Entrevista Especial

Não há futuro para o
sindicalismo brasileiro

DANIEL LIMA - 05/02/1997

Especialista em administração e controle de empresas, com grande atuação em formação e desenvolvimento de Recursos Humanos, o executivo Reifer Nascimento, ex-professor da Fundação Santo André e ex-presidente da Faisa, Fundação de Assistência à Infância de Santo André, não vê nada no futuro do sindicalismo brasileiro senão um horizonte absolutamente escuro. Num confronto direto com o tom conciliador da maioria dos profissionais da área que atuam há muitos anos no Grande ABC e que tiveram oportunidade de vivenciar o florescimento e o arrefecimento do então novo sindicalismo de Luiz Inácio Lula da Silva, no final dos anos 70, Reifer Nascimento é duro crítico das consequências daquele movimento. Atribui ao sindicalismo parte do peso do esvaziamento econômico do Grande ABC. Em alguns casos, diz que o peso foi preponderante. E, também ao contrário do lugar-comum de elogios a Lula, Reifer Nascimento faz uma incursão histórica, relacionando o surgimento do líder sindical ao interesse de parte fraccionada do governo militar.


Numa análise histórica, que compreenda o período de surgimento e de esfriamento do sindicalismo de Lula e seus rapazes no Grande ABC, qual seria o balanço de quem sempre esteve do outro lado do balcão de reivindicações?


Reifer Nascimento – O sindicalismo brasileiro sempre foi e ainda é um grande jogo de interesses e de cartas marcadas. Na década de 30, durante o Estado Novo, pensando beneficiar-se no contexto internacional, Getúlio Vargas reservou à incipiente organização sindical, juntamente com a organização patronal, a conciliação entre capital e trabalho. Essa aberração proporcionou o desenvolvimento de um absurdo peleguismo que imperou até o surgimento de Lula e seus rapazes. Muitos, de um ou de outro lado, àquela época, se não promoveram o próprio enriquecimento com a situação, construíram exacerbada defesa de seus próprios interesses, mandando às favas a conciliação e o amadurecimento das relações capital-trabalho. Lula e seus rapazes, abominando o peleguismo, reconsideraram as relações entre capital e trabalho. O capital passou a ser o agente do mal, o sindicalismo passou a ser o do bem e Lula e seus rapazes os apocalípticos cavaleiros que defenderiam os trabalhadores do agente do mal. O lulismo significou abrigo, lançamento e perpetuação de Lula e seus rapazes em postos mais elevados no sindicalismo e na política nacional, sempre em direção ao poder. Por causa desse tipo de relação estabelecida pelo lulismo, muitos trabalhadores perderam definitivamente seus postos de trabalho, enquanto Lula e seus rapazes se beneficiaram do amparo dos Sindicatos. Alguns integrantes do lulismo que discordaram, pelo sagrado direito de discordar, foram banidos ou mudaram de posição, tornando-se inimigos figadais ou traidores da causa.


A disposição manifestada pelas cúpulas sindicais da região de moderação nos embates com a classe empresarial é resultado de amadurecimento das relações capital-trabalho ou está diretamente ligada à situação macroeconômica, que coloca representantes dos trabalhadores no canto do ringue, num gesto típico de proteção diante do aperto porque passam setores industriais batidos pela abertura do mercado?


