O Paço Municipal de Santo André está em chamas. Como se decidisse atear fogo às próprias vestes de tolerância e generosidade, o prefeito João Avamileno resolveu igualmente incendiar a governabilidade que, a muito custo, morto Celso Daniel, conseguiu sustentar no comando da Prefeitura petista, sempre apoiado pelo secretário de Governo Mário Maurici, homem de confiança de Gilberto Carvalho, requisitado pelo então presidenciável Lula da Silva, em 2002. Além de Mário Maurici, outros titulares de pastas escolhidos a dedo pelo ex-prefeito deram suporte a João Avamileno.
A ópera-bufa de antecipação pública de escolha do candidato petista à disputa da prévia partidária, anunciada por João Avamileno na edição de sexta-feira do Diário do Grande ABC, detonou a crise que ganhou novos contornos ontem, segunda-feira. Avamileno, como era esperado, apóia o deputado estadual Vanderlei Siraque, que prometeu ao prefeito logística operacional para futura campanha a deputado estadual. A vice-prefeita Ivete Garcia acabou sobrando.
A demissão de Mário Maurici é uma ruptura mais que administrativa. Maurici rastreava as relações entre o Paço e a Câmara Municipal. Solfejava canções de acordo com pressupostos estratégicos do partido. Também agia institucionalmente, com parceiros estratégicos além-Paço Municipal. Era parte importante do governo federal em Santo André.
A rebelião verbal de secretários fiéis a Mário Maurici revelada pelo site do jornal ABCD Maior, o desconforto da vice-prefeita e secretária municipal Ivete Garcia e a repercussão de todos esses acontecimentos na esfera municipal, estadual e federal do PT vão provocar intoxicação por inalação da fumaça da confusão que se instalou.
Sem estabelecer juízo de valor sobre saltos e escorregões de João Avamileno no episódio que coloca em risco a manutenção do governo petista nas eleições do ano que vem, o que causa estranheza, muita estranheza, é a posição assumida por um homem reconhecidamente cordato, paciente, negociador.
Por que João Avamileno detonou uma crise de consequências ainda inimagináveis se ao longo do mandato complementar de Celso Daniel e nos três anos quase completos obtidos legitimamente nas urnas ele se comportou publicamente com a fidalguia e a correção dos bem-aventurados?
Suponha-se que João Avamileno esteja carregadíssimo de justificativas para apanhar o fósforo da inquietação, munir-se da gasolina da irritabilidade e, vapt, levar aos ares todo o acervo de discrição que cultivou ao longo de cinco anos.
Apesar de tudo isso, João Avamileno terá tido comportamento avesso ao padrão que ele mesmo estabeleceu como símbolo de conciliação num mundo intrinsecamente corroído por desavenças, como é qualquer administração pública, principalmente às vésperas de definições sucessórias.
Se com tudo para esfarelar eventuais ataques João Avamileno cometeu o sacrilégio de conduzir o barco petista para situação desconfortável, lançando, como lançou, a administração municipal a olhares de desconfiança e ceticismo de moradores em geral, o que dizer então da possibilidade de os adversários do Paço Municipal esgrimirem sólidos argumentos restritivos à atuação do prefeito — o que também é comum na gestão pública?
Se estivesse protegido por todas as razões do mundo para fazer o que fez, o melhor que João Avamileno deveria ter feito seria nada ter feito para, com isso, manter-se a salvo de tiroteios que acabarão por atingir em cheio o próprio PT.
O que dizer então se supostamente João Avamileno não tiver todas as razões do mundo para fazer o que fez?
Custa acreditar que João Avamileno tenha substituído os trajes de elegância despojada mas efetiva de gerenciar politicamente a Prefeitura de Santo André pela bazuca de guerrilheiros. Essa é a tradução longe de ser metafórica do que se instalou no Paço Municipal.
Apesar de precipitar-se no apoio a Vanderlei Siraque, porque a decisão o colocará em situação desconfortável caso as prévias consagrem Ivete Garcia, João Avamileno teria como salvo-conduto a argumentação utilizada em entrevista ao Diário para explicar a aproximação com o deputado Vanderlei Siraque: agiu como membro do partido, não como governante. É claro que se trata de divisibilidade questionável mesmo na dialética política, porque é impossível separar João Avamileno prefeito do João Avamileno militante.
Entretanto, agora, como prefeito, a demissão de um secretário, marido da adversária de Siraque, foi uma decisão de governo. E como decisão de governo, implica em evidentes reações intestinas que, queira ou não, vão lhe exigir novas tomadas de decisões. Se o fizer, botará mais fogo na gasolina de governabilidade que se esvai. Se não o fizer, sua autoridade estará mais que chamuscada.
O PT deveria providenciar um gabinete de crise. O problema é que só existe gabinete de crise quando há cérebros disponíveis e respeitados. No estado apoplético em que se encontra o PT, não sobrou nada, exceto, eventualmente, a chegada de bombeiros de Brasília.
O oposicionista Raimundo Salles deve estar rindo à toa.