Quem ligou para este jornalista naquela zero hora de 3 de outubro de 2004, domingo, dia de eleições municipais em Santo André, para ameaçar-me de morte? A denúncia consta de Boletim de Ocorrência que registrei naquela madrugada na delegacia ao lado da sede do Diário do Grande ABC, onde exercia o cargo de diretor de Redação.
Ao responder a ação penal eleitoral que me move a Justiça Pública, solicitei ao juiz eleitoral da 306ª Zona do Estado de São Paulo que quebrasse o meu sigilo telefônico. Esta seria a única maneira de provar que a ameaça existiu e que, exatamente porque existiu, tornou impossível do ponto de vista emocional o cumprimento da determinação de publicar um direito de resposta da chamada Frente Andreense do Atraso como manchete principal da edição daquele domingo eleitoralmente decisivo.
Não vou entrar em detalhes agora sobre a ação penal eleitoral. O texto sobre o assunto foi publicado na edição de junho de 2006 da revista LivreMercado e completa este artigo. O que interessa é que o autor do telefonema ameaçador se utilizou de um aparelho celular cujo número foi impossível de detectar naquela noite. Agora, quase três anos depois, eis que recebo da Companhia Telefônica um relatório completo daqueles 2 e 3 de outubro.
E o que encontro, com os préstimos sempre valiosos e competentes do advogado Antonio Russo, meu defensor? O bendito número do telefone covarde. Está em nome de uma empresa de Santo André, cujo proprietário, vejam só, era vereador e concorria à reeleição. Um homem engajado na cúpula de oposição que concorria à Prefeitura de Santo André e que por motivos vários fez do Diário do Grande ABC, à época sob minha direção redacional, alvo preferencial de ataques até então legítimos embora maliciosamente frágeis de abortar pesquisas eleitorais do Instituto Brasmarket.
Então, ficamos assim: partiu de um aparelho celular adquirido em nome de uma empresa do ramo educacional de Santo André a ofensiva de ameaça à minha vida por aquela ligação exatamente à zero hora de 3 de outubro. A voz grave do outro lado da linha foi rigorosamente objetiva: eu não conseguiria chegar próximo da igreja protestante que faz vizinhança com a sede do Diário do Grande ABC, numa distância inferior a 20 metros, porque seria fuzilado.
Descoberta a origem da ameaça de morte que, repito, foi registrada em Boletim de Ocorrência, o magistrado responsável pela ação pública contra este jornalista por suposta desobediência à Justiça Eleitoral receberá solicitação expressa de meu advogado: é preciso quebrar o sigilo telefônico do usuário daquele celular inscrito na Telefônica em nome de uma empresa e, dentro das possibilidades que surgirão, detectar com quem ele manteve contatos naquele período de modo a aprofundar a possibilidade de explicitar outros nomes que eventualmente tenham participado da mobilização partidária para impedir a prática de jornalismo responsável. Teria o usuário daquele celular da Vivo mantido contatos com um ex-deputado que, conforme denunciei na newsletter Capital Social Online já há tempos, mandou um emissário me informar que estava pronto para me matar?
O que ocorreu à meia-noite daquele sábado-domingo eleitoral foi o desenlace de uma operação que se estendeu por vários meses, desde que, coincidentemente, assumi a direção de Redação do Diário do Grande ABC em julho de 2004, perto da abertura do calendário eleitoral municipal. Justamente eu que, todos sabem, não tenho filiação ou engajamento em qualquer agremiação política.
Provavelmente meus algozes pretendiam que o cargo de diretor de Redação do Diário do Grande ABC fosse ocupado, como fora antes, por alguém da turma.
Embora legítima, a persistente ação da chamada Frente Andreense do Atraso para transformar o Diário do Grande ABC alvo de ataques político-eleitorais ultrapassou todas as medidas de sensatez e se tornou abusiva. Foram mais de 30 solicitações de direito de resposta, todas rejeitadas pela Justiça Eleitoral.