Reifer – Não. Está diretamente ligada à situação macroeconômica. O amadurecimento, como fato consumado, ainda está longe de ser atingido. Mesmo porque, tanto capital quanto trabalho, ou empregadores e empregados, ainda não amadureceram a ponto de levarem o resultado às suas próprias relações. Então, o posicionamento atual por parte das cúpulas sindicais é tipicamente defensivo. Primeiro, porque os empregadores, dada a abertura econômica, já não temem os embates. Segundo, porque os combatentes de então, os trabalhadores, não estão dispostos a seguir a tônica de tempos passados. Os que discordavam, de uma greve e queriam trabalhar, quaisquer que fossem suas razões, tinham que enfrentar a violência dos piquetes e a truculência dos seguidores do lulismo, ainda hoje com presença muito forte nos Sindicatos de motoristas e cobradores e nos Sindicatos ligados ao serviço público, entre outros. Como ilustração disso tudo, relembro dois episódios, até pitorescos. Um, refere-se à proteção que demos a truculentos piqueteiros, no interior de uma indústria. Eles estavam insuflando os trabalhadores a danificarem as máquinas e os equipamentos de produção. Os trabalhadores partiram para cima deles e tivemos trabalho muito grande para colocá-los a salvo. Outro, refere-se ao prolongamento de uma paralisação, com nossa autorização, como negociadores pelo lado dos empregadores. Um sindicalista, presidente de um grande Sindicato, lulista, cutista e petista de primeira hora, hoje nem tanto, bandeado para outros lados, mantinha os trabalhadores paralisados à porta da indústria. Naquele dia, discutiríamos os pontos sociais da pauta. Iniciada a reunião, comunicamos ao sindicalista-presidente, naquela oportunidade candidato à reeleição, que concordávamos com as reivindicações, razão pela qual encerraríamos a reunião. Perplexo e indignado, o sindicalista revoltou-se contra nossa decisão. Eis que, se ele não mantivesse a paralisação pelo menos até o final daquela tarde, perderia a eleição que se aproximava. Entre risadas, concordamos com a “reivindicação” e o sindicalista partiu para seu comício de candidato à continuidade das benesses sindicais. Reelegeu-se. Episódios condenáveis? Todos.


O que diferenciaria Lula dos demais companheiros que ocuparam a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo durante esse longo período?


Reifer – Nada, sob o ponto de vista ideológico-sindical, sede de poder, paladino da verdade e arregimentador de massas, inclusive artísticas e intelectuais. Lula foi apenas um paradigma para os demais na maneira de falar, na linguagem, na maneira de vestir e o primeiro a ser usado. Muito bem usado por todos. Da imprensa aos militares. Se ele tinha consciência disso, mas era interessante enquanto dirigente sindical, é difícil afirmar.


Como se explica o surgimento do sindicalismo no Grande ABC, com as repercussões políticas conhecidas, num período em que a ditadura militar não parecia disposta a abrir brechas? Lula foi um fenômeno e, como tal, dispensa explicações?


Reifer – Primeiro, o sindicalismo no Grande ABC já existia e era atuante nessa época. O que surgiu foi o lulismo, ou como queiram, o novo sindicalismo. Segundo, já se cogitava nos meios militares a volta aos quartéis e a promoção da abertura política. Porém, não era consenso entre os militares e os agentes da repressão instalada com a ditadura. Havia certa resistência por parte de oficiais das Forças Armadas, razão pela qual a repressão ainda fugia ao controle, inclusive com as mortes de Fiel Filho e Wladimir Herzog. Hoje, sabemos que os favoráveis à abertura eram a maioria e os mais influentes. Com o engajamento de políticos, artistas e intelectuais ao lulismo, ficaria mais fácil criar as brechas à abertura política, sem, contudo, arranhar a autoridade e as decisões da ditadura militar. Assim foi feito, com o uso estrategicamente elaborado do lulismo e dos seus seguidores, incluindo-se os políticos, os artistas e os intelectuais. Lula foi um fenômeno corporativista. Se não tivesse sido apenas isso, teria sido eleito presidente da República.


Se tivesse que fazer uma comparação entre a performance dos sindicalistas, dos empresários e dos políticos, nesse período de quase 20 anos de surgimento do chamado novo sindicalismo, quem levaria vantagem em termos de evolução como instituição?


Reifer – Como instituição, muito aquém da vantagem, mas um pouco à frente das classes política e sindical, está a classe empresarial. Até mesmo por questão de sobrevivência, os empresários foram os primeiros a entender e a aceitar as mudanças globais, políticas e econômicas.


Considerando-se que a globalização econômica é irreversível, que futuro estará reservado ao sindicalismo brasileiro, levando-se em conta que nosso poder de fogo internacional é pífio, pois temos menos de 1% de participação nas trocas comerciais internacionais?


