Já passava das 22h30 de terça-feira quando o celular acusou uma mensagem. Estava ao telefone fixo com um amigo, por isso demorei para conferir. Lá constava a sugestão, rigorosamente nestes termos: “Não perca Maurici no programa do Joaquim Alessi às 22:30″. Fui à sala, sintonizei o Canal 45 da Rede Brasil e encontrei o jornalista Joaquim Alessi com aquele jeito todo especial de repassar com a malícia dos experientes no ramo as perguntas nem sempre amenas dos telespectadores.
Ao lado, Mário Maurici de Lima Moraes, ex-secretário de Governo do prefeito João Avamileno, marido da secretária municipal Ivete Garcia, candidatíssima às prévias petistas de 11 de novembro numa disputa acirradíssima com o deputado estadual Vanderlei Siraque.
Conhecedor de Maurici como sou, não esperava nada diferente do que encontrei durante os 40 minutos finais do programa: com a suavidade própria de quem está permanentemente preparado para o embate com adversários políticos dentro e fora do PT, o ex-prefeito de Franco da Rocha moveu-se com desembaraço entre uma e outra pergunta mais aguda dos telespectadores, as quais, insisto, Joaquim Alessi transmitia com a suavidade de quem faz uma declaração de amor. Uma qualidade que, francamente, invejo.
O ponto mais contundente da entrevista versou sobre a crise na Fundação Santo André, não os acontecimentos no Paço Municipal, aos quais Maurici deu tratamento cuidadoso, como só se poderia esperar de um militante petista com a responsabilidade de apagar incêndio.
Sobre o caso Fundação Santo André, me surpreendeu a firmeza de Mário Maurici, favorável à demissão do reitor Odair Bermelho, tido e havido como homem de confiança de Vanderlei Siraque.
O mais surpreendente ainda da resposta trafegou distante da possibilidade de apontamento e retaliação ao relacionamento entre o reitor e o deputado, sabido de todos.
Optou o ex-mandachuva da Prefeitura de Santo André — mandachuva depois do prefeito, evidentemente — pela justificativa da quebra da ordem, da disciplina e da funcionalidade daquela instituição, síntese de uma crise de governabilidade, e em nenhum instante por causa das ligações com o adversário de Ivete Garcia.
Mais que isso: Maurici foi tão elegante e sutil que não só deixou aos telespectadores suposto desinteresse em vincular Siraque ao caso como, também, em nenhuma frase, mesmo que subliminarmente, atribuiu ao adversário de Ivete Garcia qualquer vínculo de responsabilidade no movimento grevista dos estudantes.
Aliás, nesse ponto, cabe um parêntese: o reitor Odair Bermelho tem história acadêmica que não pode ser descartada e desqualificada por conta de ocorrências ainda pouco claras na Fundação Santo André. Por mais que considere sensata a resolução sugerida por Mário Maurici, agora livre das amarras de falar pelo governo municipal, entendo que o simplismo de cortar a cabeça do reitor sem que se busque a construção de proposta menos personalizada terá efeito circunstancial, não estrutural. Há evidentes interesses ideológicos na disputa por espaço na Fundação Santo André, sobretudo de aparelhamentos de petistas dissidentes, e uma incontrolável proposição de privilegiar a algazarra em vez da reflexão e da negociação. Nem a participação do senador Eduardo Suplicy em uma ou duas assembléias acalmou os ânimos porque não se busca, de fato, o caminho da conciliação. O esquartejamento moral seguido do apeamento do reitor do cargo parece inegociável.
Agora, voltando à entrevista de Mário Maurici, aqueles 40 minutos valeram principalmente para consolidar a impressão de que o homem que pode virar primeiro-cavalheiro da Prefeitura de Santo André sem que a chefia do Executivo se sinta melindrada é um malabarista das frases não necessariamente feitas, mas, quando feitas, rebocadas até de textos bíblicos e cuidadosamente contextualizadas como salvaguardas à inconveniente exposição de vísceras políticas. Caso, por exemplo, do drible que deu num telespectador que lhe pretendeu uma resposta provavelmente ácida sobre o fato de um vereador de oposição estar de namoro com o Paço Municipal depois de ele, Maurici, ser exonerado. “Os caminhos do Senhor são insondáveis” — disse ele se a memória não está a me trair.
Com Maurici ao vivo numa intervenção jornalística como no programa de Joaquim Alessi, ou numa mesa de restaurante, parece que jamais o circo pegará fogo, tal a candura com que se manifesta.
Por essas e outras não consigo entender por que o prefeito João Avamileno saiu da gelidez de sempre e incendiou o Paço Municipal naquela tarde de segunda-feira quando comunicou a demissão do homem que durante seis anos lhe deu plena proteção contra assédios internos e externos.