Estranhamente, a única das ações que conseguiu de forma precária passar pelo crivo da Justiça Eleitoral, embora semelhante a tantas outras anteriormente rejeitadas, foi exatamente a daquele sábado-domingo ameaçador, em relação à qual o Diário do Grande ABC só conseguiu obter sucesso no Tribunal Eleitoral de São Paulo depois que as urnas foram apuradas.
Não tenho dúvida de que a Justiça Eleitoral, tão cuidadosa em levar este jornalista a julgamento por suposta desobediência à determinação de direito de resposta, vai aprofundar as investigações.
Bem que o Ministério Público poderia requisitar a reabertura da apuração policial do caso. Minha vida não é uma porcaria qualquer para ser colocada em risco por gente que só pensa em votos.
Acompanhem abaixo o texto publicado em junho de 2006 na revista LivreMercado. O habeas corpus acabou revogado. Continuo a responder à Justiça Eleitoral. Espero que a ameaça de morte seja minuciosamente apurada. Quem estaria por trás do dono do celular da Vivo, cuja identidade vou revelar amanhã?
Presidente do TRE suspende processo contra jornalista
DA REDAÇÃO
O jornalista Daniel Lima obteve medida liminar em habeas corpus junto ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, para proteger-se da humilhante situação. Tinha como alternativas aceitar a proposta feita pela Promotoria Eleitoral de Santo André, “que violenta seus sentimentos e sua formação, ou ver-se processar criminalmente sem que razão para isso exista”, segundo a defesa do advogado Antonio Russo, para quem as condições impostas são inaceitáveis. “A primeira porque sugerir ao jornalista pagamento de R$ 7 mil a uma instituição assistencial é propor o inatingível. A segunda, que prevê apresentação ao Fórum de 30 em 30 dias de um homem a quem a sociedade reconhece o mérito de ser trabalhador incansável, cumprindo jornada exaustiva, sem intervalo em sábados, domingos e feriados, é algo que deprime e constrange” — afirma Antonio Russo.
O Ministério Público, representado pelo Promotor da Justiça Eleitoral Antonio Nobre Folgado, ofereceu denúncia contra o jornalista atribuindo-lhe infrações aos artigos 347 da Lei 4.737/65 do Código Eleitoral e ao artigo 340 do Código Penal. O advogado Antonio Russo, titular de um dos maiores escritórios do Grande ABC, considera absurda a posição da Promotoria.
Em síntese, a denúncia do Promotor Antonio Nobre Folgado afirma que no dia 2 de outubro de 2004, à noite, no interior do prédio do Diário do Grande ABC, Daniel Lima, então diretor de Redação, recusou cumprimento à ordem da Justiça Eleitoral. “Consta do inquérito policial incluso que no dia 3 de outubro, por volta de 1h52, no 4º Distrito Policial de Santo André, o jornalista provocou a ação da autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime que sabia não se ter verificado. Segundo se apurou, na véspera da eleição municipal para prefeito de Santo André, dia 2 de outubro, Daniel Lima recebeu ordem do então Juiz da 306ª Zona Eleitoral para publicação de direito de resposta da Coligação Frente Andreense. Contudo — segue o Promotor — com a intenção de não publicar o referido direito de resposta, não cumpriu a ordem da Justiça Eleitoral, retirando-se do jornal com a alegação de que teria de registrar boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia a respeito de uma suposta ameaça de morte, feita por pessoa não identificada. Em virtude disso, a matéria referente ao direito de resposta não foi publicada no dia das eleições, 3 de outubro” — denuncia o Promotor, que completou: “O acusado provocou a ação da autoridade policial comunicando-lhe a ocorrência de um falso crime de ameaça, feita por uma pessoa que o indiciado não identificou, dizendo que a linha telefônica não foi identificada em seu telefone celular”.