Reifer – Como está hoje, o futuro do sindicalismo brasileiro é negro. A absurda quantidade de seis centrais sindicais sinaliza a grande divisão ideológica para tratar de um mesmo assunto – trabalhador. Não tem sentido. A maior delas, a CUT, quando se funde (ou se confunde?) com o Partido dos Trabalhadores, demonstra que será muito difícil organizar os trabalhadores. Todos eles querem melhores condições, principalmente trabalho. Poucos entendem ou querem o atrelamento político. Outros preferem a manutenção do corporativismo, principalmente no serviço público, com graves conseqüências para a Nação e para os trabalhadores privados. O presidente da CUT, em artigos publicados desde dezembro passado no Diário do Grande ABC, tem demonstrado preocupação e quer mudanças drásticas no modelo reinante. Se é ele quem diz, o que poderei dizer? Em todo caso, Sindicato no Brasil parece ser excelente negócio. Não fosse assim, não teriam sido criados cerca de 2.000 desde a Constituição de 1988.


Voltando à origem do novo sindicalismo no Grande ABC, quais foram os pontos positivos e negativos para os trabalhadores locais determinados pelo movimento liderado por Lula a partir de 1978?


Reifer — Positivamente, os trabalhadores tiveram os ganhos reais diretos e indiretos melhorados. Negativamente, pela forma de atuação dos Sindicatos, pelo retardamento da compreensão da necessidade de mudanças drásticas no movimento e pela evolução tecnológica. Esse conjunto de fatores tem levado os trabalhadores a perder postos de trabalho e os que ficam convivem com o grande drama da incerteza: estarei trabalhando amanhã? Muitos já se questionam e perguntam se vale a pena ganhar bem, em detrimento da incerteza e da perda do seu trabalho. São visíveis os estragos que o fantasma dos cortes causa aos trabalhadores empregados.


Até que ponto a forte atuação sindical na região levou as indústrias a procurarem outros endereços. Entre os vários fatores de desestímulo à permanência no Grande ABC, o sindicalismo ocupa que posição?


Reifer – O sindicalismo ocupa posição importante no desestímulo à permanência de empresas industriais no Grande ABC. Em alguns casos, foi fator determinante. O processo inflacionário, a indexação salarial e o mercado autárquico estabeleceram relacionamento diferenciado entre os trabalhadores metalúrgicos e as indústrias automobilísticas, com visíveis vantagens para estas, inclusive com benefícios alfandegários para importação de bens e tecnologia, e exportação de seus produtos. Além de prejuízos aos consumidores, esse relacionamento obrigou empresas adjacentes, e até mesmo empresas de outros setores, a seguirem os referenciais do setor automobilístico. Como os sindicalistas não se aperceberam de que algumas conquistas baseadas no relacionamento diferenciado com o setor automobilístico levariam essas empresas a procurarem por outros endereços, com outros referenciais, milhares e milhares de trabalhadores perderam postos de trabalho. Além da procura e da troca por outros endereços, a globalização está deslocando-as para países em desenvolvimento, pólos de industrialização com alta tecnologia e baixo aproveitamento de mão-de-obra. Todos sabem que o setor automobilístico é um dos de maior produtividade, sem, contudo, gerar novos postos de trabalho. Os Sindicatos nada têm feito para, pelo menos, preservar os postos que ainda restam. Entretanto, a troca de endereços não tem significado céu-de-brigadeiro às empresas no setor sindical. Tomo como exemplo Lavras, minha cidade natal. Lá, empresas como Cofap, TRW e Metalúrgica Mardel, todas originárias da região, estão às voltas com um sindicalismo arcaico, prepotente, truculento, moldado exatamente no ano de 1978. Lavras, como qualquer cidade interiorana com porte para receber indústrias e empresas que possam gerar empregos para seus filhos, não quer nada mais do que empregos para seus filhos. Porém, a miopia continua não querendo enxergar a realidade dos fatos, que é essencialmente histórica.


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