria um candidato com viés hobinwoodiano, de tirar dos ricos para socorrer os pobres. Como é o caso do Partido dos Trabalhadores.


O conservadorismo patrimonialista em Santo André também é acentuado na Zona 306, formada pelo Bairro Campestre, Bairro Jardim, Vila Guiomar e Vila Alpina, franjas do Centro tradicional, onde Newton Brandão obteve 63,38% dos votos válidos, contra 36,62% de Avamileno. Na outra zona, a 264, formada pelos Bairros Bangu, Camilópolis, Santa Terezinha, Utinga e Vila Sá, regiões centrais do Subdistrito de Utinga, de novo os números favoreceram o tucano, mas agora de forma bastante estreita — 50,47% contra 49,53%. As outras sete zonas eleitorais, como mostramos em análise publicada por este Diário na última segunda-feira, sacramentaram a vitória de João Avamileno que se avolumou em idêntica proporção a que se avizinhavam as bordas mais sofridas da população.


O equívoco dos conservadores patrimonialistas de Santo André e de resto do País é se enclausurarem em suas masmorras conceituais de que a riqueza imobiliária é bem que não pode ser submetido à tributação. O erro de políticas públicas que procuram retirar o lacre desse antiquário conceitual é a falta de cientificidade para o rearranjo dos valores contributivos.


Já escrevemos sobre o assunto e não convém descer a detalhes, mas a realidade é que os proprietários de imóveis residenciais são tão despreparados para reagir à sanha tributarista das prefeituras como o poder público em ajustar o calibre de acordo com o potencial de consumo das famílias.


Por isso, diante desse samba do crioulo doido de equalização fiscal, o terreno se torna fértil aos demagogos de plantão, usurpadores dos números e estigmatizadores de desvios. Enquanto isso, tanto o governo estadual quanto o federal, especialmente o federal, deitam e rolam com o aumento indiscriminado de receitas fiscais. Já beiramos a 40% de carga tributária em relação ao PIB. Uma vergonha quando se oferece a contraface dos serviços mal e porcamente prestados em diferentes áreas.


O IPTU e o IPVA extratificam flagrante contraste de compreensão da repercussão junto aos contribuintes/eleitores. Basta comparar os valores de mercado de qualquer tipo de veículo com o equivalente socioeconômico de moradia e reparar o quanto de abusivo é o IPVA, sobre o qual o governo do Estado lança mão de metade do montante e a outra metade volta proporcionalmente à arrecadação dos municípios.


A cultura patrimonialista imobiliária afasta esse cálice de ponderação porque está associada à lógica de que o uso e a ocupação do solo não devem ser tributáveis, embora, contraditoriamente, o bem imóvel é valorizadíssimo diante da possibilidade de venda ou aluguel. Como no caso dos veículos. Basta ver os classificados de um e de outro nos jornais.


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