No requerimento de habeas corpus ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, o advogado Antonio Russo explicou que o pedido de direito de resposta foi requerido pela Coligação Frente Andreense contra a empresa jornalística Diário do Grande ABC, citada na ação, corretamente, nas pessoas de seus diretores Keynes Dotto e Oscar Mituo Osawa. “O paciente (Daniel Lima) era funcionário da empresa, dirigindo os trabalhos redacionais do jornal. Poderes não tinha para receber citações ou intimações em nome daquela pessoa jurídica” — explicou Antonio Russo. “Foi emitida uma ordem ilegal, como mais tarde proclamado pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo referendado pelo Tribunal Superior Eleitoral, de Brasília. Houve a tentativa de entrega da intimação à pessoa errada. Seu destinatário era a empresa jornalística, não o funcionário encarregado de chefiar o setor de redação do jornal por ela mantido” — afirmou o advogado.
Antonio Russo explica na peça acolhida liminarmente pelo Presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo que “Daniel Lima não tinha obrigação de cumprir aquela ordem e não tinha poderes para dar-lhe atendimento. Os mandados judiciais dirigem-se às pessoas naturais acionadas, ou aos representantes legais das pessoas jurídicas colocadas no pólo passivo das ações. Na ausência dos diretores da empresa, a quem fora no início entregue a citação, nada justificava a decisão do Oficial de Justiça portador do mandado de escolher um funcionário da empresa para dele exigir o cumprimento. Ninguém desobedeceu ordem, porque a pessoa jurídica acionada não foi intimada para cumpri-la” — afirmou Antonio Russo.
O advogado foi mais longe na defesa do jornalista Daniel Lima: “Fosse possível, juridicamente, a intimação na pessoa do paciente, mero funcionário, o descumprimento também não constituiria fato típico do delito de desobediência, porque decidiu mais tarde o Tribunal Regional Eleitoral que a ordem era ilegal, reformando a sentença e julgando o pleito improcedente”. E prossegue: “Estas ponderações foram levadas ao Juízo coator. Manifestou-se o Ministério Púbico estranhamente sustentando a absurda tese da inutilidade da decisão proferida pelo TRE no julgamento do recurso. Disse simplesmente que o delito de desobediência configurou-se por inteiro no dia em que a intimação da sentença foi levada ao paciente (Daniel Lima), que não a recebeu, nem cumpriu. Destinatária era a empresa jornalística, que ele nunca representou”.
Vai mais longe o advogado Antonio Russo no pedido de habeas corpus: “Absurda a posição da Promotoria, todavia acolhida pelo Juiz de Direito, que determinou o prosseguimento da ação penal com a realização da audiência para proposta de transação, com aquelas inaceitáveis condições já referidas”.
Para Antonio Russo, inexiste justa causa para instauração e prosseguimento da ação penal ou mesmo para a proposta de transação em que se pretende trocar a suspensão pelo pagamento do que chama de “pequena fortuna a uma entidade assistencial local e submeter-se (o jornalista) à vexatória condição de comparecer mensalmente ao Fórum para comprovar o exercício de trabalho lícito”.
No requerimento ao Tribunal, Antonio Russo deteve-se também no núcleo conceitual do direito de resposta exigido pela Frente Andreense, que se prendeu a matérias publicadas no Diário do Grande ABC de 31 de agosto de 2004, na coluna “Palavra do Leitor”, de autoria de Danilo Nogueira e Maria Angélica Cecílio, e na coluna “Contexto”, sob o título “Pés pelas Mãos”, de autoria de Daniel Lima. A Frente Andreense alegou à Justiça Eleitoral que os textos eram difamatórios contra as candidaturas de Newton Brandão e Duílio Pisaneschi.
