Política

Original e caricatura

DANIEL LIMA - 03/01/2005

O noticiário de ontem deste Diário sobre a posse do prefeito José Auricchio Júnior me leva a uma conclusão que longe está de precipitada: o sucessor de Luiz Tortorello será diferente de Luiz Tortorello.


O formato do secretariado, que mantém em postos-chaves ex-colaboradores do prefeito que se foi em 17 de dezembro, não significa que o médico Auricchio esteja preso aos tentáculos daquele que o fez sucessor.


Há movimentos de evidentes interesses para manter Auricchio o mais próximo possível do grupo de Luiz Tortorello, mas vai cair do cavalo do simplismo quem achar que São Caetano será a mesma de antes. Trocando em miúdos: Auricchio vai imprimir ritmo diferente na medida do possível e essa medida do possível é notório gosto pela dissociação da imagem de sua administração daquela da qual fez parte subsidiariamente, como secretário.


Não será fácil arbitrar alterações corporativas e institucionais numa São Caetano que se entregou de corpo e alma à personalidade forte, dominante, centralizadora e abrasiva de Luiz Tortorello.
Auricchio sabe tão bem disso que não enfiou os pés pelas mãos da governabilidade ao anunciar o secretariado metade seu, metade dos herdeiros de Luiz Tortorello.


Se até ontem havia certas interrogações sobre o que poderia ser o governo Auricchio, as entrelinhas daquela reportagem e um agregado de informações históricas apagaram qualquer sombra de dúvida. O homem que desde sábado ocupa o posto de titular do Palácio da Cerâmica inaugurará, definitivamente, nova maneira de dirigir São Caetano.


Se Luiz Tortorello, como já escrevi, compartimentou 12 anos de prefeito de tal forma que cristalizou o período entre o antes e o depois de sua administração, Auricchio provavelmente será conhecido como o dirigente que, sem tripudiar sobre o túmulo de seu mentor, teve a coragem e a iniciativa de alterar o curso do rio.
Vamos a três exemplos sintomáticos dessa conclusão, retirados do noticiário de ontem:


Primeiro — Auricchio vai transformar a saúde em carro-chefe da administração. O que isso significa? Que como secretário municipal não conseguiu sensibilizar o governo Luiz Tortorello a ponto de tornar a atividade o brinco de ouro da princesa da administração de uma cidade de inegáveis indicadores sociais. A saúde de São Caetano reúne buracos imensos, como recentemente apontou o IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos) ao constatar que se trata do município da região que menos investe per capita na área.


Segundo — Para minimizar a fama cultivada por Luiz Tortorello de que São Caetano é uma grande fazenda cujo coronel se instalou no Paço Municipal durante três gestões, e que outros coronéis ali também concentraram pertences, Auricchio constituirá o Conselho de Administração, formado por membros da sociedade. Ou seja: em vez da centralidade personificada que tanto caracterizou Tortorello e antecessores, Auricchio invadiu o campo da descentralização. Com isso, possivelmente dará a São Caetano uma cara de contemporaneidade político-administrativa à altura dos indicadores socioeconômicos. Com o consequente esvaziavamento relativo de grupos que se mantiveram à sombra da corte tortorelliana.


Terceiro — Auricchio dará à segurança pública atenção redobrada, com o fortalecimento da Guarda Municipal. Mais uma ação deliberadamente em contraponto com a gestão de Luiz Tortorello que, apesar de investir recursos na área, inclusive com bonificação salarial a policiais militares, jamais entendeu a gravidade da questão. São Caetano reúne indicadores criminais muito aquém da exuberância socioeconômica, principalmente em roubo e furtos de veículos e roubos e furtos diversos.


É muito provável que as medidas que diferenciarão Auricchio de Tortorello serão mais numerosas e que possivelmente estejam todas no pacotaço de repercussão mais impactante dos primeiros 100 dias de administração. De qualquer forma, o que se detectou nos fragmentos de informações da posse já é suficiente para assegurar que a Era Tortorello, com todas as virtudes e defeitos, está em franco processo de exaustão. Por mais que seus herdeiros naturais e históricos se manifestem absolutamente em coro para prorrogar um jogo encerrado em dezembro.


Acreditar que o legado de Tortorello seria mantido indefinidamente em São Caetano é opor-se à própria lógica do caciquismo que ele representou em quase duas décadas de comando direto ou indireto do Paço, ou seja: a de que sua personalidade só se tornou diferenciada porque aqueles que o embalavam aceitaram disciplinadamente uma liderança que já se foi e sem a qual a aplicação do modelo original viraria caricatura.


Auricchio, pelo que se observa, não tem vocação à cópia, por isso, fugiu do cerco de conservadorismo ao optar por receituário próprio. Mais que isso: quebrou a correia de transmissão do comodismo de manter intacto um time que supostamente está vencendo.


Provavelmente enfrentará resistências.


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