O texto que se segue estava previsto para ser publicado na edição de sábado. Entretanto, por questão de espaço, acabou suspenso. Nada contestável. O problema é que, inadvertidamente, foi atropelado por uma edição capenga na edição de ontem pelo “Anatomia eleitoral (IV)”. A compreensão dessa abordagem sequencial ficaria manquitola se não retomássemos o assunto, imprimindo estas explicações. E é o que estamos fazendo hoje.
São cinco pontos cruciais à avaliação dos votos pronunciadamente de classe média do Centro e dos bairros nobres de Santo André em favor do candidato Newton Brandão enquanto, ao se penetrar no cipoal da periferia distante, o vermelho petista floresce e, como se viu, vira o jogo no placar eleitoral. Sexta-feira escrevemos sobre o que chamamos de “conservadorismo patrimonialista”, basicamente estruturado no acervo imobiliário interpretado como bem que não deve ser tributado nem proximamente do razoável e que igualmente não pode servir de ancoradouro preferencial de políticas públicas compensatórias em favor dos pobres e excluídos.
Hoje escreveremos sobre dois tópicos da equação que pretende destrinchar os destinos socioeconômicos e ideológicos dos votos em Santo André. Esses enunciados podem perfeitamente adaptar-se às realidades próximas de um Grande ABC de sete municípios divididos entre ricos, remediados e pobres, como o próprio Brasil. A diferença é que, em contraste com uma São Caetano e uma Diadema mais assemelhadas na riqueza da primeira e na pobreza da segunda, contamos em Santo André com endereços em evidentes desequilíbrios entre centro e periferia.
Os temas de hoje são a fragmentação sindical e o divisionismo social. Fossem analisados separadamente, cometeria o desatino de desperdiçar a oportunidade da sinergia histórica que os embalam.
Menos que em São Bernardo das montadoras de veículos e da maioria das autopeças, os efeitos do sindicalismo bravio do final dos anos 70 e, principalmente, da fase mais escaldante dos anos 80 deixou marcas pronunciadas em Santo André.
As classes mais conservadoras, cujos moradores reuniam relação menos próxima com o chão de fábrica, cultivaram e consolidaram ojeriza a Lula da Silva e companheiros de batalhas. Tudo porque a luta por capitalismo mais justo submergiu aos propósitos do socialismo esclerosado.
O sindicalismo também contribuiu para dividir o Grande ABC. Mas não isoladamente. As classes produtivas, as lideranças empresariais de pequeno e de médio porte, os agentes culturais e econômicos também se afastaram de qualquer entendimento que pudesse revelar convergência ao pacto social. O distanciamento mútuo cristalizou separatismo burro.
Diferentemente do caso de dúvida eterna entre quem nasceu primeiro se o ovo ou a galinha, o divisionismo social decorreu mais fortemente da fragmentação sindical que, aliás, ressurgiu com todo o ímpeto por meio do chamado Novo Sindicalismo em São Bernardo já que, anteriormente, em meados do século passado, contou com empedernidos reformistas em Santo André.
Imaginar que a herança sindical não possa refletir na interpretação dos fatos e na definição dos agentes que fazem política no campo local e nacional é acreditar que o almofadinha atirado à água de uma piscina consiga manter-se impecável. A Santo André que temos hoje, de Brandão, Serra, Fernando Henrique, Alckmin e tantos outros bem vistos no Centro e nos bairros socialmente mais acabados é um pedaço menor da Santo André mais palatável a Avamilenos, Lulas, Genoinos e tantos outros agentes políticos de discursos e ações mais populares.
Por isso, quando a Frente Andreense abriu espaço ao empresário Duílio Pisaneschi como companheiro do triprefeito Newton Brandão, praticou-se soma zero, porque os votos de Duílio seriam compulsoriamente transpostos a Brandão. Mesmo com todo o esforço que se fez para restabelecer o contato de Brandão com a periferia que lhe foi mais generosa em outros tempos, os resultados foram pífios.
Sim, pífios, porque ao perder em todas as sete zonas eleitorais mais distantes do Centro de Santo André e do Subdistrito de Utinga, Brandão e Pisaneschi deixaram fugir oportunidade de ouro para desalojar do Paço Municipal o sucessor de um prefeito cujo assassinato foi espertamente vinculado a supostas irregularidades da administração petista.
E olhem que não faltaram enxurradas de jornais e panfletos apócrifos para dinamitar o adversário. Além, evidentemente, do telemarketing avassalador do governador Geraldo Alckmin.
Ora, ora, ora: se mesmo assim um triprefeito não sensibilizou decisivamente o eleitorado mais popular, a sinalização é clara: os conservadores de Santo André que tratem de buscar novos referenciais para superar a ruptura social implícita desde que capital e trabalho forjaram relações interpessoais truncadas numa Santo André pioneira em industrialização no final do século retrasado e explícita a partir de Lula e seus valentes companheiros.
O filão eleitoral dos conservadores é modesto demais para acalentar qualquer sonho de governar Santo André.
Na edição de ontem, atropelada editorialmente, escreveremos sobre o que seria cronologicamente os pontos finais dessa breve série de artigos. Tratamos do empobrecimento econômico e do baixo associativismo distrital em Santo André.