“O texto da resposta sugerida pela Coligação Frente Andreense — explica Antonio Russo — continha ofensas aos jornalistas, ao jornal e aos partidos políticos que patrocinavam diferentes candidaturas”. O pedido (da Frente Andreense) foi acolhido pela Justiça Eleitoral em 2 de setembro de 2004, apesar de flagrante inobservância da lei. Na sequência, o Juiz prolator da decisão apôs severas restrições ao texto da resposta e mandou que fosse publicado com modificações. Antonio Russo explica a consequência da medida judicial: “O jornal agiu no exercício regular de um direito e recorreu da decisão ao Tribunal Regional Eleitoral porque o magistrado local determinou que a resposta fosse modificada com a substituição de algumas expressões e a exclusão de vários e longos trechos, mas, com isso, substituiu a Justiça a atividade privativa da parte ofendida, redigindo por ela a resposta”. O recurso foi acolhido por unanimidade. Antonio Russo cita o voto do relator, desembargador Paulo Shintate: “Ante o exposto, meu voto é pelo provimento do recurso para julgar improcedente a representação e indeferir o pedido de resposta”.
O imbróglio do direito de resposta da Frente Andreense não terminou com a decisão do TJ de São Paulo. Inconformada com a decisão do Tribunal Regional Eleitoral, a Frente Andreense interpôs recurso especial no Tribunal Superior Eleitoral. “Em fundamentada decisão, o Ministro relator negou provimento ao recurso especial porque, além de outras razões, foi interposto fora de prazo” — lembra Antonio Russo, que sintetiza a situação: “A sentença que reconheceu o direito de resposta foi reformada. O pedido por ela acolhido em parte foi totalmente repelido na instância superior”. E completa: “Sentença reformada por força do provimento de recurso é peça excluída do mundo jurídico. Deixa de existir, para todos os efeitos de direito”.
O jornalista Daniel Lima, diretor-executivo da Editora Livre Mercado, escritor, fundador do laboratório virtual IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos), responsável pela newsletter Capital Social Online e um dos criadores do Prêmio Desempenho, juntamente com a publicitária Denise Barrotte, evita dar elasticidade ao caso. Mais que isso: ele diz que prefere não acreditar em correlação entre o caso com a Frente Andreense e o caso Celso Daniel, embora haja protagonistas em comum nos dois campos. Daniel Lima é o único jornalista do País a contestar publicamente, com provas, a tese do Ministério Público de Santo André de condenação criminal do empresário Sérgio Gomes da Silva. “Não vejo qualquer possibilidade de conexão entre um caso e outro apenas porque tenho me oposto à teoria dos promotores criminais de Santo André que atuam no caso Celso Daniel. O que fiz em outubro de 2004 pode ser resumido como o estrito cumprimento de minha função jornalística” — afirmou.
Para o advogado Antonio Russo, a suposta falsa comunicação de crime, como defende a Promotoria do caso da Frente Andreense contra o jornalista, que teria sido ameaçado de morte, “é um delito comum cuja apuração pertence à Justiça Estadual. Não se prorroga a competência da Justiça Eleitoral para conhecer dessa conduta, só porque assumida na noite em que o jornalista era intimado a publicar resposta da Coligação Frente Andreense”. E completa: “Se a comunicação que fez à Delegacia de Polícia era de uma ameaça verdadeira ou de ameaça inverídica, à Justiça Eleitoral não cabe averiguar. Sua competência está restrita ao julgamento dos delitos eleitorais e daqueles que lhes forem conexos”.
Daniel Lima explica que a ameaça de morte que sofreu na noite em que a Frente Andreense pretendeu a publicação do direito de resposta é incontestável: “Coloco meu sigilo telefônico à disposição da Promotoria Eleitoral para comprovar que exatamente à meia-noite daquele 2 de outubro meu telefone celular tocou e fui ameaçado por uma voz masculina, sem identificação de chamada. Chamei imediatamente os representantes da Frente Andreense que estavam na redação e também os representantes das autoridades eleitorais”. E completa: “A Frente Andreense, que chamo de Frente do Atraso, não fez outra coisa durante aquele processo eleitoral do que brigar com o Diário do Grande ABC. Foram 32 pedidos de direito de resposta. Todos vencidos com brilhantismo pelo advogado Antonio Russo”.