Decididamente, o prefeito João Avamileno vive nesta semana intenso e preocupante inferno astral, por conta de questões pendentes de tempos recentes ou remotos.
A derrubada da segunda árvore mais importante da hierarquia da mata do Paço Municipal de Santo André, o secretário de Governo Mário Maurici, foi um golpe controverso de uma machadada intempestiva de um homem reconhecidamente cauteloso e discreto. A clareira da crise político-institucional está aí.
A crise na Fundação Santo André, que se arrasta há bom tempo e que consome os neurônios do prefeito e de assessores, alcança também o prestígio de Vanderlei Siraque, diretamente relacionado ao reitor Odair Bermelho.
A disputa com o governo do Estado para impedir a demolição de uma escola no Bairro Sacadura Cabral, que daria lugar à Febem rebatizada de Fundação Casa, ganhou lances quase truculentos, por conta da invasão de domicílio territorial municipal por Luiz Antônio Marrey, secretário de Justiça do Estado dirigido pelo PSDB.
O que mais impressiona nessa chuvarada de complicações que atingiram o Paço Municipal de Santo André é que o anjo da guarda que parecia em permanente plantão a proteger João Avamileno resolveu tomar outros rumos.
A tempestade está demorando a passar e talvez invada o calendário pré-eleitoral do PT e influencie ainda mais os resultados que oporão Ivete Garcia e Vanderlei Siraque.
De longe, a demissão de Mário Maurici e as férias da vice-prefeita Ivete Garcia, mulher do ex-secretário de Governo, formam o desenho mais relevante e de repercussão intensa. Ambos agora dispõem de tempo suficiente para correr atrás de votos dos militantes petistas com direito a decidir a sorte da agremiação às eleições do ano que vem.
Projeta-se que serão 1,8 mil votos válidos. Listas extra-oficiais de filiados mobilizam os contendores. Ivete e Maurici contam com o discurso sensibilizador de oposição ao que chamam de gesto retaliador de João Avamileno. Talvez para os simples mortais essa tipologia de tratamento não signifique nada, mas para os militantes do PT atinge as cores berrantes da intolerância.
Os seguidores de Avamileno não dormem de touca e tampouco cedem reverencialmente espaço aos adversários. Por isso procuram massificar a idéia de que João Avamileno libertou-se do jugo de um forasteiro que supostamente ocupava o poder no Paço.
Os seguidores de Ivete Garcia procuram desclassificar o suposto grito de liberdade de Avamileno, atribuindo-lhe a ingenuidade de optar pela assessoria de familiares para a condução do governo em substituição a um aliado de Brasília que, desde os primeiros instantes pós-morte de Celso Daniel, manteve o sucessor do cargo a salvo de pressões que desestabilizassem o Paço. Os jornalistas que acompanharam os tempos que se seguiram à morte de Celso Daniel, com tiroteios de sensacionalismo por conta de denúncias de cunho administrativo e criminal, sabem o quanto Mário Maurici foi leal ao então novo titular da Prefeitura e, evidentemente, ao partido.
Quem considera correta a decisão de Avamileno derrubar o marido da prefeiturável Ivete Garcia dobra-se à imagem de que o ex-prefeito de Franco da Rocha espalhava-se demais pelos corredores do Paço.
Quem coloca Avamileno sob ótica recriminatória de cometer delicadíssima injustiça do afastamento do secretário de Governo sugere que o resultado da operação influenciará o restante do mandato, seja qual for o resultado das prévias — e aumentará o cacife dos oposicionistas, especialmente de Raimundo Salles.
Entre o fogaréu sucessório no Paço Municipal, a baderna disfarçada de democracia na invasão de uma das faculdades da Fundação Santo André e a sorrateira tentativa de destruição de uma escola em bairro densamente ocupado para recepcionar menores infratores, a que conclusão chegará o prefeito João Avamileno?
Provavelmente constatará que a primeira enrascada de responsabilidade pessoal direta será mais extensa e provocará danos à biografia política que parecia solidificada.
Ou alguém é capaz de negar que Avamileno caminhava para a consagração como símbolo de qualidades pouco comuns no mundo da política ao associar discrição, modéstia, companheirismo e preparo psicológico para suportar pressões típicas de quem governa um Município tão importante como complexo, sobretudo tendo a sombra de Celso Daniel a espicaçar-lhe a auto-estima?
A impressão que João Avamileno passa para o conjunto da população que acompanhou atentamente os acontecimentos pré-eleitorais do PT é que teria se cansado da própria biografia de espécie de eterno segundo homem da hierarquia do Paço. Por isso resolveu exorcizar o fantasma de Celso Daniel supostamente encarnado por Mário Maurici.
Entretanto, João Avamileno não se deu conta de que todos os secretários, e não apenas Mário Maurici, são filhotes da mesma incubadora técnica e matricial; ou seja, são replicantes de um Celso Daniel que, ao formar a equipe de governo no terceiro mandato conquistado, vivia o auge da maturidade político-administrativa.