Com este artigo, completamos a breve série de avaliações que procura explicar as razões que determinaram a vitória de João Avamileno no último domingo na disputa com o triprefeito Newton Brandão. Como se sabe, ao conservadorismo ideológico do Centro, de bairros próximos e também do Camilópolis e vizinhança, se contrapôs o centro-esquerdismo da periferia.
No primeiro capítulo apenas preparamos o terreno para abordagens que se seguiram a partir do dia seguinte. No segundo capítulo, cuidamos do aspecto “conservadorismo patrimonialista”. No terceiro, expusemos questões relacionadas à fragmentação sindical e ao separatismo social. No quarto, cuidaremos do empobrecimento econômico e do baixo associativismo distrital.
Como na relação sindical e social, empobrecimento e associativismo se interligam. Os últimos 10 anos foram terríveis para o Grande ABC. Os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso nos colocaram de quatro. Particularmente para Santo André, a degringolada econômica começou no final dos anos 80 e só estancou de fato em meados dos anos 90. Mas foram década e meia de terríveis perdas. Nenhum município brasileiro mergulhou tão profundamente nas águas da desindustrialização.
Centro cultural e político do Grande ABC, entre outros motivos porque aqui estão os principais meios de comunicação da região, Santo André foi duramente atingida em seu ego comunitário. A periferização rebelde à sombra do sindicalismo bravio e inconformado se juntou ao inconformismo de perdas significativas da classe média geograficamente instalada no Centro e nos bairros mais próximos. Sem laços afetivos de cooperativismo, uma prática pouco usual no País, as áreas mais tradicionais de Santo André caíram na esparrela do salve-se-quem-puder. Ou seja, o distritalismo comunitário jamais se pronunciou de forma consistente. Exceto de maneira pontual, muito específica, e mesmo assim, sem a configuração esperada.
Insisto em dizer que, embora tome Santo André como núcleo de análise, a maioria das observações serve aos demais municípios, porque o distanciamento de classes é arraigada construção histórica. A leva de migrantes que invadiu Santo André e os demais municípios da região após a industrialização automotiva manteve os operários em seus devidos lugares, os quais não tinham nada a ver principalmente com aqueles que chegaram antes, os imigrantes. Santo André, berço inicial do adensamento populacional, e que deu à luz São Caetano com o movimento emancipacionista, e também São Bernardo, têm marcadamente essa linha divisória classista que as urnas eleitorais captam com implacável precisão.
Os anos FHC foram tão destrutivos para a classe média mais consolidada do Grande ABC e acrescentaram tantos desempregados na periferia que o resultado não poderia ser outro: vivemos democraticamente, é verdade, mas sofremos com a acentuada divisória social que as urnas captaram sem dó nem piedade. Da mesma forma que há preconceito latente às políticas públicas da esquerda petista nas regiões do Centro de Santo André e do Subdistrito de Utinga, uma rejeição discriminatória aos supostos ou reais representantes das oligarquias locais se manifesta silenciosamente na periferia e só ganha corpo factual quando a privacidade das urnas se projeta na forma de contagem dos votos.
Nada que seja diferente do que as urnas paulistanas apontaram no resultado final, com a vitória de José Serra nos bairros mais tradicionais e a recuperação de Marta Suplicy em 15 zonas eleitorais das populações mais sofridas.
A diferença é que São Paulo conta com eleitorado mais volumoso no perfil de aproximação da candidatura Serra, o Brandão que deu certo. Relativamente em Santo André, tanto os ricos e remediados são em menor escala quanto os pobres e miseráveis são mais numerosos do que na Capital.
A lição que fica para a candidatura vitoriosa de João Avamileno em Santo André é que a sustentação institucional do Município não pode prescindir de forças potencialmente mais próximas do poder, no caso a classe média. Embora a diferença que o separou de Newton Brandão nas três zonas eleitorais mais conservadoras não tenha sido decisivamente larga, convém definir políticas que contribuam para minimizar esse aparthaid social inconcebível para um Município que precisa de unidade de valores para o enfrentamento das dificuldades sociais e econômicas que atingem todos os moradores.
Santo André é um típico caso sobre o qual os demais dirigentes públicos, privados, culturais e sociais da região deveriam se debruçar porque, mesmo admitindo que Diadema e São Caetano são exemplares especiais, muito do que acontecer no Município poderá servir de lição aos demais.