Política

Expiação eleitoral

DANIEL LIMA - 21/11/2004

Tenho urticária quando ouço ou leio que o Brasil vota cada vez melhor. Confundem tecnologia de urna eletrônica com cidadania vacilante. Brasileiro vota na maioria dos casos com o bolso ou com o fígado. E depois, como se sabe, simplesmente abdica da responsabilidade de acompanhar atentamente os eleitos. Os períodos eleitorais são como finais de campeonato: há tempestade de curiosidade principalmente pelos debates televisivos, mas depois o que se vê é o refluxo da maré. Política partidária dá enjôo aos viajantes democráticos de última hora, ou seja, os eleitores levados pela onda supostamente democrática.


Os políticos, bons e ruins, jamais dirão o que pensam do eleitorado. Nem a maioria dos críticos. Nem tampouco os cientistas sociais. Eles generalizam a exceção por bom mocismo. O Brasil é o País da hipocrisia juramentada. O povo reclama dos políticos mas age conforme o figurino de oportunismo ou de necessidade que lhe é traçado. Somos uma democracia de arranjos.


Velhas e novas celebridades da política, quase todas, são farinhas do mesmo saco. Mantêm-se ou vicejam de incubadoras conhecidas. Sobrevivem de redutos temáticos, profissionais, geográficos, econômicos. Distritalizam o voto na maioria dos casos porque campanha eleitoral é assistencialismo. Dividem a geografia municipal em feudos. São reservas de mercado que opositores tentam fazer água. Nem sempre é possível manter a cerca inabalável.


A revista LivreMercado fez em 2000 apanhado sobre o quadro de vereadores eleitos no Grande ABC. Queria provar que essa história de que somos uma geografia politicamente avançada sobre a qual o Brasil deveria se espelhar não passava de fato de fachada de triunfalismo barato. Não deu outra. Bastou investigar a tipologia de sustentação eleitoral de cada vereador consagrado pelas urnas. Uma minoria se safou das garras de exigência qualificativa.


Se o trabalho se repetisse agora, com os novos vereadores que se juntam aos já consagrados, as respostas seriam as mesmas. Não somos diferentes coisa alguma do Brasil varonil. O coronelismo político é arrasador. Quando se observa que salta aos olhos o alienamento do topo ou da base da pirâmide social, é fácil constatar que o campo é fértil à locupletação populista.


A bem da verdade, nem se pode crucificar completamente os candidatos vitoriosos ou derrotados pelo perfil de campanha que colocam nas ruas. Eles atendem à demanda de mercado. Demagogia rende votos. Mentiras também. Ataques contra a honra, nem se fale. Estridências verbais, sem dúvida. Como a artificialização de bons modos, a emotividade programada, a perseguição declarada, a solidariedade viciada. A cara do voto é múltipla, para o bem e para o mal.


As disputas eleitorais são teatros em que não há platéias. Todos são atores. A maioria é formada de figurantes, sem dúvida, mas todos ou quase todos comungam dos mesmos usos e costumes. Principalmente quando a fidelização da preferência se cristaliza. Aí não adianta bater com pau ou pedra. Sacralizam-se as candidaturas. A maior das verdades soará como infâmia. As piores ofensas ganharão ares de realidade.


Não há algo mais dilacerante para uma sociedade do que a política partidária e o direito de votar. Exceto todos os demais regimes. O jogo eleitoral é sujo. Inocentes pagam pelos pecadores. Pecadores instrumentalizam pecadores para atingir inocentes. Cães de aluguel farejam todas as possibilidades de ganhos extras. Trocam de cores partidárias a um simples sinal de polegar esfregando o indicador. Por natureza, o homem multiplica o potencial de intrigas.


E os confrontos estratégico-eleitorais, então? Há os que se julgam imbatíveis. Até que, quando as urnas se abrem, caem em prostração. Outros acreditam na força inexpugnável da aristocracia provinciana. Acham-se donos da bola. E não é para menos, porque não lhes faltam reverências de classes apodrecidas. A guerra de nervos ultrapassa todos os limites da razoabilidade e do respeito humano. Propagam-se calúnias, infestam o asfalto de tablóides, panfletos e cartazes peremptórios em apontar culpados.


A política partidária de períodos eleitorais é acintoso jogo de transparência da alma humana. São momentos em que se projeta materialmente toda a mesquinhez incubada e comportadamente dissimulada no convívio social de períodos menos concessivos à avacalhação. Não faltam aqueles que prometem retaliações. Escolhem interlocutores a dedo, para que as mensagens cheguem rapidamente. O prazer do detrator é efêmero, mas invasivo. A mensagem geralmente tem breve prazo de validade, mas é envenenadora.


Para quem detesta política partidária mas é obrigado, por razões profissionais, a submeter-se ao fogo cruzado dos supostos especialistas em capturar a ingenuidade ou o interesse individual dos eleitores, as eleições são um tormento. Principalmente porque todos os tipos de vadiagem comportamental brotam de cidadãos só aparentemente acima de qualquer suspeita.


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