A Rhodia Química de Santo André está desenvolvendo de forma pioneira um sistema de empregabilidade para os quase 500 funcionários. A executiva Iaci Mortensen Rios é gerente de Educação e Desenvolvimento, uma das vertentes dos Recursos Humanos do Grupo Rhodia no Brasil, e responsável pelo projeto que gradualmente vai-se espalhar pelas demais unidades da empresa, que conta com 6,5 mil colaboradores. Ela faz alerta importante sobre essa nova palavra aparentemente enigmática do mundo empresarial: não basta adquirir mais conhecimentos; o trabalhador precisa manter-se permanentemente atualizado.
O desafio não deve ser interpretado como bicho-de-sete-cabeças, avalia Iaci. Ela recorre à pesquisa da Fundação Dom Cabral realizada em 1995 e cujos resultados mostraram que os brasileiros têm alta capacidade de adaptação às mudanças. Só chama atenção para a necessidade de o País vencer a enorme exclusão de crianças e jovens da escola. “Sem escolaridade básica, não teremos jamais a competitividade de que precisa e precisará nosso País”.
A executiva do Grupo Rhodia defende a modernização da CLT. Mas não quer ver o modelo antigo substituído por outro que destrua as conquistas sociais, de modo a colocar o Brasil em situação semelhante a de países que exploram a mão-de-obra para concorrer no mercado mundial.
Até que ponto o funcionário entende o conceito de empregabilidade adotado pela Rhodia Química de Santo André? Como fazê-lo compreender que empregabilidade não significa, necessariamente, preparo para a dispensa, como muitos atribuem ao processo?
Iaci – O empregado da Rhodia Química de Santo André só passou a compreender realmente o conceito a partir do momento que começou a participar da construção de sua própria empregabilidade. A partir desta co-construção –empregado e empresa –começa a fazer sentido para as pessoas que desenvolver empregabilidade é questão de sobrevivência em qualquer ambiente.
Há definição melhor para o conceito de empregabilidade do que a soma de três ingredientes: competência profissional, disposição para aprender e capacidade de empreender?
Iaci – Acrescentaria competência para aprender. Não basta ter disposição. Cada vez mais é preciso ter domínio (conhecimento e capacidade de gerenciamento) de seus processos pessoais de aprendizagem. O jovem de hoje, de até 10, 15 anos, já desenvolveu capacidade de gerenciamento de seus processos de aprendizagem melhor do que as gerações anteriores. Isto porque ele está, desde que nasceu, mais exposto a infinidade de informações. E está também mais sozinho no seu processo de desenvolvimento, pois normalmente é filho de pais que trabalham fora e acabam deixando, por mais ciosos que possam ser, a criança mais livre para aprender no dia a dia.
Considerando-se como exercício de aplicação efetiva da prática de empregabilidade, o que tende a acontecer com os funcionários da Rhodia que estão passando pela experiência de agregar novos conhecimentos teóricos e práticos? Eles serão realmente mais competitivos no mercado de trabalho?
Iaci – Através de novos conhecimentos, teóricos e práticos, uma pessoa torna-se mais competente e, junto com a maior competência, vem a maior empregabilidade. Mas, como disse anteriormente, não basta adquirir mais conhecimento: é preciso manter-se permanentemente atualizado. Isso só é possível se a pessoa domina seus processos de aquisição de conhecimentos e se sabe selecionar quais conhecimentos e informações manterão sua vantagem competitiva.
O trabalhador brasileiro, de maneira geral, caracteriza-se funcionalmente de forma diferente do que nos Estados Unidos, Europa e Japão? Explicando: nosso trabalhador de chão de fábrica ou de gabinetes, de administração, possui diferenças marcantes em relação aos concorrentes de Primeiro Mundo que possibilitam, por sua vez, diferencial na prática da empregabilidade?
Iaci – Em 95, a Fundação Dom Cabral, sob coordenação de equipe de profissionais que incluía a ex-ministra Dorothea Werneck, realizou pesquisa em várias empresas do País para saber qual a capacidade do trabalhador brasileiro de se adaptar às mudanças no mundo em geral e no mundo do trabalho em particular. O objetivo principal era saber se o Brasil poderia oferecer, através da capacitação da mão-de-obra, vantagens para a entrada do capital estrangeiro.
Foram entrevistadas 554 pessoas de um universo de 23 empresas representantes de vários setores da economia. Os resultados mostraram que os brasileiros têm alta capacidade de adaptação às mudanças. Diz o relatório da pesquisa que “as empresas subsidiárias de multinacionais muitas vezes saíram na frente na adoção de novos modelos gerenciais e… pode-se constatar que o ritmo das mudanças e seus resultados apresentavam melhores indicadores de desempenho do que nas empresas matrizes…”
Outro indicador da capacidade de adaptação do brasileiro é o volume de empresas que aderiram ao movimento da qualidade. A quantidade de empresas que obteve certificação ISO-9000 no Brasil foi significativamente maior do que em outros países, se considerado o mesmo período de tempo. Até maior do que em países como a Finlândia, que entrou forte na onda da qualidade. Esta informação me foi dada por Vilien José Soares, gerente de Recursos Humanos da Rhodia Química de Paulínia, ex-gerente do Projeto ISO-9000 na Rhodia e auditor assistente ISO-9000 pela Acert.
Estes fatos mostram que o brasileiro possui sim, individualmente, um diferencial competitivo em relação a outros países. O que precisamos vencer é a enorme exclusão de crianças e jovens da escola, pois sem escolaridade básica, no mínimo, não teremos jamais a competitividade de que precisa e precisará nosso País. Educação para todos não pode ser apenas slogan, mas preocupação e ação de cada setor da sociedade.
Que tipo de trabalhador tem mais possibilidades de se adequar aos planos de empregabilidade de uma empresa, tendo a experiência da Rhodia como matriz de análise?
Iaci – Aquele que acha que ainda, e sempre, tem muito a aprender. O que conhece e acredita em suas próprias competências e não se conforma em ficar parado, esperando que as oportunidades lhe caiam no colo. Aquele que não tem medo de perguntar, experimentar novas experiências e, principalmente, encara o erro como oportunidade de aprendizagem. Aquele que acredita que, apesar das mudanças no mundo do trabalho, sempre haverá lugar para ele e trabalha para isso.
Depois do lançamento do projeto de empregabilidade na usina de Santo André, que novos passos foram dados para disseminar o trabalho junto ao Grupo Rhodia e também junto a outras empresas?
Iaci – A segunda experiência já está começando na Rhodia Farma, que tem complexidade maior do que Santo André por se tratar de empresa completa, com as funções de Recursos Humanos, Planejamento Estratégico, Finanças, Sistemas, Desenvolvimento de Produtos, Marketing e Vendas, Produção, Qualidade etc. Já estamos pensando em novos passos, além dos que desenvolvemos em Santo André, pois não paramos de aprender: é a empregabilidade do Projeto Empregabilidade!
Estamos também nos preparando para aplicar os modelos aprendidos com o grupo de gerentes da empresa toda — o Grupo de Executivos Dirigentes, como denominamos internamente. A primeira meta é identificar, junto a esse grupo, quais são os processos de aprendizagem das competências gerenciais e quais são os processos que esses profissionais utilizam para o desenvolvimento de competências de suas equipes, pois esta é uma de suas principais responsabilidades na empresa. Lembrando o que falei anteriormente, vamos identificar, para dominar melhor os processos.
Até que ponto a satisfação profissional é importante num projeto de empregabilidade e o que a Rhodia tem feito nesse sentido?
Iaci – A satisfação profissional é peça-chave da empregabilidade. É muito difícil encontrar uma pessoa que faça bem o que não gosta de fazer. É preciso que saiba quais são os ingredientes da sua realização profissional –dificilmente é apenas um. Às vezes, não sabemos quais são as nossas competências e vocações e não damos o foco adequado à carreira. Na Rhodia, estamos ajudando as pessoas a fazer essa reflexão através da disponibilização de profissionais que denominamos Orientadores de Empregabilidade.
Estes orientadores são contratados no mercado e já detêm conhecimento e metodologia para esse trabalho. Mas, ao mesmo tempo em que atendem os empregados de Santo André, estarão treinando multiplicadores internos para que, a partir de 98, tenhamos mais essa competência desenvolvida entre os próprios empregados do local.
A flexibilidade das regras trabalhistas, que os Estados Unidos já aplicam com sucesso e que a Europa insiste em desconsiderar, é alternativa para reduzir o risco de desemprego num mundo em que globalização, competitividade e produtividade são faces da mesma moeda?
Iaci – A modernização da CLT é imprescindível. Alternativas que já têm sido praticadas, como redução da jornada de trabalho, diminuição dos encargos sociais para as empresas, novos modelos de relações de emprego e de trabalho que privilegiam a informalidade, sempre abrem mais oportunidades de emprego, mas devem ser olhadas com muita atenção. Não devemos andar para trás e destruir as conquistas sociais, feitas ao longo de décadas e que nos diferenciam de práticas tão condenáveis existentes em alguns países que são até considerados nossos concorrentes em mão-de-obra e mercado potencial.
Particularmente no Grande ABC, como você vê a questão do emprego e da empregabilidade, levando-se em conta que há evidentes perdas industriais, com evasões ao longo dos últimos anos? A própria Rhodia Química já teve cinco mil funcionários em Santo André e hoje não passam de 500. Como as autoridades públicas locais e estaduais, como os empreendedores de grande, médio e pequeno porte poderiam amenizar o desemprego industrial?
Iaci – Acredito que o que está ocorrendo no Grande ABC é motivado por vários fatores, entre os quais os gerados pela globalização e pela necessidade de política industrial que apóie a preparação do País e que evite o sucateamento do parque fabril. Mas existem outros fatores que levam a esses movimentos que acabam mudando o perfil econômico de regiões e que estão mais ligados a questão como vias de escoamento da produção, sistemas de abastecimento de matérias-primas, à qualidade de vida das cidades, às fontes de preparação e fornecimento de mão-de-obra especializada, custo dessa mesma mão-de-obra e outros tantos.
Na ausência de um planejamento mais adequado, as regiões deveriam se preparar para essas transformações, buscando identificar e desenvolver outras competências para criar novas oportunidades de trabalho locais. Existem experiências muito interessantes pelo mundo de ações desenvolvidas em parcerias entre governos, empresas, escolas e sociedade de maneira geral. A ilha grega de Santorini é bom exemplo de como toda uma população soube se adaptar, claro que não sem perdas, à mudança radical do perfil econômico da região: passou de produtora agrícola para centro mundial de turismo por um evento da natureza — a ilha é a boca de um vulcão. Como exemplo dessa adaptação, lembramos o fato de que todos os seus cidadãos falam inglês, pois essa é a moeda de sobrevivência em um centro de turismo.
Pesquisa da Fundação Seade divulgada recentemente afirma que maior grau de escolaridade não é garantia de emprego estável e salário adequado. A base é um estudo que constatou que cresceu nesta década o desemprego de quem tem o Segundo Grau completo, saltando de 5% para 11,3%. A explicação seria apenas a falta de investimentos produtivos, como constatou a Fundação Seade?
Iaci – Realmente, apenas maior grau de escolaridade não é garantia de emprego, muito menos estável. O que conta, cada vez mais, é o conjunto de competências e a capacidade de aprender das pessoas, aliados a uma postura pessoal de autoconfiança, domínio e autoconhecimento de suas potencialidades. Mas sem escolaridade básica, o resto não é suficiente.
Qual vai ser o futuro do emprego? O economista norte-americano Jeremy Rifkin disse recentemente que a revolução tecnológica pode criar dois tipos de sociedade: a do crime institucionalizado ou uma nova renascença, na qual as pessoas trabalharão menos e se divertirão mais. O resultado, segundo ele, depende da opção certa da sociedade. Você acha que só há esses dois caminhos?
Iaci – Não acredito em rupturas tão grandes. O modelo de trabalho certamente sofrerá mudanças fortes e a qualidade de vida das pessoas será cada vez mais considerada. Tanto pelas pessoas quanto pelas empresas, que começam a redescobrir o ser humano de forma integral.
Claro que a opção social errada sempre vai existir e o risco fica maior quando você tem maior nível de exclusão social — em períodos de mudança, este nível tende a aumentar. Mas haverá múltiplos caminhos, pois a tendência da sociedade é a diversidade.
Já estamos assistindo a grandes transformações no modelo de trabalho. Existem empresas na área de engenharia de projetos, por exemplo, que não têm sede em lugar nenhum e seus empregados estão espalhados pelo mundo inteiro e se comunicam via Internet. São empresas que trabalham 24 horas por dia sem pagar um tostão de horas extras ou noturnas, pois quando é noite no Ocidente é dia no Oriente e vice-versa.
Outro fato é que cada vez mais as empresas estão produzindo e vendendo conhecimento e serviços ao cliente, em lugar de simples produtos. Uma pizza pode ser considerada uma commodity: o que as pizzarias vendem é entrega rápida, atendimento personalizado, flexibilidade (faça sua pizza) etc. Quem abre uma pizzaria pensando que vai vender pizza, com certeza vai quebrar. Mas, para trilhar esse caminho, precisamos de pessoas competentes, criativas, capazes de aprender e interessadas em viver novas realidades